Estamos a finalizar o ano lectivo, o primeiro dos dois previstos para o desenvolvimento do Plano de Recuperação das Aprendizagens 21/23 Escola+. No DN encontra-se uma peça na qual alguns agentes da comunidade educativa, professores, pais e alunos, referem a necessidade de que o tempo para recuperar as aprendizagens e dificuldades resultantes da pandemia seja alargado, considerando este como um ano zero, até porque também os primeiros meses do ano lectivo se caracterizaram pela ausência da sala de aula de muitos alunos ainda devido à situação de saúde.
Retomo algumas notas sobre esta
questão.
Parece ser consensual que o maior
ou menor impacto nas aprendizagens, por múltiplas razões, é extremamente
diversificado em cada aluno. Parece razoavelmente claro que a diversidade de
situações, o seu número, os anos de escolaridade dos alunos, as variáveis
contextuais relativas a cada comunidade escolar, recursos disponíveis em cada
comunidade, as necessidades específicas de muitos alunos, os seus contextos
familiares, etc. etc. sugerem que devem ser as escolas a avaliar as
necessidades, identificar os recursos necessários, estabelecer objectivos,
definir metodologias e dispositivos de regulação e avaliação.
Os professores sabem como avaliar
e identificar as dificuldades dos alunos. O que verdadeiramente é
imprescindível é dotar as escolas dos recursos necessários para minimizar tanto
e tão rápido quanto possível as dificuldades que identificam. Recursos
suficientes para recorrer a apoios tutoriais ou ao trabalho com grupos de
alunos de menor dimensão, apoios específicos a alunos mais vulneráveis,
técnicos, psicólogos, por exemplo, num rácio que possibilite um trabalho
multidimensionado como é exigido, etc., são essenciais. Torna-se também
necessária a existência de dispositivos de regulação que sustentem o trabalho
desenvolvido e de processos desburocratizados.
Para além das narrativas
institucionais mais “simpáticas”, por assim dizer, o que se vai sabendo das
escolas mostra, sem surpresa, o conjunto de dificuldades que se continuam a
sentir.
Por outro lado, considerando os
indicadores relativos ao impacto das variáveis relativas ao contexto
sociofamiliar e económico dos alunos nos seus trajectos de aprendizagem é
preciso considerar que não é uma questão compatível com um Plano de curto prazo
que está em desenvolvimento e com sobressaltos conhecidos.
É importante recordar que, como
já aqui afirmei, um trabalho divulgado em Maio de 2021 pela Human Rignts Watch
sobre os efeitos da pandemia na população escolar e com dados da ONU afirmava
que “Uma em cada cinco crianças estava fora da escola antes mesmo da covid-19”.
Como já tenho escrito simpatizo
pouco com narrativas sobre perdas irreparáveis, gerações perdidas ou outros
discursos da mesma natureza, sobretudo quando são subscritos, por exemplo, pelo
ex-Ministro da Educação. No entanto, a verdade é que muitos alunos incluindo
alunos com necessidades especiais, independentemente da avaliação registada nas
grelhas ou nas pautas de avaliação passaram e passam por sobressaltos e
dificuldades no seu percurso escolar.
Neste contexto, a questão central
não deve ser definida em torno da recuperação dos efeitos da pandemia nas
aprendizagens ou no bem-estar através de planos de recuperação finitos, mas
sim, na mudança ao nível das políticas públicas dos diferentes países,
incluindo Portugal, que, para além de forma mais imediata “recuperarem
aprendizagens”, tenham impacto a prazo através de recursos suficientes e
competentes, definição de dispositivos de apoio eficientes e de acordo com as
necessidades, apoios sociais que minimizem vulnerabilidades que a escola não suprime,
valorização da educação e dos professores, diferenciação e autonomia nas
respostas das instituições educativas, etc.
Acresce que o relatório da
primeira monitorização feita pela Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e
Ciência ao Plano de Recuperação das Aprendizagens 21/23 Escola+ evidenciou uma
impressionante multiplicidade de processos, situações, medidas, iniciativas,
designações, acções, actividades, em que se enredam os processos educativos
escolares.
A esta dimensão do trabalho das
escolas e agrupamentos junta-se a gama sem fim de Planos, Projectos, Programas,
Iniciativas, as combinações são múltiplas, destinados a tudo e mais alguma
coisa, certamente relevantes e, sobretudo, inovadores.
Mais uma vez insisto na
necessidade de que o ME estabeleça a simplificação como orientação central nas
diferentes dimensões das políticas públicas de educação.
Seria desejável e necessário que
o trabalho a desenvolver, os conteúdos envolvidos, os dispositivos em
utilização, a organização de tempos e rotinas, etc., tivessem como preocupação
a simplificação, professores alunos e famílias ganhariam. Esta simplificação
deve incluir a avaliação e registos. Seria positivo que, tanto quanto possível,
se aliviasse a pressão “grelhadora” e a burocracia asfixiante a que
habitualmente escolas e professores estão sujeitos.
Como é evidente, este apelo à
simplificação não tem a ver com menos rigor, qualidade, intencionalidade
educativa ou não proporcionar tempo de efectiva aprendizagem para todos. Antes
pelo contrário, se conseguirmos simplificar processos e recursos, alunos,
professores e famílias beneficiarão mais do esforço enorme que todos têm que
realizar e estão a realizar.
Sintetizando, para além da conjuntura próxima, cuidar dos danos da pandemia, importa considerar o que é estrutural e imprescindível em nome do futuro, a qualidade da educação e uma educação de qualidade para todos.
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