No Público encontra-se uma peça sobre as mudanças no currículo de Matemática reflectidas nas Aprendizagens Essenciais que entrarão em vigor no 1º, 3.º, 5.º e 7.º anos de escolaridade em 22/23 sendo aplicadas nos dois anos seguintes aos restantes anos de escolaridade.
Creio ser consensual que com uma regularidade adequada será necessário introduzir
ajustamentos nos conteúdos curriculares por razões de ordem diversa e as mudanças
devem ser ajustadas nos conteúdos e na forma.
A questão é que o currículo de
Matemática, e não só, é uma matéria quase que permanentemente na agenda e, mais
uma vez, esta divulgação desencadeou as divergências habituais, já presentes durante
a discussão pública e também na própria decisão de alterar o currículo.
Não sou especialista em questões
curriculares, mas curiosamente duas Associações, Sociedade Portuguesa de
Matemática e a Associação dos Professores de Matemática, representativas deste
universo quase sempre têm entendimentos diferentes com um argumentário que em
alguns aspectos que me são mais familiares, o funcionamento dos alunos, me
levantam dúvidas e, por vezes, me parecem fruto de agendas para além da
Matemática.
No entanto, julgo que estruturas
curriculares demasiado extensas, normativas e prescritivas são pouco amigáveis
para o bom desempenho da generalidade dos alunos, pouco amigáveis para acomodar
a diversidade sendo ainda que não será só a Matemática que poderia beneficiar
de ajustamentos em matéria de currículo.
As alterações parecem ser de
algum significado e estará a decorrer a formação, perdão, a capacitação dos
formadores que trabalharão na formação, perdão, na capacitação dos docentes de
Matemática.
Como acontece com qualquer
alteração o objectivo será sempre adequar e melhorar as competências dos alunos.
No entanto, o desempenho a matemática pode ainda ser influenciado, não numa
relação de causa-efeito, por múltiplas variáveis como número de alunos por
turma, tipologia das turmas, das escolas e dos contextos, dispositivos de apoio
às dificuldades de alunos e professores ou questões de natureza didáctica e
pedagógica.
Acresce a esta complexidade um
conjunto de outras variáveis menos consideradas por vezes, mas que a
experiência e a evidência mostram ter também algum impacto e que julgo
necessitar de mais atenção.
São variáveis de natureza mais
psicológica como a percepção que os alunos têm de si próprios como capazes de
ter sucesso associada a contextos familiares de natureza diversa, por exemplo.
É também conhecido que os pais
com mais qualificação e de mais elevado estatuto económico têm expectativas
mais elevadas sobre o desempenho escolar dos filhos o que se repercute na acção
educativa e nos resultados escolares e, naturalmente, mais facilmente mobilizam
formas de ajuda para eventuais dificuldades, seja nos TPC, seja através de
ajuda externa.
Finalmente uma outra variável
neste âmbito, a representação sobre a própria matemática. Creio que ainda hoje
existe uma percepção passada nos discursos de muita gente com diferentes níveis
de qualificação de que a matemática é uma “coisa difícil” e ainda de que só os
mais “inteligentes” têm “jeito” para a atemática. Esta ideia é tão presente que
não é raro ouvir figuras públicas afirmar sem qualquer sobressalto e até com
bonomia que “nunca tiveram jeito para a atemática, para os números”. É claro
que ninguém se atreve a confessar uma eventual “falta de jeito” para a Língua Portuguesa
e, por vezes, bem que “parece”. A mudança deste cenário é uma tarefa para todos
nós e não apenas para os professores e seria importante que acontecesse.
De facto, este tipo de discursos
não pode deixar de contaminar os alunos logo desde o 1º ciclo convencendo-se
alguns que a Matemática vai ser difícil, não vão conseguir ser “bons” e a
desmotivar-se.
Não fica fácil a tarefa dos
professores, mas no limite e como sempre será a escola o braço operacional da
comunidade que quer fazer a diferença.
Parece ainda claro e é uma
questão central que para promover mais sucesso e não empurrar os alunos para os
anos seguintes sem nenhuma melhoria nas suas competências ou saberes é essencial
criar e tornar acessíveis a alunos, professores e famílias apoios e recursos
adequados e competentes de forma a evitar a última e genericamente ineficaz
medida do chumbo.
Sabemos também que a escola pode
e deve fazer a diferença, em muitas escolas isso acontece. Mas para que isto
seja consistente e não localizado também sabemos que o sucesso se constrói
identificando e prevenindo dificuldades de forma precoce, com a definição de
currículos adequados certamente, mas também com a estruturação de dispositivos
de apoio eficazes, competentes e suficientes a alunos e professores, com a
definição de políticas educativas que sustentem um quadro normativo simples e
coerente e modelos adequados e reais de autonomia, organização e funcionamento
desburocratizado das escolas, com a definição de objectivos de curto e médio
prazo, com a valorização e desburocratização do trabalho dos professores, com
práticas de diferenciação que não sejam "grelhodependentes", com
expectativas positivas face ao trabalho e face aos alunos, com melhores níveis
de trabalho cooperativo e tutorial, quer para professores quer para alunos,
etc.
Uma nota final para a importância
da avaliação externa como forma imprescindível de regulação. No entanto, não
entendo que só por existirem e serem muitos, os exames finais, só por si, insisto,
só por si, melhorem a qualidade. É como se só por medir muitas vezes a febre se
espere que ela baixe. A qualidade é promovida considerando o que escrevi em
cima e regulada em termos globais pela avaliação externa que permite análises
necessárias, nacionais ou internacionais como, por exemplo, o TIMSS.
É com a escola, por dentro da
escola e integrado em sólidos projectos de autonomia e responsabilidade e com
recursos adequados que o caminho se constrói.
Sabemos tudo isto. Nada é novo
mesmo com um currículo novo. Só falta um pequeno passo.
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