domingo, 13 de março de 2022

A TINTA INVISÍVEL

 Um dia destes, numa conversa informal entre professores, comentavam-se vários casos em que miúdos passam por situações complicadas sem que, aparentemente, se tornasse visível o impacto dessas situações. Alguns professores sugeriam que certos miúdos parecem ter uma estranha capacidade para mascarar a sua vida, ou mesmo o seu mal-estar.

Na conversa também participava o Professor Velho, o que está na biblioteca e fala com os livros, que contou a história de um rapaz que ele tinha conhecido há muitos anos e que ia escrevendo a sua narrativa com tinta invisível. Os colegas, por um lado surpreendidos com a afirmação e por outro lado habituados às divagações do Velho, esperaram por alguma clarificação.

O Professor Velho falou então de um miúdo em que ele sentia que alguma coisa se passava que não o deixava sentir bem, mas não conseguia perceber o que era. Começou a ficar mais atento aos sinais e às falas do rapaz e chegou à conclusão de que ele escrevia a sua vida com aquela tinta que só com um truque se torna visível. No caso, o truque foi a atenção. Existem muitas narrativas que falam de medo, de desconforto, de desafecto, de abandono e solidão, de raiva, de perplexidade e que permanecem invisíveis. Só mesmo a atenção é que torna visível a tinta com que são escritas.

O Velho acabou a referir que o problema é que a atenção que permite decifrar a tinta invisível de algumas narrativas nem sempre se consegue ensinar, embora sempre se possa aprender.

Aqueles professores pareciam atentos à fala do Professor Velho.

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