Com alguma frequência, demasiada frequência, aqui escrevo
sobre ou a propósito de situações de violência dirigida a professores e
realizada por alunos ou encarregados de educação (serão mesmo de educação?!).
Agora numa escola secundária do Porto e no recinto escolar registou-se mais uma agressão a um professor por parte dos pais de um aluno.
Andam negros os tempos para os professores e, de novo,
algumas notas sobre duas das questões que ensombram os tempos.
Sempre que escrevo sobre esta questão, agressões e insultos
a professores, e dadas as circunstâncias faço-o com regularidade, é sempre com
preocupação e mal-estar, mas creio que é preciso insistir.
As notícias sobre agressões a professores, cometidas por
alunos ou encarregados de educação, continuam com demasiada frequência embora
nem todos os episódios sejam divulgados. Aliás, são conhecidos casos de
direcções que desincentivam as queixas dado o “incómodo” e “publicidade
negativa” para a escola que trará a divulgação.
Os testemunhos de professores vitimizados são perturbadores
e exigem atenção e intervenção.
Cada um dos recorrentes episódios é, obviamente, um caso de
polícia, mas não pode ser “apenas” mais um caso de polícia e julgo que, mais do
que ser notícia, importaria reflectir nos caminhos que seguimos.
Esta matéria, embora seja objecto de rápidos discursos de
natureza populista e securitária, parece-me complexa e de análise pouco
compatível com um espaço desta natureza. Apenas umas notas repescadas.
Retomo uma breve reflexão em torno de três eixos: a imagem
social dos professores, a mudança na percepção social dos traços de autoridade
e o sentimento de impunidade que me parecem fortemente ligados a este fenómeno.
Já aqui tenho referido que os ataques, intencionais ou não,
à imagem dos professores, incluindo parte do discurso de gente dentro do
universo da educação que tem, evidentemente, responsabilidades acrescidas e
também o discurso que muitos opinadores profissionais, mais ou menos ignorantes
ou com agendas implícitas, produzem sobre os professores e a escola,
contribuíram para alterações significativas da percepção social de autoridade
dos professores, fragilizando-a seriamente aos olhos da comunidade educativa,
sobretudo, alunos e pais. Os últimos tempos têm sido, aliás, elucidativos.
Quando o ME refere a existência de “casos pontuais” colabora na desvalorização
destes episódios, um já seria grave. Tarda, do meu ponto de vista, uma topada
de posição e o alinhamento de uma estratégia de forma robusta por parte do
Ministro ou de quem por ele possa intervir.
Esta fragilização tem, do meu ponto de vista, graves e
óbvias consequências, na relação dos professores com alunos e pais.
No entanto, importa registar que a classe docente é dos
grupos profissionais em que os portugueses mais confiam o que me parece
relevante.
Em segundo lugar, tem vindo a mudar significativamente a
percepção social do que poderemos chamar de traços de autoridade. Os professores,
entre outras profissões, polícias ou profissionais de saúde, por exemplo, eram
percebidos, só pela sua condição de professores, como fontes de autoridade. Tal
processo alterou-se, o facto de se ser professor, já não confere, só por si,
“autoridade” que iniba a utilização de comportamentos de desrespeito ou de
agressão. O mesmo se passa, como referi, com outras profissões em que também,
por razões deste tipo, aumentam as agressões a profissionais da área da saúde,
médicos e enfermeiros.
Finalmente, importa considerar, creio, o sentimento
instalado em Portugal de que não acontece nada, faça-se o que se fizer. Este
sentimento que atravessa toda a nossa sociedade e camadas sociais é devastador
do ponto de vista de regulação dos comportamentos, ou seja, podemos fazer
qualquer coisa porque não acontece nada, a “grandes” e a “pequenos”, mas
sobretudo a grandes, o que aumenta a percepção de impunidade dos “pequenos”.
Considerando este quadro, creio que, independente de
dispositivos de formação e apoio, com impacto quer preventivo, quer na actuação
em caso de conflito, obviamente úteis, o caminho essencial é a revalorização da
função docente tarefa que exige o envolvimento de toda a comunidade e a
retirada da educação da agenda da partidocracia para a recolocar como
prioridade na agenda política.
Definitivamente, a valorização social e profissional dos
professores, em diferentes dimensões é uma ferramenta imprescindível a um
sistema educativo com mais qualidade sendo esta valorização uma das dimensões
identificadas nos sistemas educativos mais bem considerados.
É ainda fundamental que se agilizem, ganhem eficácia e sejam
divulgados os processos de avaliação ou julgamento, e a punição e
responsabilização sérias dos casos verificados, o que contribuirá para combater,
justamente, a ideia de impunidade.
Uma outra questão que ensombrece os tempos dos professores
e que também é abordada no JN prende-se com os efeitos dos modelos de carreira
e colocação dos professores.
São testemunhos de professores, pessoas, já com muitos anos
de serviço, que percorrem o país procurando alguma estabilidade profissional.
Esta instabilidade é vivida com custos severos do ponto de
vista económico, muitos docentes mantêm duas residências, familiares, separação
forçada de filhos e cônjuges e até, do meu ponto de vista, emocional com
potenciais riscos no bem-estar e desempenho profissional. Aliás, a justificação
da peça do DN é justamente o impacto que o aumento substantivo do preço dos combustíveis
tem no rendimento de quem faz centenas de quilómetros para trabalha na
expectativa de acumular tempo de serviço que lhe garanta colocação efectiva e
mais próxima. A prolongar-se, a situação pode constituir mais um contributo
para a baixa atractividade que, actualmente, a carreira docente parece revelar.
Este cenário releva, obviamente, de medidas de política
educativa com erros de décadas e outros mais actuais. Por outro lado, o modelo
de gestão da colocação de professores carece de óbvia alteração,
designadamente, caminhando numa perspectiva de descentralização que acompanhe a
necessária e regulada autonomia das escolas e promova estabilidade.
Muitos professores, alguns com muitos anos de experiência,
vivem vidas adiadas, sem estabilidade, mantendo a dependência familiar ou
adiando a vida familiar própria.
Parece também adiada a esperança e a confiança num futuro
melhor.