quinta-feira, 25 de novembro de 2021

O CHUMBO ESCOLAR, DE NOVO

 Não é nada de novo, mas é preciso insistir. De acordo com dados relativos a 19/20 agora divulgados pela Direcção Geral de Estatísticas da Educação a retenção dos alunos não tem impacto significativo no seu sucesso.

Considerando o desempenho dos alunos que entraram em 2017/2018 nos cursos científico-humanísticos e no ensino profissional, verifica-se que a idade de entrada no secundário está associada ao trajecto futuro. Nos cursos científico-humanísticos, 75% dos alunos que ingressaram com 15 anos ou menos (trajectos sem retenções) concluíram o secundário no prazo esperado, três anos. Dos que entraram com 16 anos (uma retenção), apenas 44% concluíram em três anos e dos que entraram com 18 ou mais apenas 20% concluíram sendo que destes 38% desistiram de estudar.

No ensino profissional o quadro é semelhante. Dos alunos que entraram nos cursos com 15 anos ou menos, 80% concluíram em três anos, com 16 anos concluíram 66% e com 18anos ou mais concluíram 37%.

Como tantas vezes aqui tenho escrito e bordado em contextos profissionais, a questão da retenção dos alunos, o chumbo, está permanentemente em discussão e sujeita a uma imensidade de opiniões, visões e equívocos, quase sempre esquecendo a evidência conhecida.

Em 2018 o CNE divulgou o Relatório “Estado da Educação, 2017” com indicadores analisados em parceria com a Fundação Francisco Manuel dos Santos no âmbito do Projecto aQeduto incluindo numa vertente económica. Em termos económicos e recorrendo aos estudos já desenvolvidos o impacto económico da retenção era estimado em cerca de 6000€ por aluno em cada ano.

Adaptando o modelo desenvolvido pela Education Endowment Foundation, o Projecto aQeduto identificou o grau de eficácia e custo económico de um elenco de medidas de combate ao insucesso. Das medidas analisadas, a retenção tem o custo mais elevado e a eficiência é negativa, promove um atraso de 4 meses. Ensinar a estudar é a medida mais económica, 87€, e mais eficiente, promove um ganho de 8 meses de aprendizagem. 

Estes dados são importantes, mas a sua substância não é nova.

Recordo que no Relatório “Low-Performing Students - Why They FallBehind and How To Help Them Succeed” divulgado pela OCDE em 2017 se evidencia que o “chumbo”, a retenção, é para os alunos portugueses o principal factor de risco para os resultados na avaliação posterior, dito de outra maneira, os alunos chumbam … mas não melhoram.

De facto, definitivamente, não adianta discutir se o chumbo transforma o insucesso em sucesso. Não transforma, repetir só por repetir não produz sucesso, aliás gera mais insucesso conforme os estudos mostram.

Confesso sempre alguma surpresa e dificuldade em compreender quando ao discutir-se os efeitos pouco positivos da retenção algumas vozes, mesmo dentro do universo da educação, clamam que se está a promover o "facilitismo" ou a defender que "então passam sem saber". A leitura das caixas de comentários às notícias sobre estas questões é elucidativa.

Nesta conformidade e do meu ponto de vista, a questão central não é o chumba, não chumba, e quais os critérios ou o número de exames, mas sim que tipo de apoios, que medidas e recursos devem estar disponíveis para alunos, professores e famílias desde o início da percepção de dificuldades com o objectivo de evitar a última e genericamente ineficaz medida do chumbo.

Este discurso não tem rigorosamente a ver com "facilitismo" e, muito menos, com melhoria "administrativa" das estatísticas da educação, uma tentação a que nem sempre se resiste. Pelo contrário, “facilitismo” é acreditar que a retenção resolve o problema do insucesso. Por outro lado, a eventual “passagem sem saber” apenas adia o insucesso que fica mais difícil de porque acumula dificuldades.

É essencial promover e tornar acessíveis a alunos, professores e famílias apoios e recursos adequados e competentes de forma a evitar a última e genericamente ineficaz medida do chumbo. É fundamental não esquecer que o insucesso continua a atingir fundamentalmente os alunos oriundos de famílias com pior condição económica e social pelo que inibe o objectivo da mobilidade social. A associação entre o insucesso e a pobreza em Portugal é, aliás, a mais forte entre os países europeus. Em Portugal os bons alunos são os que mais trabalham em casa, TPC e explicações, dado a que, evidentemente, não é alheio ao nível de escolaridade dos pais e ao estatuto económico. É necessário também diversificar percursos de formação com diferentes modelos curriculares e carga lectiva finalizando sempre com algum tipo formação profissional. Esta diferenciação não deve acontecer em idades precoces criando percursos irreversíveis de "segunda" para os "sem jeito para a escola" e "preguiçosos".

A qualidade promove-se, é certo e deve sublinhar-se, com a avaliação rigorosa e regular das aprendizagens, sim, naturalmente, mas também com a avaliação do trabalho dos professores, com a definição de currículos adequados, com a estruturação de dispositivos de apoio a alunos e professores eficazes e suficientes, com a definição de políticas educativas que sustentem um quadro normativo simples e coerente e modelos adequados e reais de autonomia, organização e funcionamento desburocratizado das escolas, com a definição de objectivos de curto e médio prazo, etc.

É o que acontece, genericamente, nos países com mais baixas taxas de retenção escolar.

É o que tarda em acontecer de forma consistente em Portugal.

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