Ao que parece entrámos num novo capítulo da crónica de uma falta anunciada, a falta de professores em múltiplas áreas. Não fomos surpreendidos, há anos que se antecipava este problema com os efeitos sérios que já se registam.
A negligência incompetente com
que a questão do número de professores necessários ao sistema tem sido tratada
contribui para a situação criada. Os dados demográficos, a composição dos
grupos disciplinares e as necessidades das escolas constituem informação
conhecida de há muito sem que se tenham desencadeado medidas com alguma
eficiência e em tempo oportuno.
Parece ainda claro que a
narrativa dos professores a mais, globalmente, não passava disso mesmo, uma
narrativa, tal como a sobrevalorizada ideia de que o rácio professor/alunos no
nosso sistema público de ensino era um “luxo”.
Acresce que o modelo de carreira,
a desvalorização da profissão docente entre outras variáveis serão
contributivas para aqui termos chegado e também se associa a uma menor capacidade
de captação de novos professores, para além da alimentação da precariedade que
vai contribuindo para que muitos professores vão tendo um conhecimento alargado
do país.
O ME parece dar agora conta de que
tem mesmo um problema, faltam professores e faltarão por mais algum tempo de acordo
com o estudo apresentado.
Seguindo o protocolo em vigor,
cria-se uma “força de tarefa”, perdão, uma “task force”. Enquanto aguardamos as
próximas iniciativas o ME anuncia a intenção de promover o recrutamento de pessoas com formação científica, mas sem formação para o ensino, um caminho já
seguido através da contratação pelas escolas ao abrigo de “necessidades
temporárias. Agora ganha estatuto de política educativa.
Os “professores” assim contratados
“aprenderão” a ser professores através de um processo de “profissionalização em
serviço”, um estágio que no quadro actual será de um ano e terão formação teórica
a distância assegurada por uma instituição de ensino superior. E pronto, são
professores. Serão?
Ainda não há muito tempo e também
a propósito da falta de professores que se tem arrastado neste início de
lectivo com muitos alunos ainda sem aulas em algumas disciplinas ou cargas horárias
reduzidas, a velha história da manta, abordei o que agora parece perspectivar-se
como medida estrutural, a entrada de profissionais sem formação, desculpem, sem
capacitação de base direccionada para o ensino.
Na altura expressei alguma
inquietação que agora retomo.
Esta opção, ainda que de uma forma
“mitigada” tá tinha sido promovida em 2020 quando se estabeleceu a
possibilidade de que professores de Inglês, Francês, Alemão ou Espanhol possam
dar aulas de Português no 3.º ciclo e secundário desde que tenham feito um
“estágio pedagógico” nesta área. Também a disciplina de Inglês poderá ser
assegurada por professores de Português, Francês, Alemão e Espanhol e a de
Geografia por professores de História. Finalmente, a disciplina de TIC pode ser
leccionada por qualquer docente que tenha frequentado uma acção de formação
nesta área.
O que agora se anuncia parece-me
conter um enorme risco de “desprofissionalização” dos docentes. Esta
“desprofissionalização” pode ir acontecendo através de medidas desta natureza,
mas também através da timidez na promoção da autonomia das escolas associada
aos efeitos da "municipalização” em curso ou projectos de intervenção nas
escolas realizados em “outsourcing”.
Como também já tenho referido
este movimento não é de agora e não começou por cá. Tem vindo a fazer o seu
caminho em diferentes sistemas emergiu na década de 80 sob a designação de
“deskilling” promovendo concepção “empobrecida”, diria “embaratecida”do
professor e da sua função. Nesta visão, os docentes cumprem ordens e programas,
não têm que fazer grandes escolhas, possuir conhecimento aprofundado, solidez
nas metodologias, valores éticos e morais, etc. Seria suficiente uns
burocratas, agora mais burocratas digitais a papaguear, fabricar, aulas para
grupos de alunos "normalizados".
Os professores serão basicamente
“entregadores de conteúdos”, (content delivers na formulação original), burocratiza-se
ainda mais a “medição de saberes” apoiados em fórmulas de gestão em modelo
“digito-burocrata construídas num qualquer serviço centralizado ou com um
modelo que apesar de “descentralizado” não atribui, de facto, autonomia robusta
às escolas cujo modelo de governação é parte desta equação.
Definitivamente, este não pode
ser o caminho. Não podemos correr um risco de “desprofissionalização” que pode tornar os professores mais
“baratos”, mas o nosso futuro será mais caro por pior qualidade, um professor
de … é muito mais que um técnico de …
Todas as necessárias mudanças na
educação só podem ocorrer e ser bem-sucedidas com o envolvimento e valorização
dos professores, das suas competências e das suas carreiras, mas também, naturalmente,
com a sua avaliação justa, transparente e competente.
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