O Público faz referência a um documento de trabalho produzido pela OCDE, “More Time at School” no âmbito de uma reflexão sobre o tempo passado na escola sendo objecto de análise o tempo para além da carga curricular estabelecida, em Portugal, o programa Escola a Tempo Inteiro.
Num dos primeiros textos que escrevi no blogue, Fevereio de
2007, considerei esta iniciativa assente num equívoco, confundir escola a tempo
inteiro com educação a tempo inteiro.
Como o trabalho em análise reconhece, este programa foi
estruturado privilegiando o acomodar as dificuldades das famílias na guarda das
crianças no tempo laboral e menos numa perspectiva de promover desenvolvimento
e aprendizagens.
Como desde sempre tenho defendido e reconhecendo que muitas
famílias lidam com sérias dificuldades na gestão dos seus tempos, também entendo que estas dificuldades não podem, não devem,
ser resolvidas prolongando até ao “infinito” a estadia dos alunos na escola, com
base no equívoco de confundir “Escola a Tempo Inteiro” com “Educação a Tempo
Inteiro” e/ou sem uma reflexão muito séria sobre o que deverá ser esse "tempo inteiro" da escola. A “overdose” contém sempre algum risco.
Creio que nem toda a gente tem consciência de que, de acordo
com a lei e considerando as necessidades das famílias, uma criança, por exemplo
do 1º ciclo, pode chegar a 50 horas por semana na escola, considerando horário
curricular, AEC, ATL e Componente de Apoio à Família. Aliás, no que respeita
aos tempos escolares já sabíamos, como referi acima, que os alunos portugueses,
sobretudo no início da escolaridade, têm umas das mais elevadas cargas horárias
conforme relatórios da Rede Eurydice ou da OCDE.
Esta overdose de estadia institucional na escola, com o
tempo muitas vezes preenchido com actividades de duvidosa qualidade apesar de
também existirem muito boas práticas, não pode deixar de ter algum impacto na
relação que os miúdos estabelecem com a escola e com as actividades da escola.
Deixem-me recordar que num debate em que participei realizado
no Alentejo em 2007 sobre o, na altura, recém-criado Escola a Tempo Inteiro,
uma professora contou que na sua escola tinha sido arranjado um espaço para as
crianças jogarem futebol a propósito do qual um aluno fez a seguinte observação
após o início das AEC, “Quando eu tinha tempo para brincar não tinha um campo.
Agora tenho um campo e não tenho tempo para jogar”. Elucidativo.
Como já disse, são conhecidas boas experiências neste
universo e devem ser sublinhadas e divulgadas, mas também todos conhecemos
situações em que existe a dificuldade óbvia e esperada de encontrar recursos
humanos com experiência e formação em trabalho não curricular. Acresce que boa
parte das escolas, como é natural, têm os seus espaços estruturados sobretudo
para salas de aula. Espaços para prática de actividades desportivas ou de ar
livre, expressivas, biblioteca, auditórios, etc., etc., a existirem
dificilmente poderão ser suficientes para uma ocupação da população escolar
alternativa à sala de aula.
Este obstáculo acaba por resultar na réplica de actividades
de natureza escolar com baixo ou nulo benefício e um risco a prazo de
desmotivação, no mínimo.
Por outro lado, tanto quanto o tempo excessivo de estadia na
escola, merece reflexão o risco e as implicações da natureza “disciplinarizada”
desse trabalho, ou seja, organizado por tempos e áreas, de acordo com os
modelos de organização curricular.
A enorme latitude de práticas que se encontram actualmente,
desde o muito bom ao muito mau, sustentam a inquietação a que acresce o modelo
a definir para estruturar estas respostas, ou seja, sendo possível no quadro
actual, que entidades externas as desenvolvam como assegurar o envolvimento e
responsabilidade da escola e a sua autonomia?
Na verdade, embora compreendendo a necessidade da resposta
seria desejável que, tanto quanto possível se minimizasse o risco de em vez de
tentarmos estruturar um espaço que seja educativo a tempo inteiro com
qualidade, preenchido na escola ou em espaços e equipamentos da comunidade,
assistirmos à definição de uma pesada agenda de actividades que motiva
situações de relação turbulenta e reactiva com a escola.
Sendo optimista vamos esperar que tudo corra bem e que as
boas práticas e experiências prevaleçam.
Nota final. Não referi, mas não esqueço a necessidade de
reflectir sobre o modelo de organização das AEC, designadamente o
"outsourcing" com situações de pagamento de "salários" indignos
a gente qualificada, e a gestão por vezes pouco transparente de recursos
humanos ao serviço de pequenos poderes.
Vamos ter que repensar os trabalhos dos miúdos, de muitos
miúdos. O consumo excessivo, mesmo de actividades fantásticas ou de actividades
escolares, tem riscos.
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