No Público encontrei um texto de Maria Paula Branco, “É preciso acabar com os preconceitos em relação ao ensino profissional”, que merece leitura e reflexão. Algumas notas a este propósito com as desculpas devidas pela extensão.
É imprescindível que ao sair do sistema educativo os jovens
ao sair do sistema se encontrem equipados com qualificação profissional, quer
ao nível do ensino secundário, quer ao nível do ensino superior que com o
trabalho no âmbito do ensino politécnico tem condições para processos de
qualificação mais curtos e mais diversificados. Assim, tenho registado os
avanços realizados na diversificação da ofertam formativa verificada nos
últimos anos apesar de alguns equívocos que geraram a percepção de uma formação
de “segunda” dirigida aos “maus” alunos, matéria abordada na peça. Estes equívocos decorreram também dos
discursos e procedimentos adoptados em muitas escolas e envolveram alunos e
famílias.
No universo da educação em Portugal, depois de Abril de 74,
instalou-se uma das mais generosas e ingénuas ideias que o tempo das utopias
gerou, todos os indivíduos deveriam ter formação universitária. Esta ideia, de
consequências devastadoras, quis combater a marca de classe presente nas
escolhas entre liceu e escolas industriais e comerciais e, sobretudo, o baixo
número de alunos que continuavam a estudar. O resultado foi criar um percurso
que todos deveriam seguir e que só terminaria no fim do ensino superior
universitário.
Com o aumento da escolaridade obrigatória e o aumento
exponencial do número de alunos começou a perceber-se o erro trágico de um só
percurso, muitos alunos chumbavam e abandonavam o sistema sem qualquer tipo de
qualificação. Aliás, mesmo completando o ensino secundário, o 12º ano, as
competências profissionais eram nulas, isto é, o 12º apenas ensinava, e mal, a
continuar a estudar, coisa que, entretanto, era dificultada com a figura
(lembram-se?) do "numerus clausus".
A partir de certa altura, timidamente, começaram a surgir
ofertas de vias profissionais que, por má explicação política, foram sobretudo
entendidas como uma estrada por onde segue quem não tem "jeito" ou
competência para estudar. Neste contexto, famílias e alunos sentiram
dificuldade em aderir a algo percebido como sendo de segunda. Entretanto, o
nível inaceitável de chumbos e abandono no secundário continuava a
envergonhar-nos.
Nos últimos anos, temos finalmente assistido a uma
significativa diferenciação da oferta educativa, sobretudo depois do 9º ano, e
essa oferta começa agora a perceber-se como uma alternativa à continuação de
estudos mais prolongada, o ensino superior politécnico ou universitário. A
oferta actual é bastante mais extensa o que tem contribuído para a descida
muito significativa do abandono escolar. Por outro lado, o crescimento
exponencial da oferta tem vindo a levantar sérias reservas face à natureza da
oferta formativa e à qualidade da formação providenciada e ainda não se
conseguiu alterar significativamente a perspectiva desvalorizada de muitos
professores, alunos e famílias.
Como muitas vezes tenho afirmado é fundamental diversificar
a oferta formativa, ou seja, promover a diferenciação de percursos. Só por esta
via me parece possível atingir um objectivo absolutamente central e
imprescindível, todos os alunos devem aceder a alguma forma de qualificação,
única forma de combater a exclusão e responder mais eficazmente à principal
característica de qualquer sala de aula actual, a heterogeneidade dos alunos. O
desenvolvimento deste trajecto precisa de ir contrariando a ideia de que não se
destina preferencialmente aos "que não servem" para a escola.
Uma referência ainda ao modelo posto em campo pela equipa do
ME liderada por Nuno Crato, o ensino vocacional, que considerei na altura
fortemente discutível, até num plano ético, que procedeu à introdução desta
diferenciação tão cedo, aos 13 anos, e “obrigatória” para os que chumbam. Por
outro lado, aos 13 anos, apesar de se remeter a “decisão” para um processo de
orientação vocacional que a insuficiência gritante de recursos não permite
assegurar, que alunos decidem? Alguém vai decidir por eles.
Poucos sistemas educativos assumem este entendimento e o
facto de o ensino alemão, a inspiração de Nuno Crato, colaboradores e
admiradores, o admitir não é uma certificação da correcção do modelo como
atestaram as apreciações internacionais.
Na verdade, Relatórios da OCDE e da UNESCO têm sustentado
que a colocação dos alunos com piores resultados escolares em ensino de
carácter técnico e vocacional muito cedo em vez da aposta nas aquisições
escolares fundamentais aumenta a dificuldade na mobilidade social.
Neste patamar etário, mais do que de ensino vocacional os
alunos precisam de apoios que lhes permitam, bem como aos seus professores,
minimizar dificuldades e risco de insucesso.
Precisamos, pois, de responder às causas deste enorme problema, mas
não podemos mascarar as estatísticas empurrando os “maus” para percursos que
“recebem” um rótulo de “segunda” pois são percebidos por parte da comunidade
como destinados aos menos dotados, “preguiçosos” ou com problemas vários.
Por outro lado, esta oferta deve ser adequada às
comunidades educativas e dotada dos recursos e meios necessários bem como de
maior e efectiva autonomia das escolas. Como tem sido referido em diferentes
avaliações e pelas direcções escolares esta situação está longe de acontecer.
A diferenciação dos percursos é necessária e imprescindível,
incluindo, obviamente, o ensino profissional tendo como potenciais destinatários todos os alunos como se verifica na maioria dos sistemas
educativos que se preocupam com os alunos, com todos os alunos e como sublinha
Maria Paula Branco.
O que deve estar disponível desde sempre são dispositivos de
apoio suficientes, competentes e oportunos a alunos e professores e formas de
diferenciação que melhor permitam acomodar melhor a diversidade dos alunos.
Finalmente, como também se sublinha no texto e é fundamental
para todo o sistema educativo, importa que existam dispositivos de regulação
que sustentem e promovam a qualidade da desta indispensável oferta educativa
dado o seu papel na construção de projectos de vida bem-sucedidos.
Sem comentários:
Enviar um comentário