segunda-feira, 6 de setembro de 2021

SE HOUVERA QUEM ME ENSINARA

 Foram agora divulgados os primeiros resultados do Programa de Mentoria do Projecto GAP, lançado pala Fundação Gulbenkian. De forma sintética, trata-se de um programa de mentoria desenvolvido por jovens com formação superior, formados pela Teach for Portugal, estrutura nacional que integra uma ONG global e destinado a ajudar na recuperação de alunos com o processo de aprendizagem afectado pelo impacto da experiência de ensino não presencial do ano passado e pela dificuldade no acompanhamento das aulas por falta de equipamentos digitais ou ligação à net.

O programa é centrado em Matemática, Português e Inglês e iniciou-se no passado ano lectivo tendo, por razões óbvias, procedido a ajustamentos realizando as sessões de mentoria em modo não presencial. Para além das disciplinas identificadas são trabalhadas competências “chave” como organização, auto-regulação, bem-estar e motivação.

O programa envolve 1300 alunos de 41 escolas, escolhidas em função peso do número de alunos no escalão A do Apoio Social Escolar, sendo que 50 dos alunos receberam apoio presencial em escolas que se mantiveram abertas e é apoiado por investigadores da Universidade do Minho.

Os resultados agora conhecidos são positivos designadamente no 2º e 3º ciclos e menos significativos no 1º ciclo provavelmente pela menor autonomia e auto-regulação de alunos mais novos. A intenção será alargar o Projecto a 50 000 alunos nos próximos 5 anos.

Como afirmei há uns meses, registo e saúdo todas as iniciativas que possam contribuir para minimizar ou erradicar problemas ou dificuldades, mas já me falta convicção no impacto do modelo mais habitualmente seguido.

Para cada constrangimento ou dificuldade percebida nas e pelas escolas e com regularidade, aparece vindo de fora ou gerido de fora, um Plano, um Projecto, um Programa, uma Iniciativa, as combinações são múltiplas, destinado a essa problemática.

Durante as últimas décadas, perco a conta a planos, projectos, programas, experiências inovadoras que chegaram às escolas para combater o insucesso ou, pela positiva, promover o sucesso, promover a leitura e escrita, promover a matemática, promover a educação científica, promover a educação inclusiva, erradicar ou minimizar o bullying, a relação entre escola e pais e encarregados de educação, promover a expressão artística e a criatividade, promover comportamentos saudáveis e actividades desportivas, literacia financeira, promover a inovação e as novas tecnologias, para não falar de iniciativas mais "alternativas", por assim dizer, e que têm poderes mágicos, parece. A lista enunciada é apenas exemplificativa.

Com demasiada frequência muitos destes projectos vêm de fora das escolas, as origens são variadas, não chegam a envolver a gente das escolas, esmagada pelo trabalho, burocracia e outros constrangimentos como, por exemplo, assegurar da melhor forma possível o dia-a-dia do trabalho educativo que tem de ser realizado.

Também com demasiada frequência muitos destes projectos morrem de “morta matada” ou de “morte morrida”, não são avaliados de forma robusta e dão umas fotografias ou vídeos que compõem o portfólio dos organizadores e proporcionam uma experiência que se deseja positiva aos intervenientes no tempo que durou, mas sem mais impacto.

Todavia, preciso de afirmar que muitos destes Planos, Projectos, Inovações, etc. dão origem a trabalhos notáveis que, também com frequência, não têm a divulgação e reconhecimento que todos os envolvidos mereceriam.

Também demasiadas vezes estas iniciativas consomem recursos com baixo retorno e ao serviço de múltiplas agendas.

Ponto.

Tenho para mim, que não podendo a escola responder a todas as questões que afectam quem nelas passa o dia poderia, ainda assim, fazer mais se os investimentos feitos no mundo à volta da escola e que lhe vem bater à porta com propostas fossem canalizados para as escolas.

Com real autonomia, com mais recursos e com modelos organizativos mais adequados as escolas poderiam fazer certamente mais e melhor que quem vem de fora numa passagem transitória, mais ou menos longa, mas transitória. Sim, tudo isto deveria ser objecto de escrutínio, regulação e avaliação também externa, naturalmente. Relembro que o Projecto GAP é desenvolvido por estudantes do ensino superior e não por professores e apresenta resultados positivos. E se fosse com professores das escolas?

Escolas com mais auxiliares, auxiliares informados e formados podem ter um papel importante em diferentes domínios.

Directores de turma com mais tempo para os alunos e menos burocracia poderiam desenvolver trabalho útil em múltiplos aspectos do comportamento e da aprendizagem.

Psicólogos e outros técnicos em número mais adequado, o que se verifica é inaceitável, poderiam acompanhar, promover e desenvolver múltiplas acções de apoio a alunos, professores, técnicos e pais.

Mediadores que promovessem iniciativas no âmbito da relação entre escola, pais e comunidade seriam, a experiência mostra-o, um investimento com retorno.

São apenas alguns exemplos de respostas com resultados potenciais com um custo que talvez não seja superior aos custos de tantos Projectos, Planos, Programas ou Iniciativas Inovadoras destinadas a múltiplas matérias e com custos associados de “produção” que já me têm embaraçado, mas a verdade é que as agendas e o marketing têm custos.

Na verdade, a “Projectite”, sobretudo vinda de fora, é uma opção com pouco potencial apesar, insisto, das boas experiências que felizmente também existem.

2 comentários:

Rui Ferreira disse...

E está tudo dito e bem dito.
Se o projeto é assim tão bom que seja absorvido pela escola e que se criem condições efetivas para responder, no mínimo, de igual forma à constatada.
Isto de se querer resolver problemas estruturais através de projetos baseados no voluntarismo ingénuo nunca dará certo.

Zé Morgado disse...

Olá Rui, é um cenário que se arrasta no tempo, o out sourcing não funciona em termos estruturais, embora conjunturalmente possam acontecer iniciativas interessantes.