Hoje tropecei com uma peça no JN sobre o pião, um dos brinquedos da minha infância. Não sabia, por exemplo, que
o pião existirá desde 4000 a.C. tendo sido encontrado vestígios nas margens do rio
Eufrates.
Uma das coisas que a
velhice traz é a nostalgia do que já passou e as histórias vividas.
Quando eu era gaiato, antes do
desenvolvimento ter tapado as quintas da zona onde morava com prédios deixando livre pouco mais que alcatrão, o espaço de brincadeiras era o mais acessível e
barato dos equipamentos, a rua. Como os estilos de vida e o quadro de valores
ainda tão tinham alimentado a insegurança, quando não havia escola, claro,
estávamos na rua, sempre na rua.
As actividades não eram muito
sofisticadas nem fantásticas, não ficávamos assim muito excelentes, mas divertíamo-nos
a sério, com calor, com frio, com chuva, mesmo à noite. É verdade que alguns
dos meus companheiros ainda foram “homens que nunca foram meninos” como lhes
chamou Soeiro Pereira Gomes, desde muito cedo fizeram-se ao trabalho.
Mas ainda arranjávamos tempo para
brincar, naquela época o tempo era mais barato e havia mais.
Nessa altura os miúdos ainda
podiam apanhar chuva e mexer na terra, não conhecíamos as ameaçadoras
bactérias, os nossos pais também ainda não eram excelentes e fantásticos sempre
na busca de orientações e “coaching” para promover a excelência dos filhos.
Muitas das actividades eram, por
assim dizer, sazonais, mais próprias de umas alturas do ano que de outras.
Algumas, já delas aqui contei, dariam vontade de rir aos miúdos de hoje mas
eram o máximo, a sério.
Andar horas de bicicleta, os
poucos que tinham, ou de arco e gancheta em exibição ou competição, realizar
intermináveis jogos de futebol, muda aos cinco acaba aos dez, com bolas de
cautchu adquiridas através dos rebuçados, jogar hóquei em patins, sem patins,
com uma bola de matraquilhos “desviada” no café e com talos de couve com a
curva adequada a servir de stick, jogar à descasca com o pião de madeira, são
alguns exemplos.
Fazer tiro ao arco com arcos
feitos a partir das varetas de guarda-chuvas velhos, passar horas nas diversas
variantes dos jogos com berlindes, exercitar a corrida com o jogo da rolha, do
lenço à barra, ou do toca e foge, experimentar a estratégia no jogar às
escondidas ou a perícia nas corridas de caricas, eram outras das muitas coisas
que fazíamos nos nossos tempos livres.
Nesse tempo havia tempo livre, os
miúdos hoje quase não têm. Mas são fantásticos e excelentes.
Às vezes ... não.
Não, não estou a dizer que era melhor a rua da minha infância e, muito menos, que a infância naquele tempo era boa, não não era, muitos miúdos passavam mal e não chegavam ... a ser miúdos. Estou apenas a dizer que os miúdos hoje beneficiariam de algumas experiências e oportunidades que as mudanças tiraram do seu quotidiano.