Um trabalho desenvolvido por
Pedro Morgado e Daniela Vilaverde da Escola de Medicina da Universidade do
Minho e agora divulgado na The Lancet Psychiatry mostra como a relação de
muitos apostadores portugueses com a vulgar “Raspadinha” tem vindo configurar um
comportamento aditivo, indutor de sofrimento e mal-estar social e familiar. Dados
de 2018 mostram os gastos nestas apostas foram de 1594 milhões de euros, 160€
por ano em média por apostador o que é superior ao que se verifica em muitos
países, 14€ por em Espanha por exemplo. A imprensa está a dar alguma cobertura a esta questão o que levou mesmo a uma reacção da santa Casa em defesa do "jogo" sublinhando que é saudável.
A verdade é que para além do caso particular da
Raspadinha tem aumentado de forma geral o investimento dos portugueses nos “jogos
sociais” da Santa Casa e nas apostas online. Na verdade, o Totobola e depois o
Euromilhões, o Totoloto, posteriormente a Raspadinha, fortemente apelativa pela
possibilidade de retorno imediato e grande acessibilidade, e mais recentemente
as apostas online estabeleceram-se firmemente na vida de muitos de nós e
criaram mesmo uma imagem criadora de futuro que nos move, provavelmente e para
muitas pessoas, a única imagem criadora de futuro.
Importa reconhecer que as imagens
criadoras de futuro são imprescindíveis, tanto mais quando atravessamos tempos
duros em que esperança também tem sido revista em baixa e ainda não
recuperámos.
Creio que esta questão é parte importante desta equação e apesar de sabermos que a decisão de apostar é sempre de natureza individual, o contexto em que muita gente vive, os estilos de vida e quadro de valores são variáveis que também devem ser consideradas.
Creio que esta questão é parte importante desta equação e apesar de sabermos que a decisão de apostar é sempre de natureza individual, o contexto em que muita gente vive, os estilos de vida e quadro de valores são variáveis que também devem ser consideradas.
Por outro lado e em termos culturais também encontramos algumas pista para entendimento. Julgo poder afirmar-se que em
muitos lares portugueses e em muitas conversas e talvez mais do que nunca, uma das
frases mais ouvidas é “nunca mais me sai o Euromilhões, para deixar de
trabalhar”. Muito provavelmente, cada um de nós já ouviu, pensou ou disse esta
expressão alguma vez ou vezes que não será usada apenas pelos
cidadãos com maiores dificuldades.
Acho curiosa a sua utilização.
Entendo, naturalmente, a ideia subjacente à primeira parte. Um prémio de valor
substantivo representaria, seguramente, a hipótese de acesso a um patamar
superior de bem-estar económico, desejado, naturalmente, por toda a gente. O
que de facto me parece mais interessante é o complemento “para deixar de
trabalhar”. É certo que nem todas as expressões devem ser entendidas no seu
valor “facial”, mas é também verdade que a recorrente afirmação deste desejo
acaba por ilustrar a relação que muitos de nós estabelecemos com o lado
profissional da nossa vida, isto é, “quero livrar-me dele o mais depressa
possível”. Não será grave, mas é um indicador que possibilita várias leituras.
Neste contexto sabem qual é a
minha inquietação para além dos riscos associados a comportamentos aditivos? É se os miúdos, considerando a agitação que vai pelo seu
mundo “laboral” e os discursos dos adultos, desatam a pedir, se puderem, um
aumento de mesada que lhes permita apostar no Euromilhões para … deixar de ir à
escola.
Já estivemos mais longe.
Sem comentários:
Enviar um comentário