Com chamada a primeira página o DN apresenta uma peça em que
se aborda a insuficiência do número de profissionais de psicologia nas escolas
portuguesas. A situação de carência também já tinha sido referida pelo DN em Janeiro.
De acordo com o Filinto Lima, dirigente da Associação
Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas, o cenário ficará
ainda mais complicado pois no âmbito
do Programa de Regularização Extraordinária dos Vínculos
Precários na Administração Pública alguns profissionais poderão obter lugares
de quadro em escolas a que concorrem sem que esteja assegurada a sua substituição
na escola em que desempenham funções.
Uma nota prévia. O que escrevi Janeiro a propósito do
trabalho do DN e que agora retomo assenta na minha longa ligação profissional
ao universo da psicologia da educação e não gostava que fosse visto numa perspectiva
corporativa.
É verdade que nos últimos anos tem emergido uma mais nítida
afirmação da importância da colaboração dos psicólogos nas comunidades
educativas e do enquadramento por parte do ME da sua intervenção.
No entanto, o grande problema é que para além da definição
de orientações e da afirmação da importância do seu contributo é necessário que
… existam psicólogos que efectivamente integrem as equipas de escolas e
agrupamentos. Como é óbvio existem, mas o seu efectivo ainda está longe de
corresponder às necessidades.
Para os profissionais parece claro que a partir das
orientações estabelecidas em diferentes documentos orientadores, do estado da
arte em matéria de psicologia da educação e de contextos de intervenção
carregados de constrangimentos, o empenhamento e a competência dos
profissionais pode dar um contributo sólido para a qualidade dos processos
educativos de todos os alunos. Para além do trabalho com alunos importa
considerar a colaboração com professores, funcionários, direcções e pais e
encarregados de educação.
No entanto, desde 1991, a presença dos psicólogos em
contextos educativos tem vivido entre as declarações dos vários actores,
incluindo a tutela, sobre a sua necessidade e importância e a lentidão,
insuficiência e precariedade no sentido da sua concretização.
Recordo que no V Seminário de Psicologia e Orientação em
Contexto Escolar em 2017 o Secretário de Estado da Educação, João Costa,
reafirmou a “indispensabilidade de ter psicólogos nas escolas" sublinhando
o seu contributo essencial para o sucesso académico e bem-estar dos alunos.
É de facto recorrente a afirmação por parte do ME da
prioridade em promover o alargamento do número de técnicos e a estabilidade da
sua presença nas comunidades educativas. Não é um discurso novo, é apenas algo
que tarda em concretizar-se e insisto em notas já por aqui escritas e marcadas
pelo óbvio envolvimento pessoal, tenho formação em psicologia da educação.
O ME tem definido o objectivo de atingir um rácio nas
escolas que passe dos actuais 1/1700 para um psicólogo para cada 1100 alunos.
De acordo com dados da Ordem dos Psicólogos Portugueses que
presumo estarem ainda actuais, o sistema educativo público terá em falta cerca
500 psicólogos. Acresce que boa parte destes técnicos é contratada anualmente
e, frequentemente, com atrasos no início de cada ano com consequências
negativas. Acontece ainda uma enorme precariedade que a partir deste ano se
procurou minimizar e a ausência de uma carreira aberta, estruturada e
valorizada.
Também segundo dados da OPP, no ensino privado o rácio é de
1/785 alunos o que, evidentemente, não significará que as instituições de
ensino privado suportem recursos humanos desnecessários.
Existem situações, no encontro estavam vários colegas, em
que existe um psicólogo para um agrupamento com várias escolas e que envolve um
universo com mais de 2000 alunos e a deslocação permanente entre várias escolas
numa espécie de psicologia em trânsito. Não é uma resposta, é um fingimento de
resposta que não serve adequadamente os destinatários como também,
evidentemente, compromete os próprios profissionais.
Temos também inúmeras escolas onde os psicólogos não passam
ou têm “meio psicólogo” ou menos e ainda a prestação de apoios especializados
de psicologia em “outsourcing” e com a duração de meia hora semanal uma
situação inaceitável e que é um atentado científico e profissional e,
naturalmente, condenado ao fracasso de que o técnico independentemente do seu
esforço e competência será responsabilizado. No entanto, dir-se-á sempre que
existe apoio de um técnico de psicologia.
O quadro orientador da intervenção dos psicólogos nos
contextos escolares definido pelo ME, sendo um documento positivo é
evidentemente incoerente com a falta de recursos, é inaplicável em muitas
situações face ao alargado espectro de funções e actividades previstas
associado ao universo de destinatários.
Neste cenário, a intervenção dos profissionais, apesar do
esforço e competência, tem um potencial de impacto aquém do desejável e
necessário. Áreas de intervenção como dificuldades ou problemas nas
aprendizagens, questões ligadas aos comportamentos nas suas múltiplas
variantes, alunos com necessidades especiais, trabalho com professores e pais,
trabalho ao nível da prevenção de problemas, etc., exigem recursos e tempo que
não estão habitualmente disponíveis.
Acresce que o recurso ao modelo de “outsourcing” ou a
descontinuidade do trabalho é um erro em absoluto, é ineficaz,
independentemente do esforço e competência dos profissionais envolvidos.
Como é que se pode esperar que alguém de fora da escola,
fora da equipa, técnica e docente, fora dos circuitos e processos de
envolvimento, planeamento e intervenção desenvolva um trabalho consistente,
integrado e bem-sucedido com os alunos e demais elementos da escola?
Das duas uma, ou se entende que os psicólogos sobretudo, mas
não só, os que possuem formação na área da psicologia da educação podem ser
úteis nas escolas como suporte a dificuldades de alunos, professores e pais em
diversos áreas, não substituindo ninguém, mas providenciando contributos
específicos para os processos educativos e, portanto, devem fazer parte das
equipas das escolas, base evidentemente necessária ao sucesso da sua
intervenção, ou então, é uma outra visão, os psicólogos não servem para coisa
alguma, só atrapalham e, portanto, não são necessários.
Este último entendimento contraria o que a experiência e o
conhecimento da realidade de outros países aconselham e o discurso que o ME
subscreve. Aliás, Cor Meijer, director da Agência Europeia para a Educação
Inclusiva e Necessidades Especiais, afirmou no encontro que referi, “Os
psicólogos escolares são essenciais para a educação inclusiva". As
condições de participação de muitos psicólogos no contexto resultante da
entrada em vigor do DL 54/2018, sobretudo, mas também do 55/2018 é elucidativa.
A situação existente parece-me, no mínimo, um enorme
equívoco que além de correr sérios riscos de eficácia e ser um, mais um,
desperdício (apesar do empenho e competência que os técnicos possam emprestar à
sua intervenção), tem ainda o efeito colateral de alimentar uma percepção
errada do trabalho dos psicólogos nas escolas.
Estando já perto do final da carreira profissional ainda
aguardo que a importância e prioridade sempre atribuídas ao trabalho dos
psicólogos em contextos educativos se concretizem de forma suficiente e
estável.
Ideal mesmo seria não ser necessário voltar a estas notas.
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