A leitura de um texto de hoje no Público, “O livro, o digital e a diferenciação pedagógica”, levou-me a retomar umas notas sobre a agora tão
referenciada questão da diferenciação pedagógica.
A temática não é nova, longe disso, mas ganhou visibilidade
por ter sido definida no DL 54 como uma das medidas universais de apoio à
aprendizagem, a par, por exemplo, das acomodações curriculares o que, do meu
ponto de vista, assenta num equívoco. Entendo que as acomodações
curriculares integram o trabalho pedagógico diferenciado e não estão a par num
elenco de medidas, ainda que universais.
Também me parece que a forma como algumas vezes é abordada
corre o risco de perder significado e os discurso entrarem em modo “cada
cabeça, sua sentença”, ou seja, “cá para mim, diferenciação é…”.
Não tenho a pretensão do discurso definitivo, do manual que
não creio que exista, apenas e mais uma vez, deixo um contributo para a
reflexão sobre estas matérias.
Como todos reconhecemos, a característica mais evidente de
qualquer sala de aula ou escola é a diversidade. Esta é a questão central, com
grupos diversos e escolas diversas a resposta deverá ser diferenciada
sob pena de não acomodar as diferenças entre os alunos comprometendo a
qualidade, o suceeso educativo e uma visão de educação para todos.
Todo o sistema educativo e as políticas educativas devem
servir de suporte a esta visão e às suas múltiplas implicações.
Indo um pouco mais longe nas práticas pedagógicas e como
nestas se traduz um princípio de diferenciação umas notas breves sublinhando
que alterar alguns aspectos não tem a ver com “inovação” ou com “novos
paradigmas”, terminologia cuja utilização demasiado frequente me irrita um bocado. A
questão central pode ser alterar e não inovar, são de há muito conhecidas boas
práticas que diariamente são mobilizadas em muitas escolas quase sempre com
pouca divulgação, até mesmo interna.
Uma primeira nota sobre o equívoco habitual de que
diferenciação é sinónimo de trabalho individual. Considerando as dificuldades
(e o desajustamento) de fazer assentar o trabalho educativo no trabalho
individual, encontra-se assim um suposto “impedimento” à diferenciação. De
facto, diferenciar não é igual a trabalho individualizado, pelo contrário,
implica muito fortemente a aprendizagem cooperada e a cooperação entre
professores. Aliás, verificando-se desejavelmente a aprendizagem individual por
parte de cada aluno a sua construção é social pelo que mesmo que fosse possível
o recorrer exclusivamente ao trabalho individual, (o que nem com turmas mais
pequenas aconteceria) não seria a melhor forma de trabalhar.
Assim, só o desenvolvimento de formas diferenciadas de
organizar os processos educativos, de gerir a sala de aula, de avaliar, de
gerir a estrutura curricular ela própria com uma concepção e conteúdos que
sejam amigáveis desta diferenciação, de comunicar, de cooperar com pais e
encarregados de educação, etc., poderá permitir responder tão bem quanto
possível à diversidade dos alunos e contextos.
Nesta perspectiva, a organização e funcionamento de uma sala
de aula da forma mais ajustada a recursos e necessidades contemplar alguma
foram de diferenciação em dimensões como: Planeamento educativo/gestão
curricular (aqui entra a “flexibilidade curricular” mas com conteúdos e
organização dos currículos adequados); Organização do trabalho dos alunos – as
múltiplas formas de organizar o trabalho dos alunos relativamente às situações
de aprendizagem; Clima de aprendizagem – a qualidade e nível de interacção e
relacionamento social entre alunos e entre professor e alunos; Avaliação – os
processos relativos à avaliação e regulação do processo de ensino e
aprendizagem; Actividades / Tarefas de aprendizagem – a escolha das diferentes
tarefas ou situações de aprendizagem a propor aos alunos e Materiais e Recursos
– a definição, utilização e gestão dos materiais e recursos que funcionarão
como suporte ao processo de ensino/aprendizagem.
Mas para que isto seja consistente e não localizado também
sabemos que o sucesso se constrói identificando e prevenindo dificuldades de
forma precoce, com a definição de currículos adequados, com a estruturação de
dispositivos de apoio eficazes, competentes e suficientes a alunos e
professores, com a definição de políticas educativas que sustentem um quadro
normativo simples e coerente e modelos adequados e reais de autonomia,
organização e funcionamento das escolas, com a definição de objectivos de curto
e médio prazo, com a valorização do trabalho dos professores, com práticas de
diferenciação e expectativas positivas face ao trabalho e face aos alunos, com
melhores níveis de trabalho cooperativo e tutorial, quer para professores quer
para alunos, etc.
Sabemos tudo isto. Nada é novo.
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