Está um dia solarengo e bonito por aqui no Alentejo. Depois de chovida uns dias de chuva bem chovida a terra está cheia de água e a erva e a horta brilham de humidade. Depois de uma manhã de roçadora na mão para limpar caminhos pensava vir escrever alguma coisa sobre educação, quase cinquenta anos de vida profissional e a paixão que se mantém por este universo, concorrem para isso.
No entanto, tropecei no Público
com uma peça interessante sobre a “cunha”, uma instituição que não conhece crises e está
sempre na nossa vida. A educação fica para depois e hoje não falo dos seus
problemas, muitos e importantes.
Na verdade, a “cunha”, o “jeitinho”,
o “favorzinho” ou uma “atençãozinha, fazem parte da nossa cultura cívica. Aliás,
ao longo do tempo tem ganho relevância o empenho e a necessidade dos “facilitadores”,
as pessoas que “conhecem” a pessoa certa para o que está causa.
Mesmo os que de nós, também me
incluo, vociferamos contra isto já nos deixámos, uma vez ou outra, envolver no
"jeitinho" ou na "atençãozinha". Depois é uma questão de
escala, pode ir do “obrigadinho” aos milhões.
Como a peça do Público sublinha,
trata-se de um fenómeno, um comportamento, profundamente enraizado e com o qual
parecemos ter uma relação ambivalente, uma retórica de condenação, uma pontinha
de inveja dos dividendos que se conseguem e a tentação quotidiana de receber ou
providenciar uma "atençãozinha" ou pedir ou dar um jeito, sempre
"desinteressadamente", é claro.
A teia de interesses que ao longo
de décadas se construiu envolvendo o poder político, a administração pública,
central e autárquica, o poder económico, o poder cultural, a área da justiça e
segurança, parte substantiva da comunicação social e toda a relação do dia a
dia com a "atençãozinha" à recepcionista que nos passa para a frente
na lista de espera ou ao funcionário de quem esperamos que possa dar um
"jeito", dificulta seriamente qualquer alteração substantiva neste
modo de funcionar.
Combatê-lo passará, naturalmente,
por meios e legislação adequada, mas passa sobretudo pela formação cívica que
promova uma outra cidadania.
Certamente que poderíamos viver
sem a "atençãozinha" ou o "jeitinho", mas não era a mesma
coisa.
1 comentário:
Um autêntico cancro em Portugal:
"As pessoas vivem no oficioso justamente porque desqualificam o oficial, ou seja, as políticas e as ações administrativas do Estado democrático" (João Ribeiro-Bidaoui, in Público, 21-01-2024).
"Em ditadura ou em democracia, os procedimentos informais, a meio caminho entre o nepotismo e a corrupção, sempre enformaram a sociedade e a política portuguesas" (António Barreto, in Público, 28-06-2020).
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