No JN leio que no âmbito do projecto “Desporto escolar sobre rodas” iniciado em 2019 e que aqui já referi, em vigor desde 2019, cerca de 15000 crianças e jovens aprendem a andar de bicicleta na escola. O programa pretende chegar a todas as escolas em 2024.
O objectivo divulgado na altura
era que todos os alunos aprendam a andar de bicicleta até ao final do 6º ano e
se promovam formas mais saudáveis de mobilidade apesar de contextos muito pouco
amigáveis em muitas das nossas cidades e vilas.
Ainda que possa entender a
iniciativa não deixo de achar alguma estranheza na ideia de ser a escola a
ensinar a andar de bicicleta ainda que também defenda que “andar de bina” é uma
aprendizagem essencial.
Como sempre, alguma competência
que é julgada útil vai engordar o trabalho da escola restando saber até quando
a escola aguentará o contínuo aumento de solicitações. É bom lembrar que a
escola passa por tremendas dificuldades para assegura o que só a escola pode
fazer, ensinar os alunos através do trabalho dos professores que … não chegam
para as necessidades.
É verdade que os estilos de vida
e rotinas diárias se alteraram, as crianças tendem a desenvolver outro tipo de
actividades pelo que várias escolas e agrupamentos ou autarquias têm
desenvolvido iniciativas no mesmo sentido.
Recupero ainda o que escrevi a
propósito de uma iniciativa semelhante numa escola básica de Lisboa na qual,
também de acordo um dos responsáveis, numa turma de 4º ano com 25 a alunos, 80%
não sabia andar de “bina”.
A experiência de andar de
bicicleta está de facto ausente da vida de muitas crianças. Por questões da
segurança, a alteração da percepção de valores, equipamentos, brinquedos e
actividades dos miúdos e, sobretudo, a mudança nos estilos de vida, o brincar
e, sobretudo, o brincar na rua começa a ser raro.
Embora consciente de variáveis
como risco, segurança e estilos de vida das famílias, creio que seria possível
“devolver” os miúdos ao circular e brincar na rua, talvez com a supervisão de
velhos que estão sós as comunidades. Seria muito bom que as famílias
conseguissem alguns tempos e formas de ter as crianças fora das paredes de uma
casa, escola, centro comercial, automóvel ou ecrã.
Quantas histórias e experiências
muitos de nós carregam vindas do brincar e andar na rua e que contribuíram de
formas diferentes para aquilo que somos e de que gostamos.
Como muitas vezes tenho escrito e
afirmado, o eixo central da acção educativa, escolar ou familiar, é a
autonomia, a capacidade e a competência para “tomar conta de si” como fala
Almada Negreiros. A rua, a abertura, o espaço, o risco (controlado obviamente,
os desafios, os limites, as experiências, são ferramentas fortíssimas de
desenvolvimento e promoção dessa autonomia.
Curiosamente, se olharmos às
nossas condições climatéricas, Portugal é um dos países com valores mais baixos
no tempo dedicado a actividades de ar livre, situação com implicações menos
positivas na qualidade de vida, nas suas várias dimensões, de miúdos e
crescidos.
Talvez, devagarinho e com os
riscos controlados, valesse a pena trazer os miúdos para a rua, mesmo que por
pouco tempo e não todos os dias.
A notícia e as notas, que alinhei
fizeram-me também recordar com imensa ternura e nostalgia a minha bicicleta de
adolescente, lá muito para trás no tempo numa estória que já por aqui passou.
Tive a sorte de ter uma bicicleta
desde gaiato pequeno, oferta de tios generosos, por isso sempre me habituei a
bicicletas até porque foi o veículo de transporte familiar até à adolescência,
altura em que o orçamento lá de casa possibilitou a aquisição de uma motorizada
para a família e na qual todos se reviam embevecidos. É certo que continuávamos
em duas rodas, mas sempre tinha motor.
Já mais crescido, a economia
familiar tinha limites apertados e não chegava para uma bicicleta nova de roda
28 pelo que desenvolvi um empreendedor plano. Recolhia cobre de fios velhos de
instalações eléctricas e latão, sobretudo dos casquilhos das lâmpadas, que
trocava no ferro-velho do Gato Bravo por peças para a minha bicicleta. O
quadro, as rodas, selim, o guiador, os travões, o dispositivo de iluminação com
o dínamo na roda e a minha bicicleta foi crescendo, linda, através do que se
poderia designar por um modelo pioneiro de “assembling”, com a ajuda sabedora e
companheira do meu pai, um conhecedor de bicicletas e, sobretudo, um
especialista em gente miúda. Não vos posso dizer a cor da minha bicicleta
porque teve várias, era uma bicicleta personalizada.
De vez em quando, conseguia outro
guiador, outro selim e a minha amada e invejada bicicleta sofria um “restyling”
ou “tuning”, até mudanças ganhou. Grandes voltas percorremos nós, quase sempre
com o Zé Padiola, tantas idas à Costa da Caparica e à Fonte da Telha, sempre
por estradas que há quarenta anos ainda nos permitiam andar de bicicleta sem os
riscos actuais.
É verdade que eu e ela também
testámos o chão, mas éramos solidários e amigos, quando eu caía, ela
acompanhava-me sem um queixume ou ponta de revolta.
Era uma diversão a sério. Que
saudades da minha bicicleta e do tempo em que aprendíamos muito na rua.
Ainda agora, mais raramente, ando
de bicicleta sempre com gozo, tal como o fazem os meus netos que já me fogem na
"brasa", o Tomás, sete anos, diz que é por causa das mudanças. Eu
sei, Tomás, é mesmo uma questão de mudanças, as que a idade traz, por exemplo.
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