A imprensa de hoje divulga um inquérito realizado pela Fenprof no sentido fazer um balanço sobre os quatros anos da entrada em vigor do Decreto-lei n.º 54/2018, relativo à chamada Educação Inclusiva.
O estudo abrangeu cerca de 10% dos
agrupamentos e das escolas não agrupadas do Continente. Para além das
direcções, envolveu, 112.187 alunos, 12.157 docentes e 5266 assistentes
operacionais e decorreu no primeiro período de 23/24.
A propósito, retomo algumas notas
organizadas em torno do que podemos considerar o lado A e o lado B da tal
educação inclusiva independentemente do que se entende que seja.
Comecemos pelo lado A.
O Ministro da Educação no final
de Março de 2023 em intervenção na comissão parlamentar de Trabalho, Segurança
Social e Inclusão sobre a situação da designada educação inclusiva, a
operacionalização do incontornável DL 54/2018, desenhou um quadro muito positivo
do trabalho realizado pelo ME permitindo que nas escolas as coisas corram bem.
De acordo com o Ministro, mais de
metade das turmas, 55,6%, têm 20 alunos, foram criadas mais 4959 turmas devido
à redução do efectivo de turma, aumentaram substantivamente o número de
professores de educação especial, de psicólogos e outros técnicos e estão em
curso mudanças que optimizarão o processo de transição pós cumprimento da
escolaridade obrigatória. Fiquei entusiasmado, claro.
Em Abril de 2022 foi divulgado
pela OCDE o trabalho, “Review of Inclusive Education in Portugal” que, com base
numa análise a seis agrupamentos e a que na altura fiz referência, encontrou
“um ambiente genuinamente inclusivo” e em linha com a apreciação de que a
legislação portuguesa relativa à promoção de educação inclusiva é “das mais
abrangentes dos países da OCDE. Pensei naqueles agrupamentos e escolas onde
tudo vai bem, muito bem. Só lamento pelos outros.
Aliás, recupero o que será
certamente uma fonte de inspiração para o ME. No 2.º Encontro Nacional de
Autonomia e Flexibilidade Curricular realizado em Abril de 2022, Amapola Alama,
especialista da UNESCO, afirmou, "Vocês são o 'Rolls-Royce' dos sistemas
de educação. Estão entre os 40 países de topo no mundo da educação". É
bonito e gosto da imagem. A questão é que se, felizmente, muitos alunos andarão
no “Rolls Royce”, muitos outros andam de bicicleta ou a pé, mas será,
provavelmente, por razões ambientais.
Consideremos agora o lado B.
Retomemos o estudo da Fenprof
hoje divulgado. Das direcções escolares envolvidas,
73% considera insuficiente o número de docentes de educação especial é
insuficiente, 78% afirma a insuficiência de assistentes operacionais e 85% refere
a insuficiência de técnicos especializados (sobretudo psicólogos e terapeutas. É
ainda de referir que apenas 6% dos assistentes operacionais possuem formação
específica para trabalhar com “alunos com medidas seletivas e/ou
adicionais".
É ainda de registar que os alunos
com maiores dificuldades, com “medidas selectivas e adicionais” na linguagem do
DL 54 serão 8% do total de alunos e cerca de 3,5% terão apoio indirecto de um
professor de Educação Especial.
É referido que "os alunos
com medidas seletivas e adicionais são na ordem dos 8% do total dos alunos e
cerca de 3,5% referem-se a alunos apenas com apoio indirecto do Docente de
Educação Especial".
É ainda divulgado que cerca de
20% das turmas estão constituídas com um número de alunos superior ao definido
legalmente, mais de 20 alunos e/ou mais de dois alunos com necessidades
específicas.
O inquérito é divulgado durante o
dia de hoje pela Fenprof e será possível aceder a outros dados
Mais algumas notas deste lado B. Em
Maio de 2023 o presidente da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos
de Escolas Públicas referia a insuficiência preocupante dos recursos humanos,
professores e técnicos, designadamente psicólogos e terapeutas, um crescimento
significativo do número de alunos sinalizados com algum tipo de dificuldade.
Aliás, também se conhecem situações em que professores com funções de apoio
assumem outro trabalho minimizando a falta de professores.
Deste quadro resulta a impossibilidade de
assegurar a muitos alunos aquilo que é “apenas” um direito e não um privilégio,
uma resposta educativa de acordo com as suas necessidades.
Recordo ainda que num
levantamento realizado no início de 22/23 pela Fenprof com a colaboração de
direcções de agrupamentos foram referenciadas diferentes questões. As ainda
existentes situações em que o limite de alunos com necessidades educativas
especiais por turma não é cumprido, sendo que em turmas de 1º ciclo com
diferentes com alunos de diferentes anos de escolaridade as dificuldades
agravam-se.
Já era referida a insuficiência e
docentes, de técnicos (psicólogos e terapeutas) e mantém-se a carência de
auxiliares que acompanhem os alunos “dentro e fora da sala de aula”.
Ainda me parece de considerar um relatório
da Inspecção-Geral de Educação e Ciência, “Organização do ano lectivo
2020-2021”, que na altura aqui referi, realizado em 97 escolas ou agrupamentos
mostrou que em 30,8% das turmas de 5º ano com alunos com relatório
técnico-pedagógico o limite de dois alunos por turma não era cumprido. Também
12,4% das escolas avaliadas não conseguem operacionalizar todas as medidas de
apoio definidas nos relatórios técnico-pedagógicos. As direcções referem a
insuficiência de recursos humanos adequados, problema que se mantém.
Mais recentemente, a OCDE terá
mudado um pouco de opinião pois em 2022 no relatório “Review of Inclusive
Education in Portugal” já eram referidas diferenças significativas nas
aprendizagens e bem-estar de alunos com necessidades especiais de diferente
natureza tendo definido um conjunto de recomendações de investimento e
qualidade nas respostas à diversidade dos alunos.
Como tenho afirmados e escrito
inúmeras vezes, acompanhei com esperança e expectativa a mais do que
necessária, reafirmo, mudança legislativa desencadeada no âmbito da Educação
Inclusiva que se traduziu no DL 54/2018 ele próprio associado a todo um quadro
de mudança envolvendo, designadamente a definição do Perfil dos Alunos à Saída
da Escolaridade Obrigatória, das Aprendizagens Essenciais ou o Decreto-Lei n.º
55/2018 relativamente ao currículo. Todo este edifício potenciaria a inovação,
a mudança de paradigma, de vários paradigmas aliás, e alguns falavam mesmo da
revolução que estava em marcha e anunciavam os amanhãs que cantam que se foram
encontrando e encontram, aparentemente, em algumas escolas visitadas pelo
Senhor Ministro.
Com confiança em algumas virtudes
do novo quadro aguardei expectante pela revelação da escola inclusiva de 2ª
geração. No entanto, para meu desconforto e cansaço, o que fui conhecendo e vai
sendo divulgado não me ajudou a perceber o que seria.
Continuo a verificar que, tal
como aconteceu com o velho 319/91, (nesta altura eu já trabalhava neste
universo há 15 anos), quer com o 3/2008 e depois com o actual 54/2018 existiam
e existem professores e escolas a realizar trabalhos notáveis que devem ser
conhecidos e reconhecidos.
A avaliação dos alunos, a
definição dos apoios nas diferentes tipologias (já usadas como categorização
uma vez que a outra categorização já não existe), o funcionamento das Equipas,
os recursos disponíveis, a organização da intervenção, os papéis ou a articulação
dos intervenientes continuam com inúmeros sobressaltos. Recebo muitos
testemunhos e dados mais robustos conhecidos também não são particularmente
animadores como alguns relatórios da IGEC ou estudos de diferente natureza.
Apesar de agora estar mais
desligado em termos profissionais, o interesse e a paixão por este universo
mantêm-se e apesar do cansaço, sempre me animo quando conheço situações muito
positivas que, felizmente, acontecem todos os dias em tantas escolas.
No entanto, nem tudo vai bem,
muito longe disso. Não torturem a realidade que ela não vai confessar.
Há muito que fazer, muito para
caminhar.
PS - Talvez já vá sendo tempo de
não insistir no uso da designação "educação inclusiva" para referir a
educação dos alunos que têm algum tipo de dificuldade e que se encaixam nas
novas "categorias", os "universais", os "selectivos"
e os "adicionais" criadas pelo DL 54, a educação inclusiva é de todos
e, portanto, deveria ser “apenas” educação.
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