No Público encontra-se um trabalho sobre uma iniciativa do governo britânico e associações ligadas à infância no sentido promover a existência nas zonas urbanas de espaços seguros para as crianças brincarem no exterior considerando a importância que que terá para o seu bem-estar e desenvolvimento.
Muitas vezes aqui tenho abordado esta questão e volto a insistir nessa importância e como, do meu ponto de
vista, brincar é a actividade mais séria que as crianças realizam, nela põem
tudo quanto são e constroem a base de tudo o que virão a ser. Para que o brincar
na rua seja possível e seguro exige-se que as políticas públicas tornem os
espaços urbanos mais amigáveis para os mais novos. Em muitos países e também
por cá, felizmente começam a surgir iniciativas nesse sentido.
Com as alterações nos estilos de
vida e as opções em matéria de organização do trabalho, muitas crianças têm a
vida preenchida por um tempo significativo de estadia na escola e muitos pais
recorrem ainda ao envolvimento dos filhos em múltiplas actividades
transformando-as numa espécie de crianças-agenda. Todas estas actividades, a
oferta é variadíssima, são percebidas como imprescindíveis à excelência, aliás,
muitas crianças são educadas (pressionadas) para a excelência. Promovem níveis
"fantásticos" de desenvolvimento intelectual e da linguagem,
desenvolvimento motor, maturidade emocional, criatividade, interacção social,
autonomia e certamente de mais alguns aspectos que agora não recordo. Assim, as
crianças e adolescentes estão sempre envolvidos em qualquer actividade, a quase
todas as horas pois delas se espera não menos que a excelência.
Nada disto esquece a importância
que, de facto, podem ter algumas actividades, mas apenas sublinhar alguns
riscos no excesso.
Os pais, alguns pais, seduzidos
pela sofisticação desta oferta, pressionados por estilos de vida que não
conseguem ou podem ajustar e com a culpa que carregam pela falta de tempo para
os filhos e sem vislumbrar alternativas aceitam que os trabalhos dos miúdos se
desenvolvam para além do que seria desejável, eu diria saudável.
Somos dos países da Europa em que
adultos e crianças menos desenvolvem actividades no exterior contrariamente,
por exemplo ao que se verifica nos países nórdicos. É verdade que esses países
têm habitualmente climas bastante mais amenos que o nosso, mas, ainda assim,
poderíamos ter durante mais tempo crianças e adultos a realizar actividades no
exterior. Por princípio e sempre que possível, a área curricular Estudo do
Meio, mas não só, poderia ser também Estudo no Meio.
Muitas experiências, incluindo em
Portugal, sugerem múltiplos benefícios para as crianças, desenvolvem maior
autonomia, maior consciência ambiental e competências em dimensões como
bem-estar emocional, a partilha de emoções, a autoconfiança,
auto-regulação, a criatividade ou o pensamento crítico para além, naturalmente
dos benefícios mais directamente associados a qualquer actividade.
Embora consciente das questões
como risco, segurança e estilos de vida das famílias, creio que seria possível
alguma oportunidade de “devolver” aos miúdos o circular e brincar na rua, ter
mais algum tempo as crianças fora das paredes de uma casa, escola, centro
comercial, automóvel ou ecrã promovendo, por exemplo, níveis de literacia
motora frequentemente aquém do desejável.
Creio que o eixo central da acção
educativa, escolar ou familiar, é a autonomia, a auto-regulação, a capacidade e
a competência para “tomar conta de si” como fala Almada Negreiros. O brincar, o
brincar na rua, a abertura, o espaço, o risco (controlado obviamente, os
desafios, os limites, as experiências, são ferramentas fortíssimas de
desenvolvimento, de literacia motora também, e promoção dessa autonomia.
Importa sublinhar a necessidade
de controlar um eventual perigo que, ainda assim, é diferente do risco, as
crianças também “aprendem” a lidar com o risco.
Talvez, devagarinho e com os
perigos e riscos controlados, valesse a pena trazer os miúdos para a rua, mesmo
que por pouco tempo e não todos os dias.
É, pois, importante que todos os
que lidam com crianças, em particular, os que têm “peso” em matéria de
orientação, pediatras, professores, psicólogos, etc. assumam como “guide line”
para a sua intervenção a promoção do brincar. E a actividade de brincar na
infância não se esgota, longe disso, numa disciplina curricular.
Os mais novos vão gostar e
faz-lhes bem.
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