Lamentavelmente sem nenhuma surpresa, mas com muita inquietação, foi agora divulgado pelo IAVE o Relatório da análise dos resultados das provas de aferição do 2.º, 5.º e 8.º ano em realizadas em Maio e Junho deste ano lectivo, 22/23. Os resultados já tinham chegado às escolas em 15 de Dezembro que lamentaram o atraso dificultando eventuais medidas de resposta aos resultados. Retomo algumas notas expressas na altura.
Em síntese, no 2º ano foram avaliados os domínios de Português, Matemática, Estudo do Meio, Educação Artística e Educação Física. Só em Educação Física, se observou uma maioria de resposta com “Conseguiu”. O melhor resultado verificado em Português, foi 48.1% de respostas adequadas em “Oralidade” com nenhum parâmetro acima dos 20% de avaliação positiva. Em Matemática em nenhum domínio se verificaram resultados positivos.
No 5.º ano, em Português, 14,2% não revelaram dificuldades na “Oralidade”, em “Leitura”, 5,2%, em “Gramática” 8,7% e em “Escrita” 17, 4%.
Em História e Geografia de Portugal nos três domínios avaliados, a média foi negativa com percentagem de positivas inferior a 35 no contexto nacional. Só em Educação Física se verificaram resultados positivos.
No 8.º ano realizaram provas de Matemática, Ciência Naturais, Físico-Química e TIC. O número de alunos com dificuldade é superior a 50% na maioria dos domínios avaliados em Ciências e Físico-Química. Em Matemática verificaram-se resultados semelhantes e em TIC a percentagem de alunos que não atingiu os objectivos é também elevado.
O Relatório do IAVE agora divulgado é verdadeiramente preocupante. A forma como as provas de aferição são percebidas pelos alunos, “não contam para nada”, ou a realização em forma digital ditada pelo deslumbramento do ME, podem dar algum contributo, mas, obviamente, estão longe de explicar os níveis de desempenho dos alunos.
Em todo o caso, como tenho escrito, estas provas de aferição creio que assentam numa perspectiva inadequada. Dado que ainda não foi alterada, a Lei de Bases do Sistema Educativo define que o ensino básico se organiza numa lógica de ciclos e não de disciplinas como o secundário. Assim, parece claro que uma avaliação externa de aferição deveria ser realizada no ano final de cada ciclo e não nos anos intermédios, 2º, 5º e 8º ano, quando os alunos estão a meio do seu caminho de um ciclo. Acresce que no 4º e no 6º não existem exames finais pelo que não temos a imprescindível avaliação externa.
A argumentação para a sua realização nestes anos, assenta na ideia de que a identificação de dificuldades e a devolução de resultados permitiriam a correcção de trajectórias futuras dos alunos. Certo, assim sendo, neste caso a avaliação não é de aferição, mas de diagnóstico. No entanto, espera-se que diariamente nas salas de aula os professores realizem, mais formal ou mais informalmente, avaliações desta natureza, mais formativa, pois é a mais sólida ferramenta que possuem de regulação do trabalho dos alunos e do seu próprio trabalho.
Acresce que estes resultados são incompatíveis comos designados “percursos de sucesso, resultantes das avaliações internas”. Em Maio de 2023, a Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, divulgou um relatório, “Resultados Escolares: Sucesso e Equidade” em que analisa os chamados percursos de sucesso, alunos que finalizam o ciclo de estudos nos anos previstos. De acordo com este indicador, em 2021 e considerando o número de anos de cada ciclo, 91% dos alunos do 1º ciclo, 95% do 2º ciclo, 90% do 3º ciclo, terminaram no tempo previsto.
Esta disparidade entre avaliação interna e externa é preocupante estabelece um pesado caderno de encargos num quadro de políticas públicas de qualidade.
Na análise do desempenho escolar dos alunos importa, evidentemente, considerar os resultados das avaliações internas, mas é imprescindível a existência de dispositivos de avaliação externa com uma função reguladora. E é aqui que radicam todas as dúvidas.
Nos últimos anos múltiplos estudos, nacionais e internacionais, revelaram a existência de impactos nas aprendizagens embora também se verificasse a necessidade de uma análise mais fina à natureza das dificuldades mais globalmente percebidas. Abordei aqui algumas dessas iniciativas.
Recordemos algumas referências.
Em Setembro, numa Conferência no Parlamento do Grupo de Trabalho de Acompanhamento do Plano de Recuperação as Aprendizagens foi apresentado um trabalho em que se revelava que dois terços dos alunos (66%) que em 21/22 no último ano lectivo frequentavam o 2.º ano de escolaridade evidenciaram um desempenho na leitura muito baixo ou abaixo da média.
Um trabalho do IAVE divulgado em 2021 afirmava que “menos de metade dos alunos atinge nível esperado em conhecimentos elementares". As dificuldades acentuavam-se no 6.º e 9.º ano.
Em Agosto, o Tribunal de Contas na auditoria ao Programa Escola 21/23+ considerou que “Existem insuficiências na definição do Plano 21/23, como prioridades pouco claras, insuficiente afectação de recursos, excessivo número de acções e inexistência de metas e de indicadores para efeitos de monitorização e avaliação”.
Em Dezembro foi divulgado os resultados do PISA 2022 e, à semelhança do que se verificou em muitos países que também verificaram abaixamento, os resultados dos alunos portugueses baixaram de forma preocupante a Matemática e Leitura e menos a Ciências.
Também sabemos que foram reajustados pelo ME os recursos disponibilizados para o Plano de Recuperação que foi prolongado. As reduções reflectiram-se sobretudo nos créditos horários para o envolvimento dos professores. No entanto, importa considerar o impacto da falta de docentes em muitas escolas e em diferntes disciplinas.
Como sempre, o ME parece enredado num discurso que envolve realidades múltiplas. A habitual referência a uma espécie de realidade mágica em que tudo está quase bem, pois a perfeição não existe e uma realidade, esta sim, existente, que expõe as enormes dificuldades que alunos, professores, técnicos e pais sentem na promoção de um efectivo direito a uma educação de qualidade e que possa responder à diversidade e necessidades dos alunos. É a esta realidade que as políticas públicas têm a responsabilidade de, primeiro, reconhecer e, depois, responder.
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