segunda-feira, 31 de julho de 2023

OS TPC E FÉRIAS E, JÁ AGORA, BOAS FÉRIAS

 Como habitualmente em épocas de início de férias escolares surgem na imprensa algumas peças relativas à prescrição e realização de TPC nestes períodos.

Fico satisfeito porque na sua maioria as opiniões expressas vão no sentido de durante esta época ser preferível deixar de lado a realização dos TPC embor sempre exista quem sustente a sua bondade. Desde há muito que entendo que a sua utilização durante os períodos de férias deveria ser repensada e tenho-o expressado em espaços profissionais, no contacto com pais e em colaborações na imprensa.

No dos alunos dos primeiros anos de escolaridade, o trabalho realizado na escola deveria dispensar o TPC. É uma questão de saúde e qualidade de vida se considerarmos a quantidade de tempo que a Escola a Tempo Inteiro permite a estadia nas escolas durante o tempo escolar.

Em muitas famílias e com se afirma em múltiplos trabalhos os TPC clássicos têm ainda o problema de colocar com frequência os pais em situações embaraçosas, querem ajudar os filhos, mas não possuem habilitações conhecimento sobre actual escola e os seus programas para tal. Recordo um trabalho de 2014 da OCDE, “Does homework perpetuate inequities in education?" em que entre outros dados interessantes se referia que os alunos com famílias de meios sociais e económicos mais favorecidos gastam mais 2 horas em trabalhos de casa que os seus colegas com famílias de estatuto mais baixo o que, sublinhava a OCDE, poderá alimentar a falta de equidade.

O recurso ao TPC deveria avaliar se o aluno, cada aluno, tem capacidade e competência para o realizar autonomamente, por exemplo, para exercício de competências adquiridas. Na verdade, porque milagre ou mistério, uma criança que tem dificuldade em realizar os seus trabalhos na sala de aula, onde poderá ter apoio de professores e colegas, será capaz de os realizar sozinha em casa? Naturalmente tal só acontecerá com a ajuda dos pais ou, eventualmente, de "explicadores" a que muitas famílias, sabemos quais, não conseguem aceder.

Por outro lado, voltando às férias, estas devem ser isso mesmo, férias, férias sem as mesmas rotinas e os mesmos trabalhos do tempo escolar.

Actividades como leitura, jogos de diferente natureza que solicitem e envolvam competências e capacidades diversas, brincar e interagir, por exemplo, não são um TPC, um dever a cumprir, é algo que se deve incentivar. A leitura é só um exemplo e particularmente relevante.

Neste sentido e mantendo a referência "trabalho", creio que deve distinguir-se com clareza o Trabalho Para Casa e o Trabalho Em Casa. O TPC é trabalho da escola feito em casa, o trabalho em casa será o que as crianças podem fazer em casa que, não sendo tarefas de natureza escolar, pode ser um bom contributo para as aprendizagens e desenvolvimento dos miúdos. O que pode acontecer é termos mais Trabalhos Para Casa e não Trabalho Em Casa.

Torna-se, pois, necessário que professores e escolas se entendam sobre esta matéria, diferenciando trabalho de casa, igual ao da escola, de trabalho em casa, trabalho em que qualquer pai ou os irmãos e amigos podem, devem, envolver-se e também é útil ao trabalho que se realiza na escola.

No entanto, do meu ponto de vista, sobretudo nas idades mais baixas, o bom trabalho na escola deveria dispensar o TPC. Como já disse, ler um texto do manual e preencher uma ficha é uma actividade escolar, ler um livro, brincar livre  e activamente, o envolvimento em jogos que solicitem leitura ou operações matemáticas podem ser actividades compatíveis e interessantes em situação de férias tanto quanto em tempos escolares.

Boas férias para todos, alunos pais, técnicos e professores.

domingo, 30 de julho de 2023

TELEMÓVEIS NA ESCOLA, OUTRA VEZ

 No Público encontra-se uma entrevista interessante com Tânia Gaspar a propósito da indicação divulgada pela UNESCO de limitação da utilização dos telemóveis nas escolas considerando os seus múltiplos efeitos negativos, embora, naturalmente, não possamos esquecer as suas potencialidades

De facto, em sistemas educativos de diferentes países tem vindo a desenvolver-se um movimento no sentido de reduzir ou proibir a utilização destes dispositivos em contextos escolares ou, pelo menos, nos recreios.

Em Portugal também existem decisões de comunidades escolares, públicas e privadas no mesmo sentido encontrando-se, creio, ainda a decorrer uma petição com esse objectivo.

Já por aqui tenho abordado esta questão e fico satisfeito com esta emergente preocupação com a sobreutilização dos telemóveis nos espaços escolares (e não só) pelos mais novos com riscos e consequências conhecidas.

No entanto, ainda que se possam compreender as razões que sustentam as proibições, o uso excessivo e desregulado, as decisões de proibição não parecem ser consensuais.

Tal como Tânia Gaspar não tenho nenhuma convicção que esta estratégia de proibição devolva crianças e adolescentes à interacção pessoal e a outros hábitos comportamentais mais interessantes embora, obviamente, seja imprescindível a regulação do seu uso.

Aliás, também não é rara a utilização de telemóveis associada a actividades de aprendizagem.

A questão estará a montante, a utilização que nós todos damos a estes dispositivos. Seria bastante mais interessante que se discutisse a sério nas comunidades educativas a regulação dos comportamentos e definição de regras e limites, sem “superpais”, sem “superfilhos” ou “superprofessores”. No entanto, esta discussão tem de ser acompanhada pela nossa, adultos e profissionais, regulação da sua utilização. Se olharmos para muitas famílias em “convívio” ou para muitos contextos profissionais em “reunião” verificaremos os ecrãs que muitos terão à sua frente e perceberemos o que está por fazer, comportamento gera comportamento.

Também me parece que este movimento deve ser enquadrado na mudança que felizmente também parece estar a emergir refreando o deslumbramento pela “transição digital” que, enquadrando de forma ajustada a inevitabilidade de incorporar estas ferramentas nos processos educativos, também volta a defender a importância de abordagens metodológicas ou didácticas “antigas”, “conservadoras”, tais como escrever à mão, desenhar, brincar na rua, ler em suporte papel, interagir presencialmente ou promover relações afectivas literalmente mais próximas, tudo ferramentas importantes de desenvolvimento e aprendizagem.

A ver vamos com a coisa evoluirá por cá quando estamos submersos por um tsunami de transição digital e, claro, de inovação e capacitação.

sábado, 29 de julho de 2023

DA FALTA DE DOCENTES

 O texto de Carlos Ceia no Público, “Mais Professores?”, que só agora coloca algumas questões pertinentes no que concerne ao caminho que parece desenhar-se de alteração nos requisitos de formação inicial para a profissão docente.

Como já tenho abordado, as dúvidas são grandes e o risco da “desprofissionalização” ou “deskilling” parece real promovendo uma concepção “empobrecida”, diria “embaratecida” da docência e das exigências de formação para a função.

Sendo claro e conhecido de há muito o problema da falta de docentes e da baixa atractividade pela carreira, só mudanças integradas e não quase que exclusivamente na formação podem sustentar a atractividade, a estabilidade e, naturalmente, a qualidade da profissão docente.

Importa considerar matérias como modelo de carreira, modelo de avaliação e progressão, a valorização do estatuto salarial dos docentes, a promoção da sua valorização profissional e social ou a desburocratização do trabalho dos professores, são algumas dimensões a exigir alterações sérias.

Focar a minimização do sério problema da falta de professores no abaixamento do nível de formação exigida não parece o melhor caminho.


PS - Home, sweet home! Estou de volta com a coluna mais direita, carregada de ferragem e terá corrido bem.

quinta-feira, 27 de julho de 2023

A ESPINHA

 O meu pai sempre me ensinou que na nossa vida devemos ser gente com espinha, se erramos, assumimos, se pensamos, defendemos, se temos razão, agimos. É assim que deve ser, gente com espinha.

Por estes dias sinto uma inveja enorme da quantidade de invertebrados que conheço, de gente sem espinha.

Não andam certamente a passar pelo desconforto, por assim dizer, que vou sentindo há já algum tempo na minha espinha e que o exame determinou necessitar de intervenção, a segunda.

Essa gente que nunca tem problemas de coluna deve levar uma vida mais fácil. Pelo menos, bem menos dolorosa.

Assim, daqui a pouco e com a vossa licença, lá vou para mais uma tentativa de melhorar uma coluna que eu, ingénuo e convencido, julgava ter razoavelmente direita.

quarta-feira, 26 de julho de 2023

DOS AVÓS

 Passa discretamente, mas hoje assinala-se o Dia dos Avós. Uma lembrança à minha Avó Leonor, uma Mulher notável com uns olhos claros e uma fala que eram um ninho de aconchego.

A avozice é um mundo mágico no qual entrei há algum tempo com a abençoada chegada do Simão há dez anos e do Tomás há sete. Ainda não consegui acomodar os sentimentos e a magia de acompanhar de perto, tão de perto quanto possível sem o excesso da intrusão inibidora de autonomia, o crescimento destes gaiatos que têm uma geração pelo meio.

Tem sido um divertimento, uma descoberta permanente e a percepção de um outro sentido para uma vida que já vai comprida e também, desculpem a confissão, cumprida.

Neste entendimento e como tem acontecido aqui no Atenta Inquietude a cada 26 de Julho, retomo a minha proposta no sentido de ser legislado o direito aos avós. Isto quer dizer, simplesmente, que todos os miúdos deveriam, obrigatoriamente, ter avós e que todos os velhos deveriam ter netos.

Num tempo em que milhares de miúdos passam muito tempo sós, mesmo quando, por estranho que pareça, têm pessoas à beira, e muitos velhos vão morrendo devagar de sozinhismo, a doença que ataca os que vivem sós, isolados, qualquer partido verdadeiramente interessado nas pessoas, sentir-se ia obrigado a inscrever tal medida no seu programa ou, porque não, inscrevê-la nos direitos fundamentais.

Com tantas crianças abandonadas dentro de casa, institucionalizadas, mergulhadas na escola tempos infindos ou escondidas em ecrãs, ao mesmo tempo que os velhos estão emprateleirados em lares ou também abandonados em casa, isolados de tal forma que morrem sem que ninguém se dê conta, trata-se apenas de os juntar, seria um “dois em um”. Creio que os benefícios para miúdos e velhos seriam extraordinários.

Um avô ou uma avó, de preferência os dois, são bens de primeira necessidade para qualquer miúdo e, deixem-me que vos diga e insista, os avós não estragam os netos até porque gostam deles. Cuidam deles com outro tempo, com outro olhar. O tempo de confinamento mais duro mostrou como a separação é difícil.

Já agora deixo uma história com avô dentro e que aconteceu naquela terra onde acontecem coisas. Como sabem contar histórias é mesmo coisa de avós e às vezes repetem-nas, é o caso desta.

De há uns tempos para cá foi-se instalando a ideia de que os miúdos precisam de “actividades”, muitas “actividades”, não precisam de brincar.

A ideia for certamente construída e divulgada por uma gente ignorante de miúdos, obcecada com trabalho e produtividade, mesmo infantil, uns infelizes escravos convencidos de que são livres e que também querem escravizar os outros.

Mas ainda existem uns professores, muitos, naquela terra que não se deixam enganar, sabem ler os miúdos e percebem que eles aprendem porque também brincam e brincam porque também aprendem. Aliás, brincar e aprender são as coisas mais sérias que os miúdos fazem, sorte a deles, a de alguns, felizmente muitos.

Um dia, um desses professores lembrou-se, que sacrilégio, de dizer aos seus alunos para trazerem para a escola o seu brinquedo preferido. A Maria trouxe uma boneca. O João apareceu com a consola nova. A Sara vinha vaidosa com umas bonecas que o pai tinha mandado vir do estrangeiro. A Irina trazia um skate. O Carlos vinha com uns olhos quase tão grandes como a bola de futebol que trazia debaixo do braço. O David, sempre acelerado, trouxe um carro com comando. A Joana não ligava a ninguém com o seu dispositivo com as músicas de que gosta. Enfim, por um dia, toda gente veio para a escola com um brinquedo, o seu preferido.

O último a chegar foi o Manel.

Feliz e sorridente entrou na sala de aula com o avô pela mão.

E AGORA?

 O Presidente da República reprovou o diploma relativo à progressão na carreira dos professores devolvendo-o ao Governo. Apesar de reconhecer alguns aspectos positivos, o Presidente sublinha que o "acelerador de carreira" definido pelo Governo cria uma disparidade de tratamento entre os professores do Continente e dos docentes dos Açores e da Madeira que têm assegurada de forma faseada a reposição do tempo de serviço não contabilizado. É ainda referida negativamente a forma definitiva como essa reposição é negada no diploma em apreço, eliminando a possibilidade de decisões futuras.

Neste processo que se tem arrastado por tempo demais e a natureza dos problemas envolvidos, o cansaço e desânimo que os professores sentem, a injustiça e desvalorização de que se sentem alvo, a burocracia asfixiante, o mal-estar acrescido pela manutenção de discursos, intervenções erráticas e decisões por parte da tutela e o recurso a procedimentos que, mais do que esclarecer ou contribuir para a solução têm agudizado confronto não sustentando uma perspectiva de concertação e uma relação de confiança.

O clima das escolas tem estado significativamente alterado e, naturalmente, com impacto no trabalho de alunos, professores, funcionários, técnicos, direcções. O que menos precisamos é que o próximo ano lectivo nos traga mais do mesmo.

Uma política pública em matéria de educação está ao serviço da educação e das comunidades educativas e da qualidade do seu trabalho, é um instrumento de construção do futuro está obrigada a ter solidez ética, ser competente e politicamente clara.

A decisão do Presidente é um sinal claro, as questões de fundo defendidas pelos professores são justas, são imprescindíveis à valorização necessária da carreira docente e à capacidade de atrair novos actores que compensem o abandono e o inevitável envelhecimento que se verifica.

Não sei o que vai acontecer nos próximos tempos, mas como já escrevi, as políticas públicas são para as pessoas, para as comunidades, não podem ser contra as pessoas e geradoras de problemas e disparidades de justiça.

A história não vos absolverá, nem que cheguem a reitores ou reitoras.

terça-feira, 25 de julho de 2023

FÉRIAS DE TODOS E COM TODOS

 Com o início do período de férias surge inevitavelmente a necessidade preencher o tempo dos mais novos que boa parte das famílias não consegue assegurar. De há uns anos para cá tem-se multiplicado a oferta envolvendo a iniciativa pública, autarquias, por exemplo e privada e desenvolvida em múltiplos contextos, espaços e com uma gama de actividades muito diversificada.

No entanto, apesar de boas experiências promovidas por associações ou escolas e com a colaboração de algumas autarquias, a oferta divulgada para actividades de férias que recebam crianças, adolescentes ou jovens com necessidades especiais é ainda muito limitada com se refere em peça no JN.

Sublinho que estou a falar de actividades de férias de todos e com todos, não de actividades de férias apenas para os meninos “especiais” como se vê, por exemplo, numa praia, um “cantinho” para os especiais e para os “cuidadores” ou “técnicos”. Um critério central em matéria de inclusão é, justamente, a participação nas actividades comuns das comunidades.

A menor oferta verificada não decorrerá fundamentalmente de eventuais custos acrescidos, mas de uma cultura e visão que importa alterar e motiva o baixo envolvimento destas crianças e jovens neste tipo de actividades e que as estruturas receptivas à sua presença sejam insuficientes.

Este cenário é, não podia deixar de ser, coerente com as dificuldades enormes que crianças e jovens com necessidades especiais e as suas famílias sentem para que o seu quotidiano, a sua vida, a diferentes níveis, seja tão próxima quanto possível das outras crianças e adolescentes com as mesmas idades, ou seja, que possam aceder e participar, da forma que conseguem, nas actividades que se julgam importantes para crianças e adolescentes.

Também nas férias e nas actividades próprias das férias há muita estrada para fazer em direcção à participação de todas as crianças.

segunda-feira, 24 de julho de 2023

DAS BIRRAS NOS MIÚDOS

 As birras são um tema recorrente nas conversas com pais sobretudo com os que lidam com filhos mais pequenos. O recente e delinquente episódio que envolveu uma “influencer” desencadeou nova onda de abordagens a que junto umas notas assentes num texto que publiquei na Visão há já algum tempo e que me parecemcontinuar actualizadas.

A frequência com que as birras são abordadas é proporcional à preocupação e receio que causam nos adultos. As crianças desencadeiam as birras ao longo das diferentes situações do seu quotidiano e, por vezes, “decidem” também apresentar uma birra em espaços públicos, restaurantes por exemplo, ou quando estão em casa adultos amigos dos pais. Nestes contextos a coisa fica particularmente embaraçante para os pais e, não raras vezes, perturbador para outras pessoas. Aliás, já começam a surgir espaços, hotelaria e restauração, interditos a crianças justamente pela “má vizinhança” que fazem.

Esta preocupação com as birras tem levado a que se multiplique a oferta de aconselhamento, os manuais de que falei no texto anterior, em que se prescreve o modo de lidar com as birras dos mais novos prevenindo o seu aparecimento ou apressando o seu fim.

Esta oferta alargada começa a ser especializada em diferentes contextos de ocorrência de birras, à mesa ou ao deitar só para citar exemplos mais correntes. Não ficará por aqui.

Algumas notas simples.

Em primeiro lugar referir que o comportamento a que chamamos birra cumpre na maioria das situações um papel no desenvolvimento de crianças e adolescentes associado à construção e testagem de limites e regras, imposições ou orientações dos adultos e consolidação de auto-regulação e resiliência face à frustração, ou seja, como lidar com a não realização do que apetece ou não ter o que se quer no momento.

Quero sublinhar que não estou a desculpar ou minimizar as birras, estou apenas a tentar mostrar por que razão acontecem.

Como sempre defendo, quanto melhor entendermos os processos que levam aos comportamentos, em melhores condições estaremos de evitar que aconteçam ou minimizar o seu impacto.

Aliás, num pequeno parêntesis, deixem-me recordar que as birras não são um exclusivo dos mais novos, quantos de nós fazemos regularmente algumas pequenas “birras” que nos trazem dividendos que levam a que … as tornemos a repetir.

Neste contexto, o que julgo relevante não é centrarmo-nos no comportamento de birra das crianças, mas nos nossos comportamentos. Somos nós e a nossa acção que poderão minimizar, intencionalmente não escrevo eliminar, o risco das birras e, ou do grau de “espectacularidade” que por vezes assumem.

Desde logo é fundamental que saibamos usar o “não”, o “não” é um bem de primeira necessidade na vida dos miúdos que, como disse, nos testam continuamente. Por várias razões muitos de nós somos capazes de providenciar os imprescindíveis mimos e afecto, mas expressamos dificuldades em estabelecer regras e limites de que as crianças precisam tanto como de respirar e alimentar-se.

Para além de alguma insegurança que os pais possam sentir face aos desafios da parentalidade, estas dificuldades estão com alguma frequência associadas aos estilos de vida das famílias que não permitindo a disponibilidade do tempo desejado para estar com as crianças instalam algum desconforto (culpa) que pode levar a que alguns pais no momento em que precisam de dizer “não”, “agora” ou afirmar outra qualquer decisão hesitem e deixem cair o “não” em nome de um “não estragar” o pouco tempo que estão juntos.

As crianças percebem que muitas vezes o “não” é um sim a prazo, demora menos tempo se a birra for forte e, de preferência, com assistência, sejam os amigos dos pais lá em casa, ou outras pessoas num restaurante ou no centro comercial.

Crescendo com esta falta do “não” algumas crianças transformam-se, de facto, em pequenos ditadores que assumem um comportamento desregulado e despótico que é pouco saudável para toda a gente a começar por si próprios.

Como já aqui escrevi em texto anterior, é nestas circunstâncias que se torna frequente ouvir algo como “tem mimos a mais” que me incomoda seriamente pois acho que encerra um enorme equívoco. As crianças não têm mimo mais, têm “nãos” a menos, têm mau mimo e é por isso que faz mal, não é por ser muito.

Precisamos de não nos esquecermos que as crianças são inteligentes, entendem com muita clareza quando o “não” com algum “trabalho” da sua parte se torna um “sim” em variantes como, “vá lá, pronto”, “só mais um bocadinho” ou ”podes mexer, mas não estragues”, etc. E também porque são inteligentes compreendem com alguma tranquilidade se também a usarmos o estabelecimento de regras e limites de que, creiam, também sentem precisar mesmo quando aparentemente as rejeitam. A sua ausência é que é o grande risco e a sua solidez atenua o risco de repetição dos comportamentos não desejados.

Assim sendo, seria positivo que sem grandes receitas ou esquemas os pais se sentissem confiantes e seguros para oferecer o “não” no tempo adequado e oportuno ainda que de forma flexível.

Seria também desejável que os pais não temessem as birras ou eventuais olhares reprovadores da assistência. Para as crianças mais pequenas o disponibilizar ao mesmo tempo que um “não” um “sim” a algo aceitável pode ser uma ajuda para drenar a frustração e recuperar a serenidade. Para as mais velhas, o diálogo discreto e firme pode também ser uma ajuda pois, como disse, as crianças são inteligentes e sabem “ler” muito bem os nossos comportamentos.

E a verdade é que se sentem melhor em ambientes educativos regulados e serenos apesar de, desculpem a aparente contradição, as crianças saudáveis também o serem porque de vez em quando lá vem uma birra como “prova de vida” e tarefa de desenvolvimento.

 

PS – O banho frio à noite para “resolver” uma birra não merece comentário alargado, parentalidade severa algo que, conforme a evidência, tem potenciais consequências negativas para o desenvolvimento da criança, caso de negligência e irresponsabilidade. A quem de direito possa interessar.

domingo, 23 de julho de 2023

AGORA NO SUPERIOR. EM QUE CURSO?

 Inicia-se na próxima segunda-feira o processo de candidatura ao ensino superior. Como sempre tenho feito nesta altura deixo umas notas sobre esta questão.

Este processo que agora se inicia envolve uma primeira decisão que estará tomada e me parece de sublinhar, aceder a formação de nível superior. É uma decisão importante e positiva. Contrariamente ao que tantas vezes se ouve, não somos “um país de doutores”, antes pelo contrário, no contexto europeu ainda é necessário elevar a média de cidadãos com formação superior.

Coloca-se então a escolha do curso e as dúvidas que podem envolver essa decisão embora muitos dos que se vão candidatar já tenham definido a sua opção.

Para esta escolha a questão mais colocada pode ser assim enunciada, os jovens deverão seguir a sua motivação e interesses ou a escolha deve obedecer ao conhecimento do mercado de trabalho, isto é, nível de empregabilidade, estatuto salarial e saídas profissionais tão abordadas pela imprensa nesta altura?

Para muitos de nós, provavelmente, a resposta será fácil, seja num sentido ou no outro. Alguns dirão que cada jovem deve, obviamente, seguir o seu desejo, o seu gosto, só assim se realizará. Ideia romântica e sem noção da realidade que corre o sério risco de desembocar no desemprego, dirão outros, para os quais a escolha deve ser racional, pragmática, realista, o jovem deve procurar uma formação que lhe garanta, tanto quanto possível, saída profissional e para isso deve "estudar" o mercado e assim proceder à escolha. Os primeiros acharão que este entendimento pode levar a um risco de frustração e desencanto que podem instalar-se em quem "faz o que não gosta".

Na verdade, não será fácil a escolha para muitos jovens a que acresce, frequentemente, a pressão familiar ou de outras pessoas para a "escolha acertada".

Dito isto, sou dos que entendem que cada um de nós deve poder escrever, tanto quanto as circunstâncias o permitirem, a sua narrativa, cumprir o seu sonho. Por outro lado, a vida também nos ensina que é preciso estar atento aos contextos e às condições que os influenciam, sabendo ainda a volatilidade e rapidez com que hoje a vida acontece e a rápida variabilidade dos mercados de trabalho.

Nesta perspectiva, parece-me importante que um jovem, sabendo o que a sua escolha representa, ou pode representar nas actuais, sublinho actuais, condições do mercado de trabalho, a faça assente na motivação ou no projecto de vida que gostava de construir e, então, informar-se sobre as opções, sobre as escolas e respectivos níveis de qualidade a que pode aceder para se qualificar. A plataforma Infocursos, entre várias outras fontes, pode ser uma ajuda.

Finalmente, do meu ponto de vista, boa parte da questão da empregabilidade, mesmo em situações de maior constrangimento, relativiza-se à competência, este é o ponto fulcral.

Na verdade, o que frequentemente me inquieta é a ligeireza com que algumas pessoas parecem encarar a sua formação superior, assumindo logo aqui uma atitude pouco "profissional", cumprem-se os serviços mínimos e depois logo se vê. A formação académica é mais do que um título que se cola ao nome, é um imprescindível conjunto de saberes e competências que sustentam um projecto de vida pessoal e profissional com melhores perspectivas de sucesso.

Mesmo em áreas de mais baixa empregabilidade, ou assim entendida, continuo a acreditar que, apesar dos maus exemplos que todos conhecemos, a competência e a qualidade da formação e preparação para o desempenho profissional, são a melhor ferramenta para entrar nesse "longínquo" mercado de trabalho.

Dito de outra maneira, maus profissionais terão sempre mais dificuldades, esteja o mercado mais aberto ou mais fechado.

Boa sorte e boa viagem para todos os que vão iniciar agora esta fase fundamental nas suas vidas.

sábado, 22 de julho de 2023

E SE SIMPLIFICAR FOSSE UMA ORIENTAÇÃO

 O ME divulgou um conjunto de medidas que visam atenuar a burocracia asfixiante que obriga as escolas, professores e directores, a uma espécie de "agitação improdutiva" consumindo esforço e recursos que, basicamente, apenas alimenta o cansaço e a ineficácia promovendo mais problemas que contributos para soluções.

A experiência mostrará o impacto que as medidas agora conhecidas terão na realidade escolar, mas qualquer passo no sentido de devolver tempo e tranquilidade aos professores e de economizar processos será positivo.

O quotidiano das escolas, dos professores está mergulhado numa complexa teia de procedimentos, situações, medidas, iniciativas, designações, acções, preenchimentos, actividades, relatórios, grelhas, indicadores, etc., na qual se enredam os processos educativos, a essência do trabalho que envolve alunos, professore e técnicos.

A esta dimensão do trabalho das escolas e agrupamentos acresce a gama sem fim de Planos, Projectos, Programas, Iniciativas, as combinações são múltiplas, destinados a tudo e mais alguma coisa, certamente relevantes e, sobretudo, inovadores.

Já por aqui tenho sugerido, desejado, que alguma vez e de forma bem vincada, o ME estabeleça a simplificação como orientação central nas diferentes dimensões das políticas públicas de educação.

Seria desejável e necessário que o trabalho a desenvolver, os conteúdos envolvidos, os dispositivos em utilização, a organização de tempos e rotinas, etc., tivessem como preocupação a simplificação, professores, técnicos, alunos e famílias ganhariam. Esta simplificação deve incluir a avaliação e registos. Seria positivo que, tanto quanto possível, se aliviasse a pressão “grelhadora” e a burocracia asfixiante a que habitualmente escolas e professores estão sujeitos e que agora parece ser objecto de “emagrecimento”.

Como é evidente, este apelo à simplificação não tem a ver com menos rigor, qualidade, intencionalidade educativa ou não proporcionar tempo de efectiva aprendizagem para todos. Antes pelo contrário, se conseguirmos simplificar processos e recursos, alunos, professores e famílias beneficiarão mais do esforço enorme que todos têm de realizar e estão a realizar.

Sempre que falo desta questão recordo-me do Mestre João dos Santos, a quem tarda uma homenagem com significado nacional, quando dizia, cito de memória pelo privilégio de ainda o ter conhecido e ouvido, que em educação o difícil é trabalhar de forma simples, é mais fácil complicar, mas, obviamente, menos eficaz, menos produtivo e muito mais desgastante.

Talvez valesse a pena tentarmos esta via de mais simplificação. As circunstâncias já são suficientemente complicadas.

Esperemos para verificar o impacto do que agora foi anunciado.

sexta-feira, 21 de julho de 2023

NOVA LEI DA SAÚDE MENTAL

 A idade e algum conhecimento foram criando em mim e sem que disso me orgulhe algum cepticismo relativamente à mudança significativa nas políticas públicas de diversos domínios. É verdade, reconheço, que algumas alterações se vão verificando ainda que longe do necessário, mas sempre apresentadas envolvidas em inovação, novos paradigmas, projectos, etc. No entanto, sempre me animo com o vislumbre de uma hipótese de mudança.

Uma das áreas mais necessitadas de alterações significativas e urgentes será a saúde mental, que, aliás, sempre tem sido o parente pobre das políticas de saúde.

Foi hoje publicada em DR a nova Lei da Saúde Mental que entrará em vigor em Agosto que, a concretizar-se, pode sustentar um mudança num sentido adequado.

A reforma do sistema contará com verbas do Plano de Recuperação e Resiliência que, no entanto, Miguel Xavier, coordenador das políticas de saúde mental, entende ser claramente insuficiente.

A nova lei define no Artº 4 os fundamentos da Política de Saúde Mental:

“1 - a) A prestação de cuidados de saúde mental centrados na pessoa, reconhecendo a sua individualidade e subjetividade, necessidades específicas e nível de autonomia;

b) A prestação de cuidados de saúde mental no ambiente menos restritivo possível, devendo o internamento hospitalar ter lugar como medida de último recurso;

c) A prestação de cuidados de saúde mental assegurada por equipas multidisciplinares habilitadas a responder, de forma integrada e coordenada, às diferentes necessidades de cuidado das pessoas;

d) O acesso de todas as pessoas, em condições de igualdade e de não discriminação, a cuidados de saúde mental de qualidade e no tempo considerado clinicamente aceitável;

e) A existência de serviços de saúde mental coordenados, abrangentes e integrados de forma a assegurar a proximidade e a continuidade de cuidados;

f) A garantia da equidade na distribuição de recursos afetos à saúde mental e na utilização de serviços de saúde mental e a adoção de medidas de diferenciação positiva.

2 - A abordagem de saúde pública para a saúde mental assegura a sua promoção e o bem-estar da pessoa, os cuidados de saúde, a residência e o emprego, em paralelo com a com a prevenção das doenças e o seu tratamento em todas as fases da vida”

Parece uma excelente base de trabalho, o problema, como sempre será a sua operacionalização.

Sublinho a clara opção por respostas de proximidade como alternativa às respostas institucionalizadas faz parte de há muito das recomendações.

Em 2019 o Conselho para os Direitos Humanos da ONU sublinhava a necessidade de uma fortíssima e urgente alteração no modelo de resposta em saúde mental, de recorrer menos à institucionalização e à medicação e mais a uma abordagem de natureza social com particular atenção a fenómenos como pobreza desigualdade e exclusão que alimentam discriminação.

No que a nós respeita, segundo o Relatório do programa da União Europeia "Joint Action on Mental Health and Well-being" divulgado em 2015, Portugal estava muito longe do desejável no que respeita à prestação de cuidados no domicílio e serviços na comunidade a pessoas com doença mental. Estima-se que menos de 20% dos doentes tenha acesso a este tipo de cuidados.

A ausência de respostas adequadas leva a um recurso excessivo à prescrição de psicofármacos mesmo em situações não justificadas como tem sido recorrentemente demonstrado.

Parece claramente mais ajustada a aposta em equipas comunitárias e apenas um número reduzido de camas para situações mais críticas de adultos ou crianças para as quais faltam de facto, camas levando ao seu inaceitável internamento em serviços para adultos.

Na verdade, as orientações actuais e matéria de saúde mental, quer do ponto de vista científico, quer do ponto de vista dos custos, determinam que a qualidade e eficácia deste tipo de apoios, deve, tanto quanto possível, assentar em estratégias de proximidade, aproximando, assim, o serviço clínico da comunidade e da vida quotidiana das pessoas.

Os modelos defendidos pela comunidade científica actual, a defesa dos direitos humanos e da qualidade de vida, tornaram insustentável a manutenção das grandes instituições psiquiátricas que encerravam muitas câmaras de horrores e casos de isolamento e privação. Ainda me lembro do incómodo causado por visitas realizadas no início da minha formação ao Hospital Júlio de Matos. Este universo é bem retratado no mítico “Jaime” de António Reis e Margarida Cordeiro.

No entanto, este movimento de retirada das pessoas com doença mental das grandes instituições precisa de um suporte adequado e suficiente de unidades locais que providenciem apoio terapêutico, social e funcional tão perto quanto possível das comunidades de pertença dos doentes e com o mínimo recurso ao internamento que agora, quero acreditar, poderão mesmo realidade.

A sua não existência, o quadro actual que esperemos vir a ser alterado com a nova Lei, cria sérios obstáculos aos processos de reabilitação e inserção comunitária acentuando ou mantendo os fenómenos de guetização das pessoas com doença mental e respectivas famílias.

Não estranho, os doentes mentais são os mais desprotegidos dos doentes, pior, só os doentes mentais idosos. Os custos familiares e sociais desta guetização são enormes e as consequências são também um indicador de desenvolvimento das comunidades.

Será desta que a coisa muda de forma significativa?

Deixem lá ver, como falamos no Alentejo.

quinta-feira, 20 de julho de 2023

VAI CORRER BEM

 Antes da reunião agora realizadas com as direcções de agrupamentos e escolas o ME, relativamente ao próximo ano lectivo afirmou “Está tudo nos calendários normais, nos calendários previstos. Os nossos serviços, as direcções das escolas, têm feito tudo o que é normal nesta altura do ano e, portanto, não vale a pena estarmos com alarmismos dessa natureza, que não há qualquer razão que sustente isso".

Relativamente a eventual falta de docentes afirmou que “nada indicia que este ano seja diferente" do ano passado, em que conseguiram ter "praticamente todos os professores colocados".

Também sabemos que os 3200 professores afectos ao Plano de Recuperação das Aprendizagens não continuarão no próximo ano lectivo com os mesmos créditos horários para esse efeito pois o ME preferiu privilegiar as medidas que mostraram "maior eficácia" nos últimos dois anos que, aparentemente e com alguma surpresa, dispensam o trabalho dos docentes.

Nos tempos da pandemia muitas conversas acabavam com uma afirmação que se inscreveu na nossa comunicação, “vai correr bem”. Era proferida mais como uma expressão de um desejo que a convicção de uma certeza.

O problema é que a realidade, também na educação, nunca é a projecção dos nossos desejos como o Ministro parece teimar em considerar.

Também queria muito acreditar que não existem motivos para “alarmismos”, o ano lectivo vai iniciar-se apenas com os sobressaltos próprios da vida escolar, mas temo que assim não seja.

A ver vamos.

quarta-feira, 19 de julho de 2023

DAS DIRECÇÕES DE ESCOLAS E AGRUPAMENTOS

 Por diferentes razões o clima das escolas nos últimos anos tem sido pouco amigável, para ser simpático, para alunos, professores, técnicos e pais. A pandemia e os seus efeitos, que ainda perduram, e o processo de reivindicação dos docentes, de que não se vislumbra o regresso à normalidade, seja isso o que for, são algumas das variáveis, mas não as únicas que conribuem para esse cenário.

Tem sido recorrente a divulgação em diferentes suportes de situações de conflito em diferentes escolas e agrupamentos no âmbito da actuação das respectivas direcções. Sim, também conhecemos situações em que as coisas correm bem dentro do que se pode esperar num universo tão complexos como a educação. Algumas notas sobre a direcção de escolas e agrupamentos.

O modelo de direcção unipessoal das escolas e agrupamentos e forma como é desempenhado volta com regularidade à agenda incluindo o questionar do próprio modelo face a uma direcção colegial. Têm existido estudos de opinião e tomadas de posição individuais ou manifestos que alimentam a discussão ou mesmo a necessidade de alterar o modelo de direcção.

Como já tenho afirmado a propósito de outras matérias, talvez fruto do ambiente de fortíssima tensão que nos últimos anos envolve a educação, os debates e as ideias também tendem a ser crispados, com opiniões definitivas e sem margem de entendimento e, frequentemente, com agendas menos explícitas. O modelo de gestão das escolas será apenas mais um exemplo deste cenário.

Com o atrevimento de quem não vive por dentro o quotidiano das escolas, mas que nas últimas décadas tem acompanhado de forma atenta o universo da educação, retomo algumas considerações.

Conforme tenho dito, sempre me pareceu claro que a transformação da direcção de escolas e agrupamentos num modelo unipessoal e a sua forma de eleição através dos conselhos gerais, acompanhada por uma política de mega-agrupamentos diminuindo substancialmente o número de unidades orgânicas, gosto desta designação, se inscreveu na sempre presente tentação de controlo político do sistema. A experiência tem vindo a evidenciar essa situação.

São conhecidos casos, alguns chegam à imprensa, de processos de eleição de direcções escolares que mais não são do que formas de colocar pessoas com o alinhamento certo na função. Aliás, o próprio funcionamento dos Conselhos Gerais é, em algumas situações, um exemplo disto mesmo. Assim sendo, o modelo de gestão unipessoal e a forma de eleição dos directores não são garantias de “mais democracia” ou “melhor democracia” nas escolas.

Dado um pecado estrutural do nosso sistema educativo, a ausência de dispositivos de regulação ao longo de décadas, coexistem boas experiências e práticas em situações de direcção unipessoal com situações bem negativas.

Por outro lado, importa recordar que em muitas circunstâncias também a “gestão democrática", de democrática não tinha assim tanto e também se verificavam casos gritantes de menor competência.

Dito isto, parece-me que tanto quanto ou mais do que o modelo de direcção, unipessoal ou colegial, julgo de reflectir na forma de eleição, participam todos os docentes ou um pequeno grupo que “representa” o corpo docente no conselho geral, o mesmo se passando com os funcionários.

Por outro lado, também me parece que deve existir um claro reforço do papel dos Conselhos Pedagógicos no funcionamento de escolas e agrupamentos. Parece-me também clara a vantagem da presidência do Pedagógico ser claramente independente da direcção da escola, sobretudo num modelo de direcção unipessoal.

Importa também que a reflexão sobre a direcção de escolas e agrupamentos seja acompanhada de uma verdadeira reflexão sobre o quadro de autonomia nas suas várias dimensões e equilíbrios. Qual o efeito da municipalização ou “proximidade”, como também lhe chamam, na autonomia e funcionamento de escolas e agrupamentos.

É claro que quanto mais sólido for o modelo de autonomia das escolas mais importante se torna o papel e função da direcção, independentemente do modelo. Esta é do meu ponto de vista a questão central.

Muitos estudos e a experiência mostram que nas organizações, incluindo escolas, a qualidade das lideranças tem um impacto forte no desempenho, em diferentes dimensões, das instituições e também de todos os que nela funcionam. Boas lideranças escolares traduzem-se em melhores e mais estáveis climas de trabalho, maior nível de colaboração entre os profissionais, menor absentismo, melhores resultados ou menos incidentes de natureza disciplinar, ambientes escolares mais amigáveis em termos de educação inclusiva, melhor relação com pais e comunidade, entre outros aspectos. Como exemplo, em 2019 um estudo realizado pela Universidade do Porto da Universidade do Porto sugeria que o estilo de liderança dos directores das escolas tem um impacto importante na motivação dos professores pois existe uma “correlação significativa entre a forma como são geridos os estabelecimentos de ensino e a relação que os docentes têm com a sua profissão.  Creio que o cenário não se terá alterado.

Camões já afirmava que um fraco Rei faz fraca a forte gente” o que numa actualização republicana poderá entender-se como a defesa de lideranças competentes, com uma gestão participada, com mecanismos de eleição alargados, transparentes, escrutinados e com, insisto, mecanismos de regulação que previnam excessos e abusos.

Alguns episódios na contratação de docentes ou de funcionários e nos processos que envolvem técnicos e docentes, são exemplos em ter em conta pela forma negativa como foram geridos ou desencadeados por algumas direcções de escolas de escolas e agrupamentos.

Vamos ver como e quando conseguiremos a estabilidade imprescindível ao trabalho de todos os envolvidos nas comunidades escolares

terça-feira, 18 de julho de 2023

NÃO PRECISAMOS DE SUPERPAIS ... NEM DE SUPERFILHOS

 Estamos num tempo de férias as famílias estão juntas por mais tempo e, naturalmente, exercício da educação familiar tem alguns ajustamentos sem que abrande a exigência e necessidade de que que corra o melhor possível.

Nos tempos actuais o exercício da educação familiar e a sua conciliação com carreiras profissionais, a pressão para a excelência e desempenho de pais e filhos nas respectivas tarefas cria em algumas famílias um quadro de desequilíbrio multifacetado que começa a ganhar a designação de “burnout” parental.

Na verdade, independentemente das designações, percebemos que em muitas famílias e por razões diversas falta alguma serenidade o que, naturalmente, se reflecte quer em adultos, quer em crianças e adolescentes.

Precisamos de pais confiantes, seguros, com tempo para o serem, com diálogo com outros pais e com apoios para as dificuldades que surgem e são naturais, os miúdos não vêm com “manual de instruções” e “times they are a-changing”, também nas famílias.

Precisamos de crianças que cresçam rodeados pela combinação certa de tempo, afecto, regras e limites que as ajudem a um desenvolvimento saudável e autónomo. Não precisam de ser excelentes a tudo nem de cumprir uma agenda intoxicante de actividades fantásticas.

Deixem-me insistir em algumas notas que já por aqui tenho escrito e usado em muitas conversas com pais.

Algumas das razões para este cenário radicam em algo que tem vindo a verificar-se, alguns excessos nos discursos sobre a "instrução" e "educação" e as questões novas que as mudanças nos valores e nos estilos de vida colocam levam a que alguns pais sintam algumas dificuldades no seu trabalho de pais e a que muito técnicos tenham tentação de fornecer um "manual de instruções" que promoverá a educação perfeita da criança perfeita.

É verdade que contrariamente ao que acontece com todos os bens, até por imposição europeia, as crianças continuam, felizmente, a ser providenciadas aos pais sem virem acompanhadas de um manual de instruções em várias línguas.

Provavelmente por isso, ultimamente tem-se verificado um aumento exponencial na publicação destes "manuais" ou de peças na imprensa com a mesma intenção, ensinar-nos o ofício de pai ou mãe. São consideradas questões como lidar com birras, com os problemas dos adolescentes, com a escola e os seus problemas, como lidar com os filhos e com os amigos dos filhos, como comunicar com eles, como gerir os seus gostos e as suas crises, como agir nas férias, como ocupar os fins-de-semana, como dialogar em família, como perceber a “cabeça” dos mais novos, como definir regras e disciplina, que alimentação e estilos de vida, como ocupar os tempos livres, que actividades fazem melhor a quê, etc. etc. Todas estas matérias são escrutinadas e analisadas de modo a fornecer, crê-se, um manual de instruções.

A imprensa, em diferentes registos, acompanha a onda, em variadíssimas secções, colaborações e colunas de aconselhamento providenciam-nos receitas, dicas, sugestões exactamente com o mesmo objectivo, mas em versão telegráfica. Dado que também tenho tido alguma colaboração com a comunicação social a minha preocupação aumenta, coloca-me dúvidas e até tem motivado algumas recusas.

Este frenesim assenta, creio, na melhor das intenções, tornar-nos bons pais. Pela avalanche de oferta de ajuda parece que não estamos a conseguir e a experiência mostra-me que muitos pais se sentem assustados com alguns dos discursos que lhes são dirigidos, tanto quanto com algumas das dificuldades que em algumas circunstâncias sentem com os filhos em diferentes idades.

Existem para todos os gostos, para todas as idades e escritos sob as mais variadas perspectivas. Tenho lido muitos, uma parte acho interessantes e uma eventual ajuda para alguns pais e para algumas questões, outros, devo confessar, deixam-me alguma inquietação, não passam de um enunciado de "orientações prescritivas" longe das circunstâncias de vida em que muitas famílias se movem.

Para além das ajudas que os pais possam encontrar nestes "manuais de instruções" creio ser importante sublinhar que, felizmente para todos nós, a começar pelas crianças, os pais são, de uma forma geral, intuitivamente competentes, mais "asneira", menos "asneira", mais uma "festinha", menos um "ralhete" e a estrada cumpre-se sem grandes sobressaltos. Um discurso social excessivo em torno da "psicologização" ou induzindo a ideia de que só indo a uma "escola de pais" e lendo vários "manuais de instruções" poderemos ser bons pais, pode ser mais fonte de problemas que de ajuda.

Parece-me importante que os pais falem entre si sobre as suas experiências, sem medo de que os julguem maus pais, que na relação com os técnicos ligados à educação as conversas não incidam quase que exclusivamente sobre "se está bem ou mal na escola", mas que se abordem as questões educativas também no contexto familiar de forma aberta e serena. Os "manuais de instruções" não são a solução, são, muitos deles, apenas mais uma ajuda.

Pais atentos, pais confiantes, são pais que educam sem especiais problemas. Curiosamente, alguns "manuais" e alguns discursos "científicos" podem aumentar a insegurança e a ansiedade de alguns pais.

Começo a sentir que está a fazer falta alguma tranquilidade e serenidade que devolvam aos pais a confiança em si mesmos e na sua capacidade para exercer bem o papel. Sei que por vezes não é fácil. Ser pai não é mobilizar de forma prescritiva um conjunto de “práticas” receitadas por diferentes especialistas. É melhor deixar que os pais falem e encontrem por si a forma de fazer. No fundo, a maioria saberá como, precisa apenas de se sentir confiante e tranquilo. Os que verdadeiramente necessitarão de ajuda serão bastante menos.

Não precisamos de “superpais” … como também não precisamos de “superfilhos”.

segunda-feira, 17 de julho de 2023

OS EXAMES FINAIS DO SECUNDÁRIO

 O Presidente da República, apesar da reserva face à não obrigatoriedade de realização de exame a Matemática, promulgou o normativo regulador dos exames finais do secundário e do acesso ao ensino superior a vigorar a partir do próximo ano lectivo.

Os alunos deverão realizar três exames sendo que Português deverá ser obrigatoriamente um deles.

A nota destes exames passa a pesar menos na nota final do secundário de 30 para 25% e pesam mais na definição da nota de acesso em que passam a ter um peso mínimo de 45%, actualmente é de 35% e a classificação final do secundário que valia, pelo menos, 50% passa a um mínimo de 40%.

Trata-se uma decisão no caminho certo, esbate o impacto da simpatia e generosidade de muitas escolas, sobretudo privadas, na avaliação interna. 

No entanto, minimiza-se a realização de avaliação externa, um dispositivo essencial para a regulação da qualidade nos diversos patamares do percurso escolar. É verdade que também estes podem ser objecto de algum tipo de gestão mais “flexível”, por assim dizer, como, aliás, já foi em tempos reconhecido pelo então Presidente do Conselho Científico do IAVE.

Por outro lado, aumentando o peso dos exames no acesso, corre-se o risco de acentuar um entendimento de que o ensino secundário e o trabalho dos docentes seja algo como a “sala de preparação para exames” esbatendo a importância de um ciclo de estudos que encerra a escolaridade obrigatória para a boa parte dos alunos.

Esta questão poderia minimizar-se recorrendo a ajustamentos no modelo de exames a realizar, introduzindo dimensões como as que informam as avaliações no PISA, menos centradas nos conteúdos curriculares e eventualmente com o envolvimento do próprio superior.

A ver vamos.

domingo, 16 de julho de 2023

A COMICHÃO DO CRESCER

 Não é raro que a entrada na pré-adolescência e adolescência seja acompanhada pelo aparecimento de uma irritante comichão decorrente das "borbulhas" do crescimento. Ainda menos raramente, os pais dos miúdos que entram nesta fase desenvolvem também uma fortíssima comichão resultante dos comportamentos, nem sempre esperados ou entendidos, dos seus miúdos.

A esta fase de comichão em filhos e pais corresponde também com alguma frequência uma espécie de afastamento e abaixamento dos níveis de comunicação recíprocos o que, naturalmente, acentua a comichão que sendo ela irritante, acaba por deixar todos muito irritados.

Como também é previsível nestas idades, os miúdos tendem a procurar os anti-histamínicos junto dos amigos que, claro, também atravessam um período em que sentem a comichão do crescer e "padecem" das mesmas inquietações.

Por outro lado, os pais, muitas vezes assustados, não sabem como procurar os miúdos e viram-se, na melhor das hipóteses para outros pais com comichão e falam deles, dos filhos, não falando com eles, os filhos. Na pior das hipóteses, os mais assustados escondem, tentam esquecer e não sentir a preocupação com a comichão, esperando que a simples passagem do tempo, que se deseja rápida, a cure.

Talvez fosse de recordar que a comichão do crescer é algo de absolutamente natural, como talvez se lembrem nem sempre é fácil crescer, ficar diferente.

Assim, a gente mais crescida, mais experiente, estando atenta aos sinais, pode contribuir para tranquilizar os miúdos, não se assustando, dando-lhes espaço e tempo para perceber que vão ser capazes de lidar com a comichão do crescer.

Talvez o tempo de férias que se está a iniciar possa proporcionar mais algum desse tempo e desse espaço. Será bom para todos.

sábado, 15 de julho de 2023

A ESCOLA PODE FAZER A DIFERENÇA

 Foi divulgado o estudo “Da Desigualdade Social à Desigualdade Escolar nos Municípios de Portugal” realizado pelo think tank para a Educação da Fundação Belmiro de Azevedo em parceria com a Nova School of Business and Economics.

Sabendo como existe uma forte relação entre a desigualdade social e o desempenho escolar o estudo vem mostrar que os alunos com contextos familiares mais desfavorecidos que frequentam escolas no Norte e Centro do País apresentam globalmente e de forma bem nítida melhores resultados escolares que que os alunos com o mesmo perfil de desigualdade social que frequentam comunidades escolares na área metropolitana de Lisboa ou no Sul do território.

Estes indicadores que de forma mais casuística já se conheciam, escolas e agrupamentos que conseguem “contrariar o destino” de muitos alunos, sublinham isso mesmo, a escola pode fazer a diferença embora não resolva tudo.

É importante tentar conhecer de forma mais consistente e validada que variáveis presentes nestes territórios educativos, podem contribuir e explicar estes resultados. 

Não se trata de encontrar relações de causa efeito, impossíveis de definir, importa considerar o papel de variáveis como, sem hierarquizar, modelo de liderança, clima institucional, estabilidade e suficiência do corpo docente, existência e utilização dos recursos humanos e materiais de apoio ao trabalho educativo, papel dos auxiliares de educação, consistência dos projectos educativos, dispositivos de apoio regulados e avaliados, dispositivos de relação entre escola e família, articulação com outras estruturas ou entidades, entre outras dimensões.

É este conhecimento e a sua validação que devem sustentar as políticas públicas de educação. Será também desejável que as autarquias possam reflectir sobre os dados conhecidos e a sua função e acção.

sexta-feira, 14 de julho de 2023

NÃO PARECE UM BOM CAMINHO

 O que se conhece das alterações em discussão no quadro de habilitações exigidas para ser professor continua a suscitar dúvidas.

Por outro lado, face ao cenário crítico de falta de docentes e numa perspectiva mais global, urge repensar a carreira docente, considerando dimensões como o recrutamento, o ajustamento na formação, o modelo de carreira, o modelo de avaliação e progressão, a valorização do estatuto salarial dos docentes, a promoção da sua valorização profissional e social ou a desburocratização do trabalho dos professores, entre outros aspectos. Só mudanças integradas e não exclusivamente na formação podem sustentar a atractividade, a estabilidade e, naturalmente, a qualidade da profissão docente.

Focar a minimização do sério problema da falta de professores no abaixamento do nível de formação exigida  parece um mau caminho.

Também não sossega a perspectiva de que quem concorrer com o que vier a ser considerado “habilitação própria” não acede à carreira pois não resolve a falta de docentes coma habilitação profissional pouco efeito terá na motivação para ser professor pela ausência de estabilidade e na motivação para a escolha da profissão docentes.

Acresce o risco da “desprofissionalização” ou, de recorrendo a uma ideia que já tenho referido a de “deskilling” promovendo uma concepção “empobrecida”, diria “embaratecida” do professor e das exigências de formação para a função.

Neste quadro pode vir a desenhar-se uma visão de que os docentes cumprem ordens e programas, não têm que fazer grandes escolhas, possuir conhecimento aprofundado em diferentes áreas científicas, solidez nas metodologias, valores éticos e morais, etc. Seria suficiente uns burocratas, agora mais burocratas digitais a papaguear, fabricar, aulas para grupos de alunos "normalizados".

Como já escrevi, os professores poderão ser então basicamente considerados como “entregadores de conteúdos”, (content delivers na formulação original), burocratiza-se ainda mais a “medição de saberes” apoiados em fórmulas de gestão “plataformizadas” em modelos “digito-burocratas" construídas num qualquer serviço centralizado ou num cenário de “descentralização” que, de facto, não promove uma autonomia robusta das escolas cujo modelo de governação é parte desta equação.

Este trajecto, a confirmar-se pode vir a tornar os professores mais “baratos” e a base de recrutamento pode ser alargada, mas o nosso futuro será mais caro por pior qualidade, um professor de … é muito mais que um técnico de …

A ver vamos, como se diz por aqui.

quinta-feira, 13 de julho de 2023

AUMENTO DA NATALIDADE, UMA BOA NOTÍCIA

 Trata-se de uma boa notícia, pelo segundo ano consecutivo a natalidade sobe em Portugal. Ainda assim, continuamos com um dos mais baixos índices de fecundidade da União Europeia. Acontece ainda que as mulheres são mães cada vez mais tarde e acentua-se a opção por apenas um filho.

As razões para este cenário preocupante serão múltiplas, mas o custo dos filhos em Portugal e a fragilidade das políticas de família terão certamente um peso significativo.

Apesar do programa de gratuitidade nas creches a falta de respostas e recursos a preços acessíveis para o acolhimento a crianças dos 0 aos 3, creches ou amas, e dos 3 aos 6 anos, a educação pré-escolar, constitui-se como um dos grandes obstáculos a projectos familiares que incluam filhos, levando aos conhecidos, reconhecidos e preocupantes baixos níveis de natalidade.

A alteração dos estilos de vida, a mobilidade e a litoralização do país, levam à dispersão da família alargada motivando a que os jovens casais dependem quase exclusivamente de respostas institucionais que, ou não existem, ou são demasiado caras.

É sabido que nos últimos anos muitas famílias sentiram enormes dificuldades em assegurar a permanência dos miúdos nas creches por razões económicas.

Neste quadro a intenção actual de garantir o acesso à educação pré-escolar aos três anos e criar respostas acessíveis, física e economicamente, às famílias para as crianças dos zero aos três anos é imprescindível e urgente.

A promoção de projectos de vida familiar que incluam filhos implica também intervir nas políticas de emprego e protecção do emprego e da parentalidade, de forma séria, na discriminação e combate eficaz a abusos e a precariedade ilegal, na inversão do trajecto de proletarização com salários que não chegam para satisfazer as necessidades de uma família com filhos e custos elevados na educação apesar de uma escolaridade dita gratuita.

Estão a nascer mais crianças, não podemos falhar no seu futuro.

quarta-feira, 12 de julho de 2023

TRANSITAR E APRENDER

 O Júri Nacional de Exames divulgou o resultado das provas finais de Português e Matemática do 9º ano. Os resultados em Português foram positivos, 61% em média e 78,2% dos alunos acima dos 50%. Em Matemática acentuou-se o baixo resultado que se tem verificado, 42% de alunos acima dos 50%,  58% de notas negativas e uma média de 43%, um dos mais baixos já verificados.

Importa considerar que estes alunos vivenciaram o período mais “pesado” da pandemia, não realizaram provas de aferição no 5º e no 8º não existindo avaliação externa no seu percurso. A prova de Matemática foi considerada equilibrada pela APM e SPM, o que nem sempre se verifica

No entanto, já se conhece a taxa de retenção no 9º ano em 2022, 3,6%, e creio que ainda não foram divulgados os dados relativos aos “Percurso de sucesso”.

Os resultados a Matemática são preocupantes, merecem a maior das atenções e recordo o que escrevi há dias sobre o Plano de Recuperação das Aprendizagens.

Por outro lado, mesmo sem conhecer o indicador relativo aos percursos de sucesso, coloca-se a questão que já aqui tenho abordado, poderemos interpretar a transição de ano como sucesso na aprendizagem de competências e conhecimentos ou teremos de considerar que ter sucesso é a “a passagem de ano” na velha lógica de “transita, mas não progride”?

De facto, o que conhecemos das provas nacionais não parece compatível com os indicadores de transição. Já aqui tenho abordado a questão a propósito de resultados de outros anos escolares.

Acresce o facto deste grupo de alunos ter passado pela experiência severa dos confinamentos com um confirmado impacto nas aprendizagens.

Importa sublinhar com muita clareza que levantar esta questão não significa a defesa da retenção como ferramenta de sucesso e qualidade. Não é, sabemos que o “chumbo”, só por si, não gera sucesso e qualidade. Nenhuma dúvida sobre isto.

E volto a insistir. A qualidade promove-se, é certo e deve sublinhar-se, com a avaliação rigorosa e regular das aprendizagens e com regulação externa, sim, naturalmente, mas também com a avaliação justa e competente do trabalho dos professores e das escolas, com a definição de currículos adequados, com a estruturação de dispositivos de apoio a alunos e professores eficazes e suficientes, com a definição de políticas educativas que sustentem um quadro normativo simples e coerente e modelos adequados e reais de autonomia, organização e funcionamento desburocratizado das escolas, com a definição de objectivos de curto e médio prazo, etc.

É o que acontece, genericamente, nos países com mais baixas taxas de retenção escolar e que significam conhecimentos e competências adquiridas.

É o que ainda não conseguimos fazer acontecer de forma consistente, generalizada e sustentada em Portugal, apesar da imensidade de projectos, iniciativas, inovação, actividades que, demasiadas vezes chegam do exterior às escolas, podem ser interessantes … mas não são mágicos, por mais que num exercício de "wishful thinking" os queiramos entender e vender como tal.

Não será este o caminho.

terça-feira, 11 de julho de 2023

INOVAÇÃO, INOVAÇÃO, INOVAÇÃO

 Depois de correcção de alguns trabalhos estava a pôr umas leituras em dia quando dei por mim, mais uma vez, cansado da narrativa da inovação, tudo é, ou deve ser, inovador.

Peço desde já desculpa, será conversa de velho e corro o risco de ser injusto, mas, já aqui o tenho referido, cansa a recorrente narrativa da inovação.

As escolas são o agora, o presente, e é neste presente que se constrói o futuro. Não existem poções mágicas em educação por mais desejável que possa parecer a sua existência e desafiante a chuva de discursos e projectos de inovação.

Também sei, tantas vezes escrevo e afirmo, que são necessárias mudanças que acompanhem o tempo. As mudanças reflectem-se em dimensões como currículo e organização, práticas e metodologias, autonomia, organização e recursos das escolas, valorização dos professores, etc.

Por outro lado, e como disse, não simpatizo com a recorrente referência à inovação, ao “novo” incluindo alguns discursos da tutela que são velhos de tanta inovação. O desenvolvimento das comunidades exige ajustamentos regulares no que fazemos em matéria de educação e em todos os patamares do sistema, este é que é o grande desafio. Umas vezes melhor, outras vezes com mais sobressaltos, temos feito um caminho importante e muito mais ainda vamos ter que fazer, mas os ajustamentos que decorrem da regulação e avaliação não têm que ir atrás da “mágica” ideia da inovação.

Tal como as crianças que só aprendem a partir do que já sabem, nós também só mudamos a partir do fazemos e do que sabemos. Este processo assenta num processo que deve ser robusto e apoiado de auto-regulação e regulação que envolve actores e estruturas, ou seja, o aluno, o professor, a escola, o ME, o sistema educativo. Dito de outra maneira, a escola do futuro, seja lá isso o que for, constrói-se valorizando e cuidando da escola do presente, como disse acima, o futuro é agora.

Mais uma vez desculpem o risco de ser injusto, mas já sinto cansaço face à narrativa da "inovação"

segunda-feira, 10 de julho de 2023

DO PLANO DE RECUPERAÇÃO DAS APRENDIZAGENS

 De acordo com o quarto relatório de monitorização ao chamado Plano 21/23 Escola+, divulgado pela Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, não se verifica alteração significativa no perfil e adesão ao conjunto de medidas contidas no plano de recuperação das aprendizagens continuando os Planos de Desenvolvimento Pessoal, Social e Comunitário e Escola a Ler como as medidas com maior actividade. Está ainda por conhecer a avaliação relativa ao impacto das diferentes medidas no desempenho dos alunos.

Entretanto, o ME anunciou que o Plano, que deveria terminar esta ano lectivo, seria prolongado ainda que se desconheça em que termos. Também ainda temos muito tempo, o ano lectivo só começa lá para Setembro e as escolas têm imenso tempo para planear.

Esta agenda levanta-me algumas dúvidas que também tenho colocado em textos anteriores sobre o Plano de Recuperação e nas quais insisto.

O Plano está em desenvolvimento contando com a colaboração de 1169 técnicos especializados, entre psicólogos, terapeutas da fala assistentes sociais e técnicos de informática, entre outros profissionais cuja contratação tem como horizonte a duração do Plano 21/23, portanto, de mais ano conforme decisão conhecida. E depois?

A situação actual das escolas e a falta de docentes que se tem prolongado e ainda os efeitos da pandemia justificam que estes recursos continuem nas comunidades escolares com um horizonte mais alargado. Não se trata de um problema de conjuntura, é de estrutura.

Parece ser consensual que o maior ou menor impacto nas aprendizagens que possam estar a acontecer, é extremamente diversificado em cada aluno. Parece razoavelmente claro que a diversidade de situações, o seu número, os anos de escolaridade dos alunos, as variáveis contextuais relativas a cada comunidade escolar, recursos disponíveis em cada comunidade, as necessidades específicas de muitos alunos, os seus contextos familiares, etc., etc., sugerem que devem ser as escolas a avaliar as necessidades, identificar os recursos necessários, estabelecer objectivos, definir metodologias e dispositivos de regulação e avaliação.

Os professores sabem como avaliar e identificar as dificuldades dos alunos. O que verdadeiramente é imprescindível é dotar as escolas de forma continua e estável dos recursos necessários para minimizar tanto e tão rápido quanto possível as dificuldades que identificam. Recursos suficientes para recorrer a apoios tutoriais ou ao trabalho com grupos de alunos de menor dimensão, apoios específicos a alunos mais vulneráveis, técnicos, psicólogos, por exemplo, num rácio que possibilite um trabalho multidimensionado como é exigido, etc., são essenciais e serão sempre essenciais. Torna-se também necessária a existência de dispositivos de regulação que sustentem o trabalho desenvolvido e de processos desburocratizados.

Para além das narrativas institucionais mais “simpáticas”, por assim dizer, a divulgação de resultados de avaliações que quando comparados com a cada vez mais ameaçada avaliação externa deixam imensas dúvidas e o que se vai sabendo das escolas mostra, sem surpresa, o conjunto de dificuldades que se continuam a sentir.

Por outro lado, considerando os indicadores relativos ao impacto das variáveis relativas ao contexto sociofamiliar e económico dos alunos nos seus trajectos de aprendizagem não se trata de uma questão compatível com um Plano de curto prazo que está em desenvolvimento e com sobressaltos conhecidos.

Não simpatizo com narrativas sobre perdas irreparáveis, gerações perdidas ou outros discursos da mesma natureza. No entanto, a verdade é que muitos alunos incluindo alunos com necessidades especiais, independentemente da avaliação registada nas grelhas ou nas pautas de avaliação passaram e passam por sobressaltos e dificuldades no seu percurso escolar.

Neste contexto, a questão central não deve ser definida em torno da recuperação dos efeitos da pandemia nas aprendizagens ou no bem-estar através de planos de recuperação finitos, mas sim, na mudança ao nível das políticas públicas dos diferentes países, incluindo Portugal, que, para além de forma mais imediata “recuperarem aprendizagens”, tenham impacto a prazo através de recursos suficientes e competentes, definição de dispositivos de apoio eficientes e de acordo com as necessidades, apoios sociais que minimizem vulnerabilidades que a escola não suprime, valorização da educação e dos professores, diferenciação e autonomia nas respostas das instituições educativas, etc.

Mais uma vez insisto na necessidade de que o ME estabeleça a simplificação, não o chamado facilitismo, como orientação central nas diferentes dimensões das políticas públicas de educação.

Seria desejável e necessário que o trabalho a desenvolver, os conteúdos envolvidos, os dispositivos em utilização, a organização de tempos e rotinas, etc., tivessem como preocupação a simplificação, professores alunos e famílias ganhariam. Esta simplificação deve incluir a avaliação e registos. Seria positivo que, tanto quanto possível, se aliviasse a pressão “grelhadora” e a burocracia asfixiante a que habitualmente escolas e professores estão sujeitos.

Como é evidente, este apelo à simplificação não tem a ver com menos rigor, qualidade, intencionalidade educativa ou não proporcionar tempo de efectiva aprendizagem para todos. Antes pelo contrário, se conseguirmos simplificar processos e recursos, alunos, professores e famílias beneficiarão mais do esforço enorme que todos têm que realizar e estão a realizar.

Sintetizando, para além da conjuntura próxima importa considerar o que é estrutural e imprescindível em nome do futuro, a qualidade da educação e uma educação de qualidade para todos.

domingo, 9 de julho de 2023

A EDUCAÇÃO DE INFÂNCIA

 Na imprensa dos últimos dias surgiram alguns trabalhos sobre o universo da educação de infância. O Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social publicou uma portaria que passa a permitir o aumento de dois lugares por sala de creche em que se verifiquem transformações em espaços não previstos para o efeito para que possam “transformar-se” numa sala de creche e estas instituições passam a poder funcionar à noite e aos fins-de-semana.

Também tem sido referida a extrema dificuldade de muitas famílias em encontrar vagas em instituições ou creches, quer na creche, quer nos jardins de infância. Esta situação, como é óbvio, é particularmente complicada nas zonas de maior densidade demográfica.

Estas medidas sendo compreensíveis, alguma reserva sobre o aumento do número de dois lugares por sala, a inexistência de respostas cria extremas dificuldades às famílias e inibem projectos de parentalidade num país que vive um Inverno demográfico. Também é positivo embora insuficiente a progressiva gratuitidade da frequência da creche.

Por outro lado, também sabemos a situação actual alimenta um “mercado” legal ou clandestino de "depósito" de crianças com conhecidas dificuldades na regulação da sua qualidade.

Antes de umas notas sobre a educação de infância sublinhar que os estilos de vida, as políticas laborais e de família que carecem de urgente reflexão levam a que desde muito cedo as famílias sintam a necessidade de colocar os filhos em amas ou instituições. Esta resposta é pouco acessível e inibidora de projectos de vida que incluam filhos com os efeitos conhecidos na taxa de natalidade.

Neste cenário, para além da gratuitidade das creches e do aumento de respostas seria de considerar uma adequação nas políticas laborais e de família que considerassem, por exemplo, as licenças parentais (agora alteradas). A organização e os tempos do trabalho o que teria reflexos nas dinâmicas educativas familiares e nos projectos de parentalidade das famílias.

É também reconhecido por múltiplas análises o impacto positivo do acesso de respostas educativas de qualidade em creche e jardim-de-infância.

No entanto, deve sublinhar-se que garantir a universalidade do acesso não é o mesmo que obrigatoriedade. Aliás, de acordo com o relatório da rede Eurydice, “Key Data on Early Childhood Education and Care in Europe 2019”, dos 12 países em que se estabelece a universalidade aos quatro anos só em dois não é obrigatório, sendo Portugal um dos países.

Como já tenho afirmado, não tenho certezas sobre a obrigatoriedade da frequência, mas tenho a maior convicção no sentido de que garantir a universalidade do acesso à educação pré-escolar aos três anos e criar respostas de qualidade, acessíveis, logística e economicamente, às famílias para as crianças dos zero aos três anos é imprescindível e urgente. Acentuo também a ideia de que este período, até aos três anos, deveria também estar sob tutela do Ministério da Educação e não da Segurança Social pois o acolhimento das crianças deve estar abrangido por um forte princípio de intencionalidade educativa.

Sabemos todos como o desenvolvimento e crescimento equilibrado e positivo dos miúdos é fortemente influenciado pela qualidade das experiências educativas nos primeiros anos de vida, familiares ou institucionais. De pequenino é que ... se constrói o destino.

No entanto e mais uma vez, a educação pré-escolar é bastante mais que a “preparação” para a escola e não deve ser entendida como uma etapa na qual os meninos se preparam para entrar na escola embora se saiba do impacto positivo que pode assumir no seu trajecto escolar.

Na verdade, as crianças estão a preparar-se para entrar na vida, para crescer, para ser. A educação pré-escolar num tempo em que as crianças estão menos tempo com as famílias tem um papel fundamental no seu desenvolvimento global, em todas as áreas do seu funcionamento e na aquisição de competências e promoção de capacidades que têm um valor por si só e não entendidos como uma etapa preparatória para uma parte da vida futura dos miúdos, a vida escola.

Este período, a educação pré-escolar, educação de infância numa formulação mais alargada, cumprida com qualidade e acessível a todas as crianças, será, de facto, um excelente começo da formação institucional das pessoas, dos cidadãos. Esta formação é global e essencial para tudo o que virão a ser, a saber e a fazer no resto da sua vida.

Assim, existem áreas na vida das pessoas que exigem uma resposta e uma atenção que sendo insuficiente ou não existindo, se tornam uma ameaça muito séria ao futuro, a educação de qualidade para os mais pequenos é uma delas.

sábado, 8 de julho de 2023

O PARADIGMA

 Meus Senhores, como sabem a reunião tem como ponto único a questão central do paradigma que nos deve orientar. Precisamos de definir com clareza se mudamos de paradigma, e se mudamos de paradigma, qual o paradigma. Espero naturalmente que tenham alguma reflexão sobre esta matéria que é crítica na política contemporânea.

Sr. Ministro, julgo que temos um paradigma esgotado e creio que será adequado, até em termos estratégicos e de comunicação, que anunciemos um novo paradigma.

Mais alguma opinião?

Sr. Ministro, também me inclino para a necessidade de um novo paradigma. Os tempos são de mudança e voláteis. Não parece ajustado que mantenhamos o mesmo paradigma por demasiado tempo, corremos o risco de passar uma imagem de imobilismo conservador.

Sr. Ministro, do meu ponto de vista existe uma outra razão que aconselha uma mudança de paradigma, temos que criar uma pegada, uma identidade que sublinhe a nossa passagem por estes lugares, que caracterize o nosso ímpeto reformista.

Meus senhores, obrigado pela vossa iluminada reflexão. Não me decepcionaram, antes pelo contrário, sublinho o vosso espírito de mudança e inovação. Podemos então anunciar que a nossa acção passa a ter um novo paradigma. O gabinete de imprensa e comunicação fará a divulgação nos moldes habituais, mas creio que deveremos começar por uma conferência de imprensa com a presença de toda a equipa. Muito obrigado.

Sr. Ministro, uma pequena dúvida, qual será o novo paradigma que anunciamos?

Meus caros, continuamos com as políticas que temos definidas e constam do nosso programa e solicitamos à equipa de consultores que elabore uma nova estratégia de comunicação e mudanças legislativas sobre essas políticas. Como sabem, existe pouco por onde inventar na nossa área.

Se me permite, Sr. Ministro, genial.

Obrigado, trata-se apenas de cumprir a missão que nos confiaram. Boa tarde e obrigado pela presença.

sexta-feira, 7 de julho de 2023

DOS MANUAIS ESCOLARES, MAIS UM ENLEIO

 A peça do Público sobre a questão da dos manuais escolares, sobretudo no caso do 1º ciclo, é apenas mais um exemplo deste estranho novo normal criado pelo ME, a trapalhada, ou um enleio como dizemos no Alentejo.

Os manuais não são para devolver, são para devolver, deverão permitir a reutilização, mas solicitam escrita, colagens ou pinturas por parte dos alunos, os directores podem ser multados em caso de não devolução, existem directores que pedem a devolução outros que não pedem. Os pais baralham-se, os directores protestam e … para o ano há mais.

A propósito, estou a lembrar-me que no quadro constitucional vigente estabelece-se no Artº 74º (Ensino), “Na realização da política de ensino incumbe ao Estado: a) Assegurar o ensino básico universal, obrigatório e gratuito;"

Mas não deve ter nada a ver com isto.

Por outro lado, como algumas vezes aqui tenho referido creio que a questão dos manuais escolares merece alguma reflexão. O nosso ensino parece ainda manter-se excessivamente "manualizado" o que tem óbvias implicações didáctico-pedagógicas e, naturalmente, económicas e logísticas.