As birras são um tema recorrente nas conversas com pais sobretudo com os que lidam com filhos mais pequenos. O recente e delinquente episódio que envolveu uma “influencer” desencadeou nova onda de abordagens a que junto umas notas assentes num texto que publiquei na Visão há já algum tempo e que me parecemcontinuar actualizadas.
A frequência com que as birras
são abordadas é proporcional à preocupação e receio que causam nos adultos. As
crianças desencadeiam as birras ao longo das diferentes situações do seu
quotidiano e, por vezes, “decidem” também apresentar uma birra em espaços
públicos, restaurantes por exemplo, ou quando estão em casa adultos amigos dos
pais. Nestes contextos a coisa fica particularmente embaraçante para os pais e,
não raras vezes, perturbador para outras pessoas. Aliás, já começam a surgir
espaços, hotelaria e restauração, interditos a crianças justamente pela “má
vizinhança” que fazem.
Esta preocupação com as birras
tem levado a que se multiplique a oferta de aconselhamento, os manuais de que
falei no texto anterior, em que se prescreve o modo de lidar com as birras dos
mais novos prevenindo o seu aparecimento ou apressando o seu fim.
Esta oferta alargada começa a ser
especializada em diferentes contextos de ocorrência de birras, à mesa ou ao
deitar só para citar exemplos mais correntes. Não ficará por aqui.
Algumas notas simples.
Em primeiro lugar referir que o
comportamento a que chamamos birra cumpre na maioria das situações um papel no
desenvolvimento de crianças e adolescentes associado à construção e testagem de
limites e regras, imposições ou orientações dos adultos e consolidação de
auto-regulação e resiliência face à frustração, ou seja, como lidar com a não
realização do que apetece ou não ter o que se quer no momento.
Quero sublinhar que não estou a
desculpar ou minimizar as birras, estou apenas a tentar mostrar por que razão
acontecem.
Como sempre defendo, quanto
melhor entendermos os processos que levam aos comportamentos, em melhores
condições estaremos de evitar que aconteçam ou minimizar o seu impacto.
Aliás, num pequeno parêntesis,
deixem-me recordar que as birras não são um exclusivo dos mais novos, quantos
de nós fazemos regularmente algumas pequenas “birras” que nos trazem dividendos
que levam a que … as tornemos a repetir.
Neste contexto, o que julgo
relevante não é centrarmo-nos no comportamento de birra das crianças, mas nos
nossos comportamentos. Somos nós e a nossa acção que poderão minimizar,
intencionalmente não escrevo eliminar, o risco das birras e, ou do grau de
“espectacularidade” que por vezes assumem.
Desde logo é fundamental que
saibamos usar o “não”, o “não” é um bem de primeira necessidade na vida dos
miúdos que, como disse, nos testam continuamente. Por várias razões muitos de
nós somos capazes de providenciar os imprescindíveis mimos e afecto, mas expressamos dificuldades
em estabelecer regras e limites de que as crianças precisam tanto como de
respirar e alimentar-se.
Para além de alguma insegurança
que os pais possam sentir face aos desafios da parentalidade, estas dificuldades
estão com alguma frequência associadas aos estilos de vida das famílias que não
permitindo a disponibilidade do tempo desejado para estar com as crianças
instalam algum desconforto (culpa) que pode levar a que alguns pais no momento
em que precisam de dizer “não”, “agora” ou afirmar outra qualquer decisão
hesitem e deixem cair o “não” em nome de um “não estragar” o pouco tempo que
estão juntos.
As crianças percebem que muitas
vezes o “não” é um sim a prazo, demora menos tempo se a birra for forte e, de
preferência, com assistência, sejam os amigos dos pais lá em casa, ou outras
pessoas num restaurante ou no centro comercial.
Crescendo com esta falta do “não”
algumas crianças transformam-se, de facto, em pequenos ditadores que assumem um
comportamento desregulado e despótico que é pouco saudável para toda a gente a
começar por si próprios.
Como já aqui escrevi em texto
anterior, é nestas circunstâncias que se torna frequente ouvir algo como “tem
mimos a mais” que me incomoda seriamente pois acho que encerra um enorme
equívoco. As crianças não têm mimo mais, têm “nãos” a menos, têm mau mimo e é
por isso que faz mal, não é por ser muito.
Precisamos de não nos esquecermos
que as crianças são inteligentes, entendem com muita clareza quando o “não” com
algum “trabalho” da sua parte se torna um “sim” em variantes como, “vá lá,
pronto”, “só mais um bocadinho” ou ”podes mexer, mas não estragues”, etc. E
também porque são inteligentes compreendem com alguma tranquilidade se também a
usarmos o estabelecimento de regras e limites de que, creiam, também sentem
precisar mesmo quando aparentemente as rejeitam. A sua ausência é que é o
grande risco e a sua solidez atenua o risco de repetição dos comportamentos não
desejados.
Assim sendo, seria positivo que
sem grandes receitas ou esquemas os pais se sentissem confiantes e seguros para
oferecer o “não” no tempo adequado e oportuno ainda que de forma flexível.
Seria também desejável que os
pais não temessem as birras ou eventuais olhares reprovadores da assistência.
Para as crianças mais pequenas o disponibilizar ao mesmo tempo que um “não” um
“sim” a algo aceitável pode ser uma ajuda para drenar a frustração e recuperar
a serenidade. Para as mais velhas, o diálogo discreto e firme pode também ser
uma ajuda pois, como disse, as crianças são inteligentes e sabem “ler” muito
bem os nossos comportamentos.
E a verdade é que se sentem
melhor em ambientes educativos regulados e serenos apesar de, desculpem a
aparente contradição, as crianças saudáveis também o serem porque de vez em
quando lá vem uma birra como “prova de vida” e tarefa de desenvolvimento.
PS – O banho frio à noite para “resolver”
uma birra não merece comentário alargado, parentalidade severa algo que,
conforme a evidência, tem potenciais consequências negativas para o desenvolvimento da
criança, caso de negligência e irresponsabilidade. A quem de direito possa interessar.
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