Preparava-me para umas notas sobre as mudanças anunciadas no Programa de Matemática quando reparei que se assinalou ontem o Dia dos Avós. A matemática fica para amanhã, hoje as contas são outras, a magia da avozice.
A avozice é um mundo mágico no qual entrei há algum tempo com a abençoada chegada do Simão há sete anos e do Tomás há cinco. Acho que ainda não consegui acomodar os sentimentos e a magia de acompanhar de perto, tão de perto quanto possível sem o excesso da intrusão inibidora de autonomia, o crescimento destes gaiatos que têm uma geração pelo meio.
Tem sido um divertimento, uma descoberta permanente e a percepção de um outro sentido para uma vida que já vai comprida e também, desculpem a confissão, cumprida.
Neste entendimento e como tem acontecido aqui no Atenta Inquietude a cada 26 de Julho, retomo a minha proposta no sentido de ser legislado o direito aos avós. Isto quer dizer, simplesmente, que todos os miúdos deveriam, obrigatoriamente, ter avós e que todos os velhos deveriam ter netos.
Num tempo em que milhares de miúdos passam muito tempo sós, mesmo quando, por estranho que pareça, têm pessoas à beira, e muitos velhos vão morrendo devagar de sozinhismo, a doença que ataca os que vivem sós, isolados, qualquer partido verdadeiramente interessado nas pessoas, sentir-se ia obrigado a inscrever tal medida no seu programa ou, porque não, inscrevê-la nos direitos fundamentais.
Os últimos tempos foram particularmente duros para os mais velhos, levando a vida a muitos e aumentando a solidão de outros muitos.
Com tantas crianças abandonadas dentro de casa, institucionalizadas, mergulhadas na escola tempos infindos ou escondidas em ecrãs, ao mesmo tempo que os velhos estão emprateleirados em lares ou também abandonados em casa, isolados de tal forma que morrem sem que ninguém se dê conta, trata-se apenas de os juntar, seria um “dois em um”. Creio que os benefícios para miúdos e velhos seriam extraordinários.
Um avô ou uma avó, de preferência os dois, são bens de primeira necessidade para qualquer miúdo e, deixem-me que vos diga e insista, os avós não estragam os netos até porque gostam deles. Cuidam deles com outro tempo, com outro olhar. O tempo de confinamento mais duro mostrou como a separação é difícil.
Já agora deixo duas histórias com avô dentro. Como sabem contar histórias é mesmo coisa de avós e às vezes repetem-nas, é o caso desta, já aqui as contei.
Com alguma regularidade, mas sobretudo quando estamos no Monte e ao fim da tarde ou à noite, o Simão gosta de fazer umas “conversetas”, como ele chama a uma conversa sobre um tema que ele escolhe.
Na maior parte das vezes conversamos sobre coisas da natureza e do ambiente, gosta imenso de falar sobre estas coisas.
Eu também gosto muito destas conversetas com o meu neto Grande.
Lembro-me de uma no Verão passado, não pelo tema, mas porque a fizemos numa noite de Lua grande em que se via muito bem e caminhámos pelos trilhos do Monte com a luz do luar e o Simão deslumbrado, era uma estreia para ele, andar à noite na rua, sem iluminação e a ver-se tão bem.
A verdade é que ficámos os dois deslumbrados.
No Natal passado o Simão e o Tomás receberam skates com que continuam a divertir-se.
O meu neto Pequeno, o Tomás com quatro anos na altura, numa expressão que lhe é peculiar chama-me entusiasmado, “Avô, vê só esta manobra!”
E no telheiro do Monte, que tem algum declive, coloca-se de gatas no skate, um pouco de balanço e desliza realizando uma curva com o corpo inclinado, como acho que deve ser necessário na condução de tal veículo.
“Viste, Avô? É uma manobra com curva!”
“É mesmo Tomás! Fizeste uma manobra mesmo boa, eu não sou capaz de fazer.”
“Pois não Avô, só quando tiveres quatro anos”.
Fiquei rendido à elegância com que o Tomás certificou a minha inaptidão para o skate. Nunca irei chegar aos quatro anos. Entretanto, ele já passou para os cinco anos e eu nem imagino colocar os dois pés em cima do skate.
São assim os dias mágicos da avozice.
Sem comentários:
Enviar um comentário