Terminou o período de discussão pública dos documentos apresentado
pelo Grupo de Trabalho nomeado pelo ME para reconfigurar as aprendizagens
essenciais em matemática que darão origem a novos programas para o ensino
básico.
A questão do currículo de Matemática, e não só, é uma
matéria quase que permanentemente na agenda e, mais uma vez, o conhecimento das
propostas desencadeou as divergências habituais, começando logo pela própria decisão de alterar.
Não sou especialista em questões curriculares, mas
curiosamente duas Associações, Sociedade Portuguesa de Matemática e a
Associação dos Professores de Matemática, representativas deste universo quase
sempre têm entendimentos diferentes com um argumentário que em alguns aspectos
que me são mais familiares, o funcionamento dos alunos, me levantam dúvidas e,
por vezes, me parecem fruto de agendas para além da Matemática.
No entanto, julgo que estruturas curriculares demasiado
extensas, normativas e prescritivas são pouco amigáveis para o bom desempenho
da generalidade dos alunos, pouco amigáveis para acomodar a diversidade sendo
ainda que não será só a Matemática que poderia beneficiar de ajustamentos em
matéria de currículo.
Por outro lado, e como aqui tenho escrito o desempenho a
matemática pode ainda ser influenciado, não numa relação de causa-efeito, por múltiplas
variáveis como número de alunos por turma, tipologia das turmas e das escolas e dos contextos,
dispositivos de apoio às dificuldades de alunos e professores ou questões de
natureza didáctica e pedagógica.
Acresce a esta complexidade um conjunto de outras variáveis
menos consideradas por vezes, mas que a experiência e a evidência mostram ter
também algum impacto.
São variáveis de natureza mais psicológica como a percepção
que os alunos têm de si próprios como capazes de ter sucesso associada a
contextos familiares de natureza diversa, por exemplo.
É também conhecido que os pais com mais qualificação e de
mais elevado estatuto económico têm expectativas mais elevadas sobre o
desempenho escolar dos filhos o que se repercute na acção educativa e nos
resultados escolares e, naturalmente, mais facilmente mobilizam formas de ajuda
para eventuais dificuldades, seja nos TPC, seja através de ajuda externa.
Finalmente uma outra variável neste âmbito, a representação
sobre a própria Matemática. Creio que ainda hoje existe uma percepção passada
nos discursos de muita gente com diferentes níveis de qualificação de que a
Matemática é uma “coisa difícil” e ainda de que só os mais “inteligentes” têm
“jeito” para a Matemática. Esta ideia é tão presente que não é raro ouvir
figuras públicas afirmar sem qualquer sobressalto e até com bonomia que “nunca
tiveram jeito para a Matemática, para os números”. É claro que ninguém se
atreve a confessar uma eventual “falta de jeito” para a Língua Portuguesa e, por
vezes, bem que “parece”. A mudança deste cenário é uma tarefa para todos nós e
não apenas para os professores e seria importante que acontecesse.
De facto, este tipo de discursos não pode deixar de
contaminar os alunos logo desde o 1º ciclo convencendo-se alguns que a
Matemática vai ser difícil, não vão conseguir ser “bons” e a desmotivar-se.
Não fica fácil a tarefa dos professores, mas no limite e
como sempre será a escola o braço operacional da comunidade que quer fazer a
diferença a fazer a diferença.
Parece ainda claro e é uma questão central claro que para promover mais sucesso e não empurrar os alunos para os anos seguintes sem nenhuma melhoria nas suas competências ou saberes é essencial criar e tornar acessíveis a alunos, professores e famílias apoios e recursos adequados e competentes de forma a evitar a última e genericamente ineficaz medida do chumbo.
Sabemos também que a escola pode e deve fazer a diferença,
em muitas escolas isso acontece. Mas para que isto seja consistente e não
localizado também sabemos que o sucesso se constrói identificando e prevenindo
dificuldades de forma precoce, com a definição de currículos adequados, com a
estruturação de dispositivos de apoio eficazes, competentes e suficientes a
alunos e professores, com a definição de políticas educativas que sustentem um
quadro normativo simples e coerente e modelos adequados e reais de autonomia,
organização e funcionamento desburocratizado das escolas, com a definição de
objectivos de curto e médio prazo, com a valorização do trabalho dos
professores, com práticas de diferenciação que não sejam
"grelhodependentes", com expectativas positivas face ao trabalho e
face aos alunos, com melhores níveis de trabalho cooperativo e tutorial, quer
para professores quer para alunos, etc.
Uma nota final para a importância da avaliação externa como
forma imprescindível de regulação. No entanto, não entendo que só por existirem
e serem muitos, os exames finais, só por si, insisto, só por si, melhorem a
qualidade. É como se só por medir muitas vezes a febre se espere que ela baixe.
A qualidade é promovida considerando o que escrevi em cima e regulada em termos
globais pela avaliação externa que permite análises necessárias, nacionais ou
internacionais como, por exemplo, o TIMSS.
É com a escola, por dentro da escola e integrado em sólidos
projectos de autonomia e responsabilidade e com recursos adequados que o
caminho se constrói.
Sabemos tudo isto. Nada é novo. Só falta um pequeno passo.
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