domingo, 11 de maio de 2008

SER ALGUÉM

(Foto de Mico)

Os professores da minha escola gostavam muito de nos ensinar. Diziam-me para pintar o quadrado de vermelho, eu gostava de pintar o triângulo de azul. Parece que só se pode pintar o que nos dizem, da cor que nos dizem. Diziam-me que a minha árvore estava mal desenhada porque as árvores não são assim como a minha. Era assim que eu gostava de desenhar árvores. Diziam-me para escrever frases com umas palavras. Eu gostava de escrever frases com outras palavras. Diziam-me para escrever um trabalho sobre um assunto. Eu gostava de escrever as histórias que inventava para contar aos meus amigos. Diziam-me para ler aquele livro. Eu gostava de ler uns livros que descobria com o Professor Velho na biblioteca. E em todo o tempo da minha escola me disseram exactamente o que tinha de fazer, como tinha de fazer, o que tinha de saber, quando tinha de saber, o que tinha de pensar, como tinha de pensar, do que deveria gostar, ou seja, ser alguém, diziam-me. E assim fiz, sou alguém.
Ontem, vinha na rua e alguém se me dirigiu, “Desculpe, importa-se de nos dar a sua opinião sobre …”. Em pânico, interrompi a pessoa. Há tanto tempo que não penso.

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