segunda-feira, 20 de julho de 2015

SAÚDE MENTAL, O PARENTE POBRE DAS POLÍTICAS DE SAÚDE

De corda ao pescoço pela falta de apoio à saúde mental em Portugal

Desculpem a insistência mas é necessário, a saúde mental é o parente pobre das políticas de saúde.
De acordo com o Relatório do programa da União Europeia "Joint Action on Mental Health and Well-being" hoje apresentado, Portugal está muito longe do desejável no que respeita à prestação de cuidados no domicílio e serviços na comunidade a pessoas com doença mental. Estima-se que menos de 20% dos doentes tenha acesso a este tipo de cuidados. O coordenador do Programa, Caldas de Almeida, afirma, “A maior parte dos hospitais continuam a fazer tudo no hospital e muito pouco cá fora”.
Acresce que segundo o relatório Portugal – Saúde Mental em Números 2014, divulgado em Dezembro pela Direcção-Geral da Saúde e na linha de dados anteriores, Portugal tem uma das mais altas prevalências de perturbações de saúde mental, mais de um quinto da população portuguesa, 22.9%. Esta prevalência potencia os efeitos desta má opção.
A ausência de respostas adequadas leva a um recurso excessivo à prescrição de psicofármacos mesmo em situações não justificadas.
Também o estudo Trajectórias pelos Cuidados de Saúde Mental em Portugal, promovido pela Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental e publicado em Março, defendia o encerramento, positivo entenda-se, dos hospitais psiquiátricos não foi acompanhado da criação de serviços na comunidade pelo que a desinstitucionalização falhou e “agravou os problemas de muitos doentes”. Afirmava-se no Relatório que a Rede de Cuidados Continuados Integrados de Saúde Mental não se concretizou e escasseiam os recursos.
Entretanto, em Maio, o Governo anunciou para Junho o arranque deste Projecto. No entanto e com alguma surpresa o programa assentará na construção de unidades e aumento do número de camas na tutela, das Misericórdias e de outras instituições de solidariedade social. A opção foi e é criticada pelo director do Programa Nacional para a Saúde Mental que entende por mais ajustado a aposta em equipas comunitárias e apenas um número reduzido de camas para situações mais críticas de adultos ou crianças para as quais faltam de facto, camas levando ao seu inaceitável internamento em serviços para adultos.
Na verdade, as orientações actuais e matéria de saúde mental, quer do ponto de vista científico, quer do ponto de vista dos custos, determinam que a qualidade e eficácia deste tipo de apoios, deve, tanto quanto possível, assentar em estratégias de proximidade, aproximando, assim, o serviço clínico da comunidade e da vida quotidiana das pessoas.
Os modelos defendidos pela comunidade científica actual, a defesa dos direitos humanos e da qualidade de vida, tornaram insustentável a manutenção das grandes instituições psiquiátricas que encerravam muitas câmaras de horrores e casos de isolamento e privação. Ainda me lembro do incómodo causado por visitas realizadas no início da minha formação ao Hospital Júlio de Matos. Este universo é bem retratado no mítico “Jaime” de António Reis e Margarida Cordeiro.
No entanto, este movimento de retirada das pessoas com doença mental das grandes instituições não está a ser devidamente suportado pela criação de unidades locais que providenciem apoio terapêutico, social e funcional tão perto quanto possível das comunidades de pertença dos doentes e com o mínimo recurso ao internamento. Aliás. a intenção do Governo divulgada em Maio mostra um sentido contrário.
Tal opção, parece claro, cria sérios obstáculos aos processos de reabilitação e inserção comunitária acentuando ou mantendo os fenómenos de guetização das pessoas com doença mental e respectivas famílias.
Não estranho, os doentes mentais são os mais desprotegidos dos doentes, pior, só os doentes mentais idosos. Os custos familiares e sociais da guetização e da insuficiência de respostas são enormes e as consequências são também um indicador de desenvolvimento das comunidades.

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