sábado, 30 de maio de 2015

DA VIOLÊNCIA E DELINQUÊNCIA ENTRE JOVENS

O Estado não falhou, falhou toda a comunidade.
Sem querer desculpar ou branquear comportamentos ou responsabilidades institucionais ou pessoais, incluindo, naturalmente, a responsabilidade do jovem pelos seus actos, creio que o nosso quotidiano vive inquinado com sementes de mal-estar que, por um qualquer gatilho ou circunstância, por vezes irrelevantes, se transformam em delinquência e violência dirigida a quem quer que seja.
Vai sendo tempo de nos interrogarmos sobre os tempos que vivemos, os valores que os informam, os modelos de discursos e comportamentos que evidenciamos, dos anónimos às elites e desde logo com as crianças, os atropelos à dignidade e direitos, a ausência de projectos de futuro que nos permitam a esperança e substituam o vazio em que muita gente, mais velha ou mais nova, vive.
Os Centros Educativos, as instituições que recebem jovens envolvidos em situações de delinquência mais grave sofrem de uma reconhecida sobrelotação e falta de recursos humanos com qualificação pelo que dificilmente cumprem o seu papel fundamental na construção de programas de educação e formação profissional.
Segundo dados da Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, 24% dos jovens de alto risco de envolvimento em comportamentos de delinquência e a quem foram aplicadas medidas tutelares incluindo o internamento em Centros Educativos reincidiram nos primeiros 12 meses e ao fim de 26 meses a taxa de reincidência sobe para 48.6%. É de recordar que segundo o Relatório de Segrurança Interna de 2014, a delinquência de jovens foi dos crimes cuja prevalência subiu nitidamente.
De acordo com um estudo divulgado há meses, realizado no âmbito do Programa de Avaliação e Intervenção Psicoterapêutica no Âmbito da Justiça Juvenil, promovido pela Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais e co-financiado pela Comissão Europeia, revelou que a média etária dos rapazes dos centros é de 16,6 anos. Em geral, acumulam mais de três anos de chumbos na escola, e, em 80% dos casos, são de famílias cujo estatuto socioeconómico é baixo. É ainda relevante que mais de 90% dos que foram entrevistados têm pelo menos uma perturbação psiquiátrica, “o que é um dado astronómico”, como classificou Daniel Rijo, professor da Universidade de Coimbra, um dos autores do trabalho para a DGRSP. Nem todos têm o acompanhamento que seria necessário, admitiu.
Sempre que estas matérias são discutidas, os especialistas acentuam a importância da prevenção e da integração comunitária como eixos centrais na resposta a este problema sério das sociedades actuais pelo que a resposta recentemente criada, (mas ainda só no papel) “casas de autonomização” pode constituir-se como um contributo se dotada de recursos adequados.
As Comissões de Protecção de Crianças e Jovens, em reestruturação, sentem-se incapazes de acompanhar o volume de casos das respectivas comunidades, gerando situações, muitas conhecidas, com fim grave de crianças que depois ficamos a saber que estavam “sinalizadas” ou “referenciadas”, mas sem resposta.
Sabemos que prevenção e programas comunitários e de integração têm custos, no entanto, importa ponderar entre o que custa prevenir e cuidar e os custos posteriores do mal-estar e da pré-delinquência ou da delinquência continuada e da insegurança.
Parece ser cada vez mais consensual que mobilizar quase que exclusivamente dispositivos de punição, designadamente a prisão, parece insuficiente para travar este problema e, sobretudo, inflectir as trajectórias de marginalização de muitos dos envolvidos mais novos em episódios de delinquência.
No entanto a discussão sobre estas matérias é inquinada por discursos e posições frequentemente de natureza demagógica e populista alimentados por narrativas sobre a insegurança e delinquência percebida, alimentadora de teses securitárias.
Apesar de, repito, a punição e a detenção constituírem um importante sinal de combate à sensação de impunidade instalada, é minha forte convicção de que só punir e prender não basta.
É em todo este caldo de cultura que nascem e se desenvolvem as sementes de mal-estar.
É urgente que nos questionemos e questionemos as instituições, em nome dos nossos filhos e dos filhos dos nossos filhos.
Recordo Brecht, "Do rio que tudo arrasta diz-se que é violento. Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem".

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