terça-feira, 12 de maio de 2015

DE PEQUENINO É QUE SE TORCE O DESTINO

A imprensa de hoje faz referência a um Programa da responsabilidade da Universidade de Coimbra, “Anos Incríveis”, que envolverá 60 jardins-de-infância implantados em meios sociais desfavorecidos e que, através do envolvimento dos pais, educadores e técnicos de saúde, visa prevenir problemas de comportamento e promover competências sociais nas crianças.
Assenta na chamada parentalidade positiva, disponibilidade e tempo para os pais interagirem com os filhos, privilegiar o elogio em detrimento da crítica, definição consistente de regras e limites, envolvimento dos educadores e técnicos de saúde no trabalho com as famílias, etc.
O Programa, já ensaiado em Portugal e com origem nos Estados Unidos revela bons resultados na prevenção do “mau comportamento” das crianças bem como no minimizar de “problemas de comportamento” já instalados.
Este tipo de iniciativas é essencial, deve ser estudado e, desejavelmente generalizado, a grande falha de múltiplas acções que oferecem bons resultados mas que só se mantêm enquanto dura o “Projecto” ou o “programa”.
Algumas notas sobre pais e crianças pequenas.
Acontece com razoável frequência quando se assiste ou se comentam alguns comportamentos dos miúdos, sobretudo quando se trata de birras ou a imposição de desejos ou vontades aos adultos, quase sempre os pais, surgirem explicações como “é dos mimos”. Neste tipo de diálogos, “mimos” é entendido quase como sinónimo de “afecto”, “amor”, “gostar”, etc.
Tal justificação costuma depois servir para se afirmar a ideia de que as crianças hoje em dia têm muitos mimos que as estragam, dito de outra maneira, têm “afecto” a mais ou ainda “gosta-se de mais” das crianças. Estes discursos parecem-me sempre muito curiosos estes discursos pois assentam, do meu ponto de vista, num enorme equívoco.
As crianças, de uma forma geral, não terão afecto ou elogios a mais, pode existir “afecto a mais” "elogio excessivo" mas se for excessivo é mau afecto é mau elogio. Não é mau por ser muito, é mau porque asfixia, oprime, não deixa que os miúdos cresçam, distorce a percepção da criança de si própria. Mas não é este o tipo de situações que leva as pessoas a falar dos mimos ou dos elogios a mais.
Insisto, as crianças não têm elogios ou mimos a mais, têm nãos de menos, os adultos sendo quase sempre capazes de dar os mimos e os elogios, muitas vezes mostram-se incapazes de dar os nãos, de estabelecer os limites e as regras que, como sempre digo, são tão necessárias às crianças como respirar e alimentar-se.
Esta dificuldade dos adultos em oferecer os nãos aos miúdos, decorre muitas vezes de alguma desconforto culpabilizante sentido com as circunstâncias e estilos de vida que inibem o tempo e a disponibilidade que desejariam ter para os filhos. Ficando sem nãos, muitas crianças, a coberto do afecto ou dos elogios dos pais, transformam-se em pequenos ditadores que infernizam a vida de toda a gente, a começar por si próprios.
Mas não têm mimos, afecto, elogios a mais. Têm, repito, nãos a menos.
Por outro lado, também é muito frequente falar dos comportamentos das crianças constatando que “não páram”, são “agitadas”, “só gritam”, etc.
Por vezes digo que as crianças gritam muito e agitam-se porque nós, por várias razões, ficamos mais surdos, só quando gritam as ouvimos e só quando se agitam” reparamos nelas. E os miúdos são inteligentes, percebem que assim é e agem em conformidade.
Neste contexto fomentar e ajudar os pais a desenvolverem comportamentos de disponibilidade escuta dos miúdos, a assumirem com firmeza e sem culpa a necessidade de definir regras e limites, de elogiar mostrar afecto sem que se sintam a dar “mimos” a mais e que “estragam” as crianças só pode ser um bom trabalho.
De pequenino é que se torce o destino.

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