No Expresso encontra-se uma peça a propósito do Relatório do Conselho Nacional para a Adopção relativos a 2022. Alguns dados mais relevantes.
Em 2021 foram adoptadas 185
crianças e em 2022 foram 173. A situação de espera por adopção continua
bastante elevada, entre seis e sete anos, nomeadamente para famílias que
pretendem adoptar crianças até aos 7 anos, sem problemas de saúde ou com
deficiência.
Até ao final de 2022 o número de candidaturas
a adopção em espera era cerca de 6 vezes superior ao número de crianças em
situação de adaptabilidade, 1322 candidaturas para 229 crianças e jovens em
situação de adaptabilidade.
A maioria dos candidatos a adoptar (66%) expressa
preferência por crianças dos 0 aos 3 anos, enquanto as crianças com indicação
de adopção nesta faixa etária eram bem menos e totalizavam 26%. Por outro lado,
as crianças com 7 ou mais anos, 62% do universo são “preferidas” por menos de 8%
das candidaturas e, praticamente, não existem candidaturas para adopção de
jovens entre os 10 e os 15 anos.
Este cenário alimenta a
manutenção em situação de acolhimento criando um universo de NAP (Necessidades
Adoptivas Particulares) que, para além da idade, são também sustentadas por variáveis
como existência de irmãos, problemas de saúde ou deficiência e etnia.
Trata-se, evidentemente de um
universo muito complexo, mas, por outro lado, a solicitar a sua definição com
questão central nas políticas de família.
Em termos internacionais, recordo
que dados de 2018 mostravam que em Portugal apenas cerca de 3% das crianças
retiradas às famílias estavam em famílias de acolhimento e 97%
institucionalizadas. Em países como a Irlanda e a Noruega o acolhimento
institucional não ultrapassa 10% das suas crianças retiradas aos pais pelo
Estado. Mesmo em países em que está mais
presente a cultura de institucionalização, a Alemanha ou a Itália por exemplo,
a percentagem é de 54% e 50% respectivamente, apesar de tudo bem mais baixa que
o indicador português, 97%.
Precisamos de insistir nos
processos de mudança relativa ao acolhimento, à adopção, ao funcionamento e
calendário dos processos de decisão sobre as crianças que vivem em
circunstâncias familiares adversas.
Retomando o Relatório do Conselho
Nacional para a Adopção é de considerar um outro dado relevante. Contrariamente
à diminuição que se fazia sentir desde 2018, em 2022 aumentou o número de crianças
que estando em processo de adopção foram devolvidas, 14 crianças, 7,7% do total
de crianças envolvidas.
Esta situação, crianças com
diferentes idades serem devolvidas à estrutura de acolhimento depois de
iniciado um processo de adopção, pela qual algumas passam mais do que uma vez é
absolutamente devastadora.
Como relatei em algumas ocasiões
em que aqui abordei esta questão, os motivos para esta “devolução” passam por
situações que assim podem aconselhar, maus-tratos da família adoptante por
exemplo, mas também por justificações como “não correspondem às expectativas”,
“'venderam-me gato por lebre” ou que atrapalham as rotinas com os animais de
estimação da família.
Relembro que há alguns anos o DN,
num trabalho sobre o mesmo tema, citava o caso em que uma criança foi devolvida
e trocada por outra porque não se adaptava ao cão da família. Outros casos de
devolução envolvem dificuldades de adaptação a outros elementos da família ou a
questões económicas.
Vejamos com mais atenção. Uma
criança que por qualquer razão não tem uma família, está numa instituição,
envolve-se num processo de adopção, entra numa família que entende passar a ser
a SUA família, deve sentir-se num caminho bonito e prometedor. Passado algum
tempo é devolvida, provavelmente, sem perceber porquê e vive uma, certamente
mais uma, devastadora experiência de abandono e rejeição com efeitos que não
podem deixar de ser significativos. É muito sofrimento.
Como é evidente, admito que em
circunstâncias excepcionais o processo possa ser interrompido, mas, insisto, só
mesmo numa situação limite depois de esgotados os dispositivos de apoio às
famílias adoptantes.
Não sei se foi alterada, mas a
lei permite o período de transição e um período de pré-adopção. Há uns anos em
conversa sobre esta questão com o então presidente da Comissão Nacional de
Protecção de Crianças e Jovens em Risco, Juiz Armando Leandro, este reconhecia
que a devolução não tem de ser baseada em "critérios necessariamente
válidos".
Os serviços competentes têm-se
esforçado para que estas situações se minimizem quer através da adequação das
famílias candidatas, quer nas orientações e apoios para a optimização dos
processos de adopção, mas, algumas situações continuarão certamente a
acontecer.
Voltando ao tão apregoado
"superior interesse a criança", é difícil imaginar o que se passará
na cabeça de um miúdo que passa anos a construir uma ideia de família, a certa
altura entra numa família a que chama sua e de repente dizem-lhe que volta a
estar só, na instituição, porque ... não se dá bem com o cão ou não corresponde
às expectativas. Que sentirá a criança?
Porquê? Não presta? Não a querem?
...
Mas as crianças, Senhores?
Deixem-me ainda recordar uma
expressão que ouvi em tempos a Laborinho Lúcio num dos encontros que tenho tido
o privilégio de manter com ele.
Dizia Laborinho Lúcio, "só as crianças adoptadas são felizes, felizmente a maioria das crianças
são adoptadas pelos seus pais”.
Na verdade, muitas crianças não
chegam a ser adoptadas pelos seus pais, crescem sós e abandonadas. No entanto,
é imperativo criar uma oportunidade para que as crianças "desabrigadas"
possam ser adoptadas, possam ser felizes.
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