Estamos no início de um ano lectivo marcado pelo universo dos problemas da profissão docente. Não se vislumbra a imprescindível serenidade que o trabalho de professores, técnicos e alunos exige. O ME insiste em discursos que teimam em desvalorizar dificuldades óbvias e severas, em propostas insuficientes e a mostrar alguma “vaidade” pelo que aparentemente está melhor como o aumento da qualificação dos nossos jovens, à excepção dos oriundos do ensino profissional. No entanto, existe um pequeno problema temos jovens mais qualificados, mas o que temos para oferecer a boa parte desses jovens é a proletarização salarial ou partir para outras paragens onde a qualificação é reconhecida.
Apesar deste contexto e dado o
início das actividades escolares pareceu-me oportuno umas notas sobre uma
dimensão muito presente e fonte de inquietação do trabalho dos docentes, o comportamento
dos alunos em sala de aula, designadamente, as situações de indisciplina que
tanto solicitam a intervenção dos docentes com impacto nas actividades de
ensino e aprendizagem e constituem tema recorrente no trabalho realizado com
professores.
Por coincidência, também a minha
escola de sempre o ISPA divulgou hoje na série ISPA TALKS uma pequena intervenção
que realizei sobre esta temática e que se encontra disponível no You Tube em “Ispa Talks: Indisciplina em contexto escolar? Olhares da psicologia - José Morgado”
Voltando às notas, recordo que o
trabalho da OCDE, “TALIS 2018 Results (Volume I) Teachers and School Leaders as
Lifelong Learners”, referia que em Portugal e de acordo com as respostas dos
docentes inquiridos, o tempo gasto em sala de aula no controle do comportamento
dos alunos é superior à média da OCDE. Nas nossas salas de aula, 73.5% do tempo
é usado em actividades de ensino e aprendizagem e na OCDE a média é de 78.1%
sendo o tempo restante dedicado a questões de burocracia, controle de
assiduidade e, sobretudo ao comportamento. Aliás, o comportamento é também um
dos factores fortemente associados aos níveis de cansaço e risco de exaustão
verificados na classe docente e potenciados pela elevada média de idades.
Em primeiro lugar julgo que
importa clarificar o que está em causa. Quebrar as regras de funcionamento da
sala de aula ou da escola serão indisciplina, insultar, humilhar, confrontar
fisicamente um professor, comportamentos frequentes de agressão ou roubos a
colegas configuram pré-delinquência ou delinquência e comportamentos
disruptivos podem ainda estar ligados a perturbações de natureza psicológica.
A escola, os professores, não
pode ser responsabilizada e considerada competente para lidar e “resolver” todo
este universo de problemas nos comportamentos dos mais novos. Para situações de
pré-delinquência ou perturbações do comportamento pode, evidentemente, dar
contributos, mas não assumir a responsabilidade pelo que importa clarificar a
análise.
Centremo-nos então na
indisciplina escolar que considero matéria de competência da escola e matéria
de responsabilidade de toda a comunidade, incluindo obviamente os pais.
Ainda no 1º ciclo e de uma forma
geral as crianças têm um entendimento ajustado sobre quais os comportamentos
adequados em sala de aula que, naturalmente, com a idade se torna mais sólido.
Assim sendo e numa abordagem simples, sabendo as crianças e adolescentes quais
os comportamentos adequados por que razão ou razões não os assumem de forma
consistente? Não estou a falar de alunos “certinhos”, testar regras e limites
faz parte do desenvolvimento, mas de comportamentos que de uma forma continuada
e excessiva perturbam o funcionamento das aulas.
A este cenário e para além do que
se passa em matéria de educação familiar no que respeita à promoção da
auto-regulação dos comportamentos parece-me importante referir que todas as
figuras sociais a que se colam traços de autoridade por exemplo, pais, professores,
médicos, polícias, idosos, etc., viram alterada a representação social sobre
esses traços o que, se traduz, na relação estabelecida.
As mudanças significativas no
quadro de valores e nos comportamentos criam dimensões novas em torno de um
problema velho, a indisciplina. Daqui decorre, por exemplo, que restaurar a
autoridade dos professores, tal como era percebida há décadas, é uma impossibilidade
porque os tempos mudaram e não voltam para trás. Pela mesma razão, não se fala
em restaurar a relação pais – filhos nos termos em que se processava
antigamente e falar da "responsabilização" dos pais é interessante,
mas é outro nada.
Um professor, de qualquer ciclo
ou nível de ensino, ganha tanta mais autoridade quanto mais competente, apoiado
e valorizado se sentir. Os dispositivos de apoio suficientes e competentes ao
trabalho de professores e alunos constituem uma variável central no que
respeita à indisciplina, mas não só à indisciplina.
Também por isto se questiona a
constituição de mega-agrupamentos e de escolas e turmas com dimensões
excessivas, variável associada à indisciplina escolar.
É também importante reflectir
sobre a formação de professores nestes conteúdos. As escolas e os dispositivos
de formação de professores não podem “ensinar” só o que sabem ensinar, mas o
que é necessário ser aprendido pelos novos, mas poucos professores que o
sistema recebe, e pelos professores em serviço.
Parece também importante a
existência de estruturas de mediação entre a escola e a família o que implica a
existência de recursos humanos qualificados e disponíveis. Já temos suficiente
experiência, existem boas iniciativas em muitas escolas permitem disponibilizar
algum apoio aos pais dos miúdos “maus” que querem ter miúdos “bons” e
identificar as situações para as quais, a comprovada negligência dos pais
exigirá outras medidas que envolvam, eficazmente e em tempo oportuno as CPCJ.
Um caminho de autonomia, com a
alteração desejável dos modelos de organização e funcionamento das escolas e na
gestão curricular, deve permitir que as escolas, algumas escolas, mais
problemáticas, estando ou não integradas em TEIP tivessem menos alunos por
turma, mais assistentes operacionais com formação em mediação e gestão de
conflitos, mais técnicos ou ainda que se utilizassem mais professores em
dispositivos de apoio a alunos em dificuldades. As dificuldades dos alunos
estão com muita frequência na base do absentismo e da indisciplina, os alunos
com sucesso, em princípio, não faltam e não apresentam grandes problemas de
indisciplina.
Parece-me de acentuar que os
estudos sugerem com clareza a existência de impacto positivo do menor número de
alunos por turma no clima e comunicação na sala de aula, na maior facilidade de
práticas educativas mais diferenciadas, no comportamento dos alunos, etc., o
que, evidentemente deve ser considerado.
Dispositivos assentes em tutorias
que envolvam os alunos mais problemáticos parecem um bom contributo desde que
realizadas com tempo, recursos e formação ajustados.
Por outro lado, os estudos e as
boas práticas, mostram também que a presença simultânea de dois professores é
uma boa ferramenta de promoção de sucesso na aprendizagem e para a minimização
de problemas de comportamento bem como se conhece o efeito do apoio precoce às
dificuldades dos alunos também na prevenção da indisciplina.
Os professores também sabem que
na maior parte das vezes, os alunos indisciplinados não mudam os seus
comportamentos por mais suspensões que sofram. É evidente que importa admitir
sanções, no entanto, fazer assentar o combate à indisciplina nos castigos aos
alunos é ineficaz, é facilitista na medida em que é a medida mais fácil e mais
barata, é demagógica porque vai ao encontro dos discursos populistas que
aplaudem a ideia do "prender" do "expulsar" até ficarem só
os nossos filhos.
O problema é quando também nos
toca a nós, aí clamamos por apoios.
Os discursos demagógicos e
populistas, ainda que bem-intencionados, não são um bom serviço à minimização
dos muito frequentes incidentes de indisciplina que minam a qualidade cívica da
nossa vida além, naturalmente, da qualidade e sucesso do trabalho educativo de
alunos, professores e pais.
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