sábado, 2 de setembro de 2023

O IMPACTO NA APRENDIZAGEM E O IMPACTO NA "ENSINAGEM"

 Sem surpresa, lamentavelmente, o Ministro da Educação veio ontem promover uma narrativa qua não cola à realidade que, por mais que se torture, não se transforma nos desejos do Senhor Ministro.

O processo de colocação de professores em curso não parece sugerir o quadro “simpático” que o Ministro insiste que existe pelo que o início do ano lectivo trará mais inquietação e não só por causa da aunciada greve.

Por outro lado, retoma o argumento de que os malandros dos professores deveriam pensar nos alunos como prioridade e deixarem-se dessas coisas injustificáveis que são as greves.

Talvez o Senhor Ministro se esteja a esquecer de que a esmagadora maioria dos docentes, são docentes porque … querem estar com os alunos, gostam de estar com os alunos. Estar com os alunos é a razão de ser da sua escolha, ser professor.

O que acontece é que a situação de conflito entre ME e professores já deveria ter terminado com um acordo sério, justo e competente.

Sim, também sabemos que em muitas áreas, um processo que envolve a realização de uma greve terá sempre algum tipo de impacto, sendo a percepção e valorização desse impacto uma pressão para a negociação, pressão essa que as entidades em litígio têm de gerir.

Parece-me também claro que os professores, na sua esmagadora maioria, prefeririam certamente não sentir motivos para realizar a greve com consequentes dificuldades para pais e alunos e para o seu próprio trabalho. Muitos esquecerão que boa parte dos professores também tem filhos ou netos dado o envelhecimento da classe. O processo de reivindicação da classe docente surge da revolta, cansaço e desânimo de muitos anos a sentir-se maltratada, desvalorizada profissionalmente, sem estabilidade e perspectivas de carreira, cansada, envelhecida e com quadros de mal-estar preocupantes.

Como me parece inevitável, só uma negociação séria, justa e competente ultrapassará as situações de greve. Tenho para mim que os padrões éticos, deontológicos e profissionais dos professores, técnicos e assistentes levarão a que seja realizado um esforço que minimize eventuais fragilidades associadas ao tempo sem aulas que serão muito diferenciadas.

Por outro lado, também seria desejável que o Senhor ministro e os seus antecedentes entenderem o impacto que terá nos alunos décadas de políticas públicas de educação que acabam por gerar o cenário actual. A incompetência de muitas dimensões das políticas públicas tem um impacto severo na "ensinagem" e, por consequência, na aprendizagem. Com políticas públicas adequadas, os professores na sala de aula a fazer o que mais querem, gostam e precisam, trabalhar com os alunos.

Uma classe profissional maltratada, desvalorizada socialmente e profissionalmente, sem estabilidade e perspectivas de carreira, cansada e envelhecida e com quadros de mal-estar preocupantes mais dificilmente consegue manter e desenvolver o esforço necessário ao ensinar. Este cenário, também tem impacto nas aprendizagens, mas é menos referido, por um lado porque os números do sucesso retratam uma realidade que nem sempre nos parece “real” e, mais uma vez, o sentido ético, deontológico e profissional dos professores leva-os, na sua esmagadora maioria, a “dar o litro” na sua parte, a “ensinagem”.

Ao falar de impacto na “ensinagem”, tal como de impacto da aprendizagem, também se deverão considerar dimensões como recursos disponíveis, humanos (continuam a faltar professores, técnicos e auxiliares), digitais num tempo em que se proclama a transição digital como “a via”, dispositivos de apoio suficientes e competentes, climas de escola pouco amigáveis e envolventes, uma asfixiante burocracia plataformizada e submersa numa pressão grelhadora que não tem fim e consome tempo e esforço com um retorno baixo na “ensinagem” e, claro, na aprendizagem.

É tudo isto que está em jogo, é tudo isto que urge repensar.

A verdade é que não podemos dissociar a aprendizagem bem-sucedida dos alunos da “ensinagem”, a docência, competente, valorizada, reconhecida, apoiada, atractiva e desburocratizada realizada pelos professores.

Também por isso, urge uma negociação, um entendimento, sério, justo e competente.

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