sábado, 30 de setembro de 2023

NÃO VAI CORRER BEM

 Não é por permanecer durante muito tempo que um problema se “normaliza” ou, muito menos se resolve, um problema será sempre um problema.

Quase um mês após o início das aulas existirão cerca de 60 000 alunos sem professor a todas as disciplinas.

Sabemos que até ao fim do ano, de acordo o que tem acontecido e as projecções apontam, mais professores se aposentarão, fruto de um outro problema novo, o envelhecimento da classe.

Também é de considerar que muitas contratações envolvem candidatos sem habilitação profissional para a docência. Sim, eu sei que podem e quero muito que tal aconteça dar “boas aulas”, e também sei que também professores com formação certificada para o ensino não são Professores.

O que me parece crítico é que continuamos sem perpectivas claras de alteração sustentada desta situação que, mais uma vez insisto, é um atropelo a um direito fundamental, o direito à educação.

Não pode ser um novo normal e, seguramente, não vai correr bem.

sexta-feira, 29 de setembro de 2023

SÓ AS CRIANÇAS ADOPTADAS SÃO FELIZES, UMA FAMÍLIA É UM BEM DE PRIMEIRA NECESSIDADE

 No Expresso encontra-se uma peça a propósito do Relatório do Conselho Nacional para a Adopção relativos a 2022. Alguns dados mais relevantes.

Em 2021 foram adoptadas 185 crianças e em 2022 foram 173. A situação de espera por adopção continua bastante elevada, entre seis e sete anos, nomeadamente para famílias que pretendem adoptar crianças até aos 7 anos, sem problemas de saúde ou com deficiência.

Até ao final de 2022 o número de candidaturas a adopção em espera era cerca de 6 vezes superior ao número de crianças em situação de adaptabilidade, 1322 candidaturas para 229 crianças e jovens em situação de adaptabilidade.

A maioria dos candidatos a adoptar (66%) expressa preferência por crianças dos 0 aos 3 anos, enquanto as crianças com indicação de adopção nesta faixa etária eram bem menos e totalizavam 26%. Por outro lado, as crianças com 7 ou mais anos, 62% do universo são “preferidas” por menos de 8% das candidaturas e, praticamente, não existem candidaturas para adopção de jovens entre os 10 e os 15 anos.

Este cenário alimenta a manutenção em situação de acolhimento criando um universo de NAP (Necessidades Adoptivas Particulares) que, para além da idade, são também sustentadas por variáveis como existência de irmãos, problemas de saúde ou deficiência e etnia.

Trata-se, evidentemente de um universo muito complexo, mas, por outro lado, a solicitar a sua definição com questão central nas políticas de família.

Em termos internacionais, recordo que dados de 2018 mostravam que em Portugal apenas cerca de 3% das crianças retiradas às famílias estavam em famílias de acolhimento e 97% institucionalizadas. Em países como a Irlanda e a Noruega o acolhimento institucional não ultrapassa 10% das suas crianças retiradas aos pais pelo Estado.  Mesmo em países em que está mais presente a cultura de institucionalização, a Alemanha ou a Itália por exemplo, a percentagem é de 54% e 50% respectivamente, apesar de tudo bem mais baixa que o indicador português, 97%.

Precisamos de insistir nos processos de mudança relativa ao acolhimento, à adopção, ao funcionamento e calendário dos processos de decisão sobre as crianças que vivem em circunstâncias familiares adversas.

Retomando o Relatório do Conselho Nacional para a Adopção é de considerar um outro dado relevante. Contrariamente à diminuição que se fazia sentir desde 2018, em 2022 aumentou o número de crianças que estando em processo de adopção foram devolvidas, 14 crianças, 7,7% do total de crianças envolvidas.

Esta situação, crianças com diferentes idades serem devolvidas à estrutura de acolhimento depois de iniciado um processo de adopção, pela qual algumas passam mais do que uma vez é absolutamente devastadora.

Como relatei em algumas ocasiões em que aqui abordei esta questão, os motivos para esta “devolução” passam por situações que assim podem aconselhar, maus-tratos da família adoptante por exemplo, mas também por justificações como “não correspondem às expectativas”, “'venderam-me gato por lebre” ou que atrapalham as rotinas com os animais de estimação da família.

Relembro que há alguns anos o DN, num trabalho sobre o mesmo tema, citava o caso em que uma criança foi devolvida e trocada por outra porque não se adaptava ao cão da família. Outros casos de devolução envolvem dificuldades de adaptação a outros elementos da família ou a questões económicas.

Vejamos com mais atenção. Uma criança que por qualquer razão não tem uma família, está numa instituição, envolve-se num processo de adopção, entra numa família que entende passar a ser a SUA família, deve sentir-se num caminho bonito e prometedor. Passado algum tempo é devolvida, provavelmente, sem perceber porquê e vive uma, certamente mais uma, devastadora experiência de abandono e rejeição com efeitos que não podem deixar de ser significativos. É muito sofrimento.

Como é evidente, admito que em circunstâncias excepcionais o processo possa ser interrompido, mas, insisto, só mesmo numa situação limite depois de esgotados os dispositivos de apoio às famílias adoptantes.

Não sei se foi alterada, mas a lei permite o período de transição e um período de pré-adopção. Há uns anos em conversa sobre esta questão com o então presidente da Comissão Nacional de Protecção de Crianças e Jovens em Risco, Juiz Armando Leandro, este reconhecia que a devolução não tem de ser baseada em "critérios necessariamente válidos".

Os serviços competentes têm-se esforçado para que estas situações se minimizem quer através da adequação das famílias candidatas, quer nas orientações e apoios para a optimização dos processos de adopção, mas, algumas situações continuarão certamente a acontecer.

Voltando ao tão apregoado "superior interesse a criança", é difícil imaginar o que se passará na cabeça de um miúdo que passa anos a construir uma ideia de família, a certa altura entra numa família a que chama sua e de repente dizem-lhe que volta a estar só, na instituição, porque ... não se dá bem com o cão ou não corresponde às expectativas. Que sentirá a criança?

Porquê? Não presta? Não a querem? ...

Mas as crianças, Senhores?

Deixem-me ainda recordar uma expressão que ouvi em tempos a Laborinho Lúcio num dos encontros que tenho tido o privilégio de manter com ele.

Dizia Laborinho Lúcio, "só as crianças adoptadas são felizes, felizmente a maioria das crianças são adoptadas pelos seus pais”.

Na verdade, muitas crianças não chegam a ser adoptadas pelos seus pais, crescem sós e abandonadas. No entanto, é imperativo criar uma oportunidade para que as crianças "desabrigadas" possam ser adoptadas, possam ser felizes.

quarta-feira, 27 de setembro de 2023

DA RECUPERAÇÃO DAS APRENDIZAGENS

 Em Conferência no Parlamento do Grupo de Trabalho de Acompanhamento do Plano de Recuperação as Aprendizagens foi apresentado um trabalho em que se revelava que dois terços dos alunos (66%) que no último ano lectivo frequentavam o 2.º ano de escolaridade evidenciaram um desempenho na leitura muito baixo ou abaixo da média.

Sendo importante a sua realização e divulgação importa relembrar que nos últimos anos múltiplos estudos, nacionais e internacionais, revelaram a existência de impactos embora também se verificasse a necessidade de uma análise mais fina à natureza das dificuldades mais globalmente percebidas. Abordei aqui algumas dessas iniciativas.

Neste contexto recupero algumas notas que me parecem oportunas.

Em Agosto, o Tribunal de Contas na auditoria ao Programa Escola 21/23+ considerou que “Existem insuficiências na definição do Plano 21/23, como prioridades pouco claras, insuficiente afectação de recursos, excessivo número de acções e inexistência de metas e de indicadores para efeitos de monitorização e avaliação”.

Também no último relatório em divulgado em Julho pela Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, se afirmava que não se verifica uma alteração significativa no perfil e adesão ao conjunto de medidas contidas no plano de recuperação das aprendizagens continuando os Planos de Desenvolvimento Pessoal, Social e Comunitário e Escola a Ler como as medidas com maior actividade. É importante que também se afirmava que ainda não era conhecida a avaliação relativa ao impacto das diferentes medidas no desempenho dos alunos.

Também sabemos que os 3200 professores afectos ao Plano de Recuperação das Aprendizagens não continuarão no próximo ano lectivo com os mesmos créditos horários para esse efeito pois o ME preferiu privilegiar as medidas que mostraram "maior eficácia" nos últimos dois anos que, aparentemente e com alguma surpresa, dispensam o trabalho dos docentes.

Não estando devidamente avaliado, sobretudo no seu objectivo central, recuperação das aprendizagens dos alunos, como pode decidir-se cortar numa das áreas críticas, os recursos, o tempo de trabalho dos professores? É, no mínimo, insensatez e incompetência que dificilmente se explicam.

Em condições normais, por assim dizer; não se conhecendo os efeitos que justificam o Plano, o impacto nas aprendizagens dos alunos seria de esperar que medidas a tomar decorressem dessa avaliação.

A situação actual das escolas e a falta de docentes que se prolonga e ainda, claro, os efeitos da pandemia justificariam que estes recursos continuassem nas comunidades escolares com um horizonte mais alargado. Não se trata de um problema de conjuntura, é de estrutura.

Parece ser consensual que o maior ou menor impacto nas aprendizagens que possam estar a acontecer, é extremamente diversificado em cada aluno. Parece razoavelmente claro que a diversidade de situações, o seu número, os anos de escolaridade dos alunos, as variáveis contextuais relativas a cada comunidade escolar, recursos disponíveis em cada comunidade, as necessidades específicas de muitos alunos, os seus contextos familiares, etc., etc., sugerem que devem ser as escolas a avaliar as necessidades, identificar os recursos necessários, estabelecer objectivos, definir metodologias e dispositivos de regulação e avaliação.

Os professores sabem como avaliar e identificar as dificuldades dos alunos. O que verdadeiramente é imprescindível é dotar as escolas de forma continua e estável dos recursos necessários para minimizar tanto e tão rápido quanto possível as dificuldades que identificam. Recursos suficientes para recorrer a apoios tutoriais ou ao trabalho com grupos de alunos de menor dimensão, apoios específicos a alunos mais vulneráveis, técnicos, psicólogos, por exemplo, num rácio que possibilite um trabalho multidimensionado como é exigido, etc., são essenciais e serão sempre essenciais. Torna-se também necessária a existência de dispositivos de regulação que sustentem o trabalho desenvolvido e de processos desburocratizados.

Para além das narrativas institucionais mais “simpáticas”, por assim dizer, a divulgação de resultados de avaliações que quando comparados com a cada vez mais ameaçada avaliação externa ou estudos como o agora conhecido deixam imensas dúvidas e o que se vai sabendo das escolas mostra, sem surpresa, o conjunto de dificuldades que se continuam a sentir.

Por outro lado, considerando os indicadores relativos ao impacto das variáveis relativas ao contexto sociofamiliar e económico dos alunos nos seus trajectos de aprendizagem não se trata de uma questão compatível com um Plano de curto prazo que está em desenvolvimento e com sobressaltos conhecidos.

Não simpatizo com narrativas sobre perdas irreparáveis, gerações perdidas ou outros discursos da mesma natureza. No entanto, a verdade é que muitos alunos incluindo alunos com necessidades especiais, independentemente da avaliação registada nas grelhas ou nas pautas de avaliação passaram e passam por sobressaltos e dificuldades no seu percurso escolar.

Neste contexto, a questão central não deve ser definida em torno da recuperação dos efeitos da pandemia nas aprendizagens ou no bem-estar através de planos de recuperação finitos, mas sim, na mudança ao nível das políticas públicas dos diferentes países, incluindo Portugal, que, para além de forma mais imediata “recuperarem aprendizagens”, tenham impacto a prazo através de recursos suficientes e competentes, definição de dispositivos de apoio eficientes e de acordo com as necessidades, apoios sociais que minimizem vulnerabilidades que a escola não suprime, valorização da educação e dos professores, diferenciação e autonomia nas respostas das instituições educativas, etc.

Mais uma vez insisto na necessidade de que o ME estabeleça a simplificação (desburocratização), não o chamado facilitismo, como orientação central nas diferentes dimensões das políticas públicas de educação.

Seria desejável e necessário que o trabalho a desenvolver, os conteúdos envolvidos, os dispositivos em utilização, a organização de tempos e rotinas, etc., tivessem como preocupação a simplificação, professores alunos e famílias ganhariam. Esta simplificação deve incluir a avaliação e registos. Seria positivo que, tanto quanto possível, se aliviasse a pressão “grelhadora” e a burocracia asfixiante a que habitualmente escolas e professores estão sujeitos.

Como é evidente, este apelo à simplificação não tem a ver com menos rigor, qualidade, intencionalidade educativa ou não proporcionar tempo de efectiva aprendizagem para todos. Antes pelo contrário, se conseguirmos simplificar processos e recursos, alunos, professores e famílias beneficiarão mais do esforço enorme que todos têm que realizar e estão a realizar.

Sintetizando, para além da conjuntura próxima importa considerar o que é estrutural e imprescindível em nome do futuro, a qualidade da educação e uma educação de qualidade para todos.

terça-feira, 26 de setembro de 2023

"CADA CAVADELA, CADA MINHOCA"

Parece estarmos a atravessar no mundo da educação um período informado pela conhecida lei de Murphy que se pode traduzir em algo como “o que o que pode correr mal, está mesmo a correr mal”. Numa versão mais portuguesa podemos recordar a muito conhecida “cada cavadela, cada minhoca”.

A imprensa dá conta das inúmeras dificuldades e de diferente natureza que as escolas, professores e alunos estão a sentir com os recursos informáticos, desde questões de natureza técnica, qualidade dos equipamentos, avarias e dificuldades de reparação, às de natureza administrativa(?), garantias caducadas ou dificuldade de substituição, por exemplo. Algumas destas questões somam-se às que vêm sendo sentidas de há muito, recordemos as dificuldades com a pouco defensável realização em suporte digital  das provas de aferição do 2º ano.

O deslumbramento com o novo mantra, transição digital, ainda terá que gerir situações como estas.

Esperemos que um emergente movimento no sentido de repensar o papel crítico, sublinhe-se, dos recursos digitais possa contribuir para um maior equilíbrio e, naturalmente, assegurar a garantia de equipamentos suficientes e adequados para a sua ajustada utilização ao longo da escolaridade.

O sistema precisa urgentemente de alguma serenidade e competência.


domingo, 24 de setembro de 2023

OS DIAS DO ALENTEJO

 Nas duas últimas semanas chegaram as primeiras chuvas ao Alentejo. Pode dizer-se que se cumpriu a tradição de termos chuva na Feira d´Aires que se realiza este fim-de-semana neste canto alentejano, na quinta-feira caiu uma chuva grada.

Este ano tivemos a presença dos netos que não quiseram perder o concerto do Pedro Mafama de ontem à noite. Vieram entusiasmados, acho que foi a sua primeira experiência de um concerto ao vivo, ao ar livre e de alguma dimensão. Vieram entusiasmados e levam que contar amanhã na escola.

Desde há muitos meses, demasiados meses, que não chovia e o calor foi áspero. A terra gretada e desesperada por água agradeceu, já está a mudar de cor. É uma terra milagrosa, uns dias de chuva e o pasto já está a nascer e vai ganhando um verde que é vida e rapidamente vai substituindo o castanho.

Deu para fabricar um bom bocado de terra para semear pasto e começar a preparar a horta, as diferentes espécies de couve que compõem os pratos de Inverno e algumas alfaces já estão na terra. O cheiro da terra molhada a ser fabricada é redentor e assinala um novo começo. Seria desejável que este novo começo fosse mais amplo.

Também por esta altura é também o temo de começar a apanha das nozes, mas parecem atrasadas, ainda não estão a abrir o invólucro, vamos aguardar.

Estamos quase a acabar a limpeza dos “pés de burro” das oliveiras, os rebentos que surgem na base do tronco e à sua volta. Com enxada ou sacho forte e tesoura de podar o trabalho faz-se.

As oliveiras, que considero as árvores mais bonitas do nosso património, ficam ainda mais bonitas e mais fortes quando limpas e tem a vantagem de ser mais fácil estender os panos para colher a azeitona lá mais para a frente. Este ano parece bem encaminhado.

E são assim os dias do Alentejo ainda que limitados pelas maleitas que a vida vai trazendo.

sábado, 23 de setembro de 2023

ELA NÃO FALA COMO A GENTE

 No Público encontra-se uma peça sobre uma outra realidade desafiante, o aumento significativo de alunos estrangeiros nas escolas portuguesas. Em 2021/2022 tínhamos 1,586 milhões de alunos do pré-escolar ao 12.º ano e no ano anterior eram 1,570 milhões.

Em Julho deste ano registavam-se 87.032 crianças inscritas no pré-escolar, das quais 11.725 eram estrangeiras (13,4%). No 1.º ciclo, dos 103.885 alunos inscritos, 18.644 eram estrangeiros, ou seja, 17,9% do total. Trata-se de uma diferença significativa, no ano lectivo de 2020/2021, segundo dados do Infoescolas, a média de estudantes estrangeiros no 1.º ciclo a nível nacional era de 8%.

Como exemplo, o Agrupamento de Escolas Eduardo Gageiro, tem cerca de 2300 alunos de todos os níveis, tem “30%” de estudantes estrangeiros, de 42 nacionalidades diferentes. De forma mais diferenciada o pré-escolar e o 1.º ciclo têm 36% de crianças estrangeiras, e só no 1.º ciclo essa percentagem é de 44%.

Apesar dos indicadores não ser propriamente uma surpresa, pois tem vindo a aumentar a vinda para Portugal de cidadãos de outros países importa considerar que, contrariamente ao que as narrativas xenófobas que se vão escutando afirmam, é importante esta vinda de pessoas de outras paragens que se radiquem por cá através de projectos de vida bem-sucedidos e contributivos para o desenvolvimento das nossas comunidades. Minimiza-se o efeito do Inverno demográfico que vivemos levando envelhecimento significativo da população portuguesa rejuvenescendo-se as populações.

Como é evidente este movimento implica a existência de crianças e a necessidade da sua educação escolar, certamente, a mais potente ferramenta contributiva para a sua boa integração na comunidade.

Esta cenário como se demonstra na peça do Público não pode deixar de constituir o um enorme desafio para muitas escolas.

O ME avançou com a criação da disciplina de Português Língua Não Materna, mas que só é criada com um número mínimo de 10 alunos e os recursos disponíveis são manifestamente insuficientes.

Está, pois, criada, uma dificuldade acrescida para promover de forma eficiente o domínio da língua de aprendizagem, o português, e o impacto negativo que tal terá no seu trajecto escolar. Aliás, são bem conhecidas as enormes dificuldades que muitas comunidades portuguesas de emigrantes portugueses sentiram e sentem no processo de escolarização dos seus filhos em diferentes países da Europa.

Sabemos da enorme dificuldade de conseguir que em cada escola se consiga responder de forma eficaz às necessidades específicas da população que a frequenta, nenhuma dúvida sobre isto.

No entanto, também sabemos, o domínio proficiente da língua de aprendizagem, escrita e falada, é imprescindível a um trajecto escolar com sucesso.

Não existe normativo ou discurso em educação que não sublinhe as ideias de educação inclusiva, equidade, a diversidade, etc. A questão são as políticas públicas e os recursos de diferente natureza que este desafio exige, a retórica, não chega.

Estes alunos, tal como outros, enfrentarão sérias dificuldades e um risco grande de insucesso.

E é bom não esquecer que o seu sucesso será um forte contributo para as comunidades onde se integram, assim como poderemos ter que pagar um preço elevado pelo seu insucesso e exclusão.

sexta-feira, 22 de setembro de 2023

HOJE NÃO VOU FALAR DISTO

 Hoje pensei, não vou retomar a questão da falta de docentes e dos vários problemas que afectam os professores e a carreira docente e que se arrastam há décadas. Já está tudo dito. Mas, vá lá, só uma nota pequenina. 

O ME afirmou no Parlamento que, dos 1,3 milhões de crianças e jovens que iniciaram a semana passada o ano lectivo, "98% dos alunos têm aulas a todas as disciplinas”. Mais afirmou que "qualquer situação de um aluno a quem falte um professor é de intervenção prioritária”. Acrescentou que todos os outros problemas estão em vias de solução pois o investimento tem sido extremamente significativo e as decisões, claro, acertadas.

Sem estranheza, fontes das escolas dão uma outra visão da mesma realidade, as necessidades de docentes estão longe de ser supridas e existem situações espantosas de “desprofissionalização” ou erros de “casting” por assim dizer, falta de preparação adequada para leccionar as disciplinas atribuídas.

Afinal nada de estranho, com problemas que se conhecem de há muito por sucessivas equipas que têm passado pelo ME.

Só mais uma pequeníssima nota, Considerando os números referido pelo ME, 2% de alunos sem aulas a todas as disciplinas é um número significativo e, mais do que isso, é um atropelo a um direito fundamental, o direito à educação.

Deixem-se de contabilidade e discursos manhosos, trata-se de um problema de Direitos.

Mas eu hoje pensei não escrever sobre estas questões.

Vou plantar umas couves e umas alfaces, a terra está branda com a chuva que tem caído.

 

quinta-feira, 21 de setembro de 2023

A SONDAGEM

 A imprensa de hoje divulga os dados de uma sondagem sobre o processo de reivindicação dos professores. A maioria dos inquiridos num trabalho da Aximage para DN, JN e TSF, 65% considera que o Governo "não fez o suficiente para se aproximar das reivindicações dos professores", 28% consideraram que sim. Também 45% dos inquiridos concorda com a realização das greves convocadas para o início do ano lectivo.

Estes dados parecem confirmar dois aspectos, a generalidade das pessoas compreende e solidariza-se com os problemas pelos quais os professores lutam por soluções. Por outro lado, mostram também alguma falência da estratégia de comunicação do ME no sentido de “diabolizar” os docentes junto da opinião pública com argumentação diversa e nem sempre de forma eticamente aceitável.

Se considerarmos também o resultado de uma sondagem realizada em Fevereiro, os dados agora conhecidos parecem-me ainda mais significativos.

 Em Fevereiro, 65% dos inquiridos concordava com as greves realizadas pelos professores desde Novembro (18% não concordava) assim como a maioria, 63%, concordava com a recuperação integral do tempo de serviço dos professores de forma faseada, 38%, ou imediata, 25%.

Parece continuar a verificar-se que a “simpatia que há na opinião pública em relação à causa dos professores”, citando o Presidente da República, ainda se mantém o que pode significar um entendimento que muitas vezes refiro, de que muitos dos problemas dos professores são também problemas nossos na medida em que afectam a qualidade da educação e do trabalho da escola.

Os dados indiciam também e mais uma vez que a célebre e notável afirmação, “Perdi os professores, mas ganhei os pais e a população”, proferida em 2006 pela então Ministra Maria de Lurdes Rodrigues também num contexto de contestação da classe docente, não poderá ser retomada pela actual tutela do ME e das Finanças. Espero que daqui a uns anos não venham também a afirmar, “Não sei como chegámos aqui assim. Não sei e não quero saber”. Seria demasiado grave.

Também me parece que mais uma vez os dados tornam urgente e imprescindível o estabelecimento de um entendimento e tomada de decisões que há muito tempo deveriam ter sido assumidas e consideradas como prioridade.

Sabemos que a inexistência de um acordo que seja isso mesmo, um acordo, terá certamente custos que, muito provavelmente, serão superiores mesmo que de forma não tangível aos custos de um acordo.

Como já afirmei repetidamente é isto que me parece dever estar em equação na definição de políticas públicas.

quarta-feira, 20 de setembro de 2023

A EDUCAÇÃO E A BARRAGEM DO ALQUEVA

 Talvez vos possa parecer estranho, mas tenho recordado a mítica expressão que corria no Alentejo relativa à Barragem do Alqueva, “Construam-me porra!” Vou tentar explicar.

Os últimos tempos estão marcados por um aparentemente interminável conflito entra os docentes e o ME com diferentes dimensões, como estatuto salarial e recuperação tempo de serviço não contado, modelo de carreira, acesso e progressão, habilitações profissionais exigidas, burocracia e organização escolar, etc.

Tudo isto está associado a desmotivação, cansaço, envelhecimento da classe, falta de atracção pela profissão e culmina com a há muito anunciada, mas irresponsavelmente não assumida falta de professores. Vai sendo normal começar o ano com muitos alunos sem professores a todas as disciplinas.

A questão é que nada disto é novo. Sucessivos estudos nacionais e internacionais têm de há vários anos referido estas matérias e a mudança mais substantiva é o agravamento da situação com o passar do tempo.

Talvez um contributo para essa inacção seja a deriva política a que o universo da educação tem estado exposto nas últimas décadas, criando instabilidade e ruído permanente sem que se perceba um rumo, um desígnio que potencie o trabalho de alunos, pais e professores. Acresce que sucessivas equipas ministeriais têm desenvolvido políticas que contribuem para a desvalorização dos professores com impacto evidente no clima das escolas e nas relações que a comunidade estabelece com estes profissionais. Este cenário revela uma das dimensões mais frágeis das políticas públicas de educação nos últimos anos em que sempre se insistia na narrativa dos professores a mais com resultados que estão à vista.

Sabemos que os velhos não sabem tudo e os novos nem sempre trazem novidade. Mas também sabemos que qualquer grupo profissional exige renovação por diferentes razões incluindo emocionais, de suporte, partilha de experiência ou pela diversidade.

Sabemos que os sistemas educativos com melhor desempenho são também os sistemas em que os professores são mais valorizados, reconhecidos e apoiados.

Como já referi, são conhecidos os problemas e também algumas hipóteses de minimização ou resolução de alguns. Estou a lembrar-me Almada Negreiros na “Invenção do Dia Claro” “Quando eu nasci, as frases que hão-de salvar a humanidade já estavam todas escritas, só faltava uma coisa - salvar a humanidade.”Numa versão mais alentejana lembro-me da famosa “reclamação”, “Construam-me porra!” escrita no pontão de apoio às obras protestando com o tempo de espera pela Barragem do Alqueva.

Estão à espera de quê?

terça-feira, 19 de setembro de 2023

DE TANTO RASPAR, UM DIA HEI-DE ENRICAR

 Na imprensa de hoje divulga-se a apresentação do estudo desencadeado pelo Conselho Económico e Social sobre a utilização da vulgar “raspadinha” e conhecem-se alguns dos indicadores encontrados. O trabalho contou com a colaboração de Pedro Morgado e Luís Aguiar-Conraria da Universidade do Minho.

A raspadinha é um dos mais populares jogos sociais da “oferta” da Santa Casa da Misericórdia e de estudos anteriores já se conhecia que perto de 80% dos jogadores pertence às classes mais desfavorecidas, D e E, 61% jogam regular ou frequentemente e 37.5% dos apostadores estão acima dos 55 anos.

Do trabalho agora divulgado, pode inferir-se que cerca de 100 mil pessoas em Portugal podem apresentar problemas de jogo com as “raspadinhas”, 1,21% da população. Deste universo 30000 cidadãos terão “quase de certeza têm doença instalada, ou seja, perturbação de jogo patológico”, de acordo com Pedro Morgado.

No que respeita ao perfil dos “utilizadores”, um cidadão com rendimento até 664 euros têm três vezes mais probabilidade de jogar frequentemente que um cidadão com rendimento superior a 1500 €. Um cidadão com o ensino básico terá quase seis vezes mais probabilidades que de ser um jogador frequente que alguém com mestrado ou doutoramento.

Uma outra variável importante e estudada é a idade. Os cidadãos com 66 ou mais revelam o dobro da probabilidade de serem jogadores frequentes de "raspadinha", se comparados com a franja populacional entre os 18 e os 36.

Os dados são relevantes, mas não surpreendem, recordo um trabalho desenvolvido por Pedro Morgado (um dos responsáveis deste novo estudo) e Daniela Vilaverde da Escola de Medicina da Universidade do Minho e divulgado em 2020 na The Lancet Psychiatry que mostra como a relação de muitos apostadores portugueses com a vulgar “Raspadinha” tem vindo configurar um comportamento aditivo, indutor de sofrimento e mal-estar social e familiar. Dados de 2018 já mostravam mostram que os gastos nestas apostas foram de 1594 milhões de euros, 160€ por ano em média por apostador o que é superior ao que se verifica em muitos países, 14€ por em Espanha, por exemplo.

A verdade é que para além do caso particular da Raspadinha tem aumentado de forma geral o investimento dos portugueses nos “jogos sociais” da Santa Casa e nas apostas online. De facto, o Totobola e depois o Euromilhões, o Totoloto, posteriormente a Raspadinha, fortemente apelativa pela possibilidade de retorno imediato e grande acessibilidade, e mais recentemente as apostas online estabeleceram-se firmemente na vida de muitos de nós e criaram mesmo uma imagem criadora de futuro que nos move. Provavelmente e para muitas pessoas, será a única imagem criadora de futuro.

Importa reconhecer que as imagens criadoras de futuro são imprescindíveis, tanto mais quando atravessamos tempos duros em que a esperança também tem sido revista em baixa e dificilmente vislumbramos a recuperação.

Creio que esta perspectiva é parte importante desta equação e apesar de sabermos que a decisão de apostar é sempre de natureza individual, o contexto em que muita gente vive, os estilos de vida e quadro de valores são variáveis que também devem ser consideradas, como, aliás, o estudo sublinha.

Por outro lado e em termos culturais, também encontramos algumas pistas para entendimento. Julgo poder afirmar-se que em muitos lares portugueses e em muitas conversas e talvez mais do que nunca, uma das frases mais ouvidas é “nunca mais me sai o Euromilhões, (ou a raspadinha) para deixar de trabalhar”. Muito provavelmente, cada um de nós já ouviu, pensou ou disse esta expressão alguma vez ou vezes e que não será usada apenas pelos cidadãos com maiores dificuldades.

Acho curiosa a sua utilização. Entendo, naturalmente, a ideia subjacente à primeira parte. Um prémio de valor substantivo representaria, seguramente, a hipótese de acesso a um patamar superior de bem-estar económico, desejado, naturalmente, por toda a gente. O que de facto me parece mais interessante é o complemento “para deixar de trabalhar”. É certo que nem todas as expressões devem ser entendidas no seu valor “facial”, mas é também verdade que a recorrente afirmação deste desejo acaba por ilustrar a relação que muitos de nós estabelecemos com o lado profissional da nossa vida, isto é, “quero livrar-me dele o mais depressa possível”. Não será grave, mas é um indicador que possibilita várias leituras.

Neste contexto e cultura sabem qual é a minha inquietação para além dos riscos associados a comportamentos aditivos? É se os miúdos, considerando a agitação que vai pelo seu mundo “laboral” e os discursos dos adultos, desatam a pedir, se puderem, um aumento de mesada que lhes permita jogar nas “raspadinhas” ou apostar no Euromilhões para … deixar de ir à escola.

Já estivemos mais longe. Talvez, também por questões desta natureza, a abordagem deste tipo de questões nos contextos educativos num quadro desenvolvimento e cidadania faça sentido sem que daqui resulte, evidentemente, mais uma disciplina ou mais um projecto.

segunda-feira, 18 de setembro de 2023

ESCOLA SEGURA

 Ao que a imprensa divulga, o Programa Escola Segura da PSP registou em 22/23 3682 ocorrências, 2611 das quais de natureza criminal e 1071 não criminais, um aumento ligeiro, 5,7%, face a 21/22 com maior incidência nas agressões. As agressões, injúrias e ameaças são os episódios mais frequentes, sendo que as agressões aumentaram de forma mais significativa. Apesar deste aumento o volume de episódios está abaixo dos anos pré-pandemia.

Durante o próximo mês o Programa Escola Segura lançará um conjunto de iniciativas dirigidas à sensibilização, prevenção e informação.

Deixem-me insistir em duas ou três notas que retomo de reflexões anteriores. Os estilos de vida, as exigências de qualificação têm tornado gradualmente a escola mais presente e durante mais tempo na vida de crianças e adolescentes e, consequentemente, com reflexos na educação em contexto familiar.

Creio que já dificilmente se entende que a “família educa e a escola instrói”. Também parece que já não se espera da escola que forme “técnicos” e não cidadãos, pessoas, com qualificações ao nível dos conhecimentos em múltiplas áreas. Aliás, se bem repararem falamos mais de sistemas de educação e não de sistemas de ensino e ainda bem que assim é.

Creio que já dificilmente se entende que o conhecimento é asséptico. O conhecimento, a sua produção e a sua divulgação, tem, deve ter, sempre um enquadramento ético e não é imune a valores.

Nas sociedades contemporâneas um sistema público de educação com qualidade, desde há muito de frequência obrigatória e progressivamente mais extenso, é uma ferramenta fundamental para a promoção de igualdade de oportunidades, de equidade e de inclusão. Uma educação global de qualidade é de uma importância crítica para minimizar o impacto de condições sociais, económicas e familiares mais vulneráveis.

Para além dos dados referidos e dos que se referem à delinquência juvenil, são também preocupantes indicadores relativos à violência relativos à violência nas relações de namoro entre jovens, sendo que muitos a entendem como “normal”, tal como inquietam o volume de episódios de bullying, ou os consumos de álcool ou droga.

Parece-me importante que as matérias integradas na "Educação para a Cidadania" integrem o trabalho desenvolvido na educação em contexto escolar. Com o mesmo objectivo será importante o desenvolvimento de programas de natureza comunitária envolvendo diferentes áreas das políticas públicas.

Como tenho referido precisamos e devemos discutir sempre como fazer, com que recursos e objectivos e promover a autonomia das escolas, também nestas questões. Por outro lado, não acredito na “disciplinarização” destas matérias, julgo mais interessantes iniciativas integradas, simplificadas e desburocratizadas em matéria de organização e operacionalização.

Sabemos que a prevenção e programas de natureza comunitária, socioeducativa, têm custos, mas importa ponderar entre o que custa prevenir e os custos posteriores da pobreza, exclusão, delinquência continuada e da insegurança.

No entanto, importa uma palavra de optimismo. A verdade é que, apesar de todos os constrangimentos e dificuldades bem conhecidas e nem sempre reconhecidas e do que ainda está por fazer, o trabalho desenvolvido por professores, técnicos, funcionários e alunos é bem-sucedido na maioria das situações e isso deve ser sublinhado. De uma forma geral, professores, técnicos, funcionários e alunos, quase todos, fazem a sua parte.

Importa não esquecer e sublinhar, a escola é segura.

domingo, 17 de setembro de 2023

EM CONTRA CORRENTE

 Hoje dei por mim a olhar, sem surpresa, mas com preocupação, para o mundo que desfila à nossa frente em particular no universo da educação, escolar e familiar, e senti-me incomodado. Pensei nos meus netos, 2º e 5º ano, e fiquei mais preocupado com a estrada que têm pela frente.

 É verdade que quase sempre que paramos para pensar o resultado não é muito interessante. Talvez seja por isso que tanta gente pensa pouco ou à pressa.

Procurando algum conforto, de mansinho e, devo confessar, sem grande esforço, consegui começar a lembrar-me de algumas coisas em contra corrente com o mal-estar do mundo. Deixem que partilhe convosco, ao correr do teclado, algumas das minhas descobertas sobretudo no universo que me está mais perto, o dos mais novos.

Afinal, sei de alguns miúdos que têm vidas tranquilas, são aconchegados pelos pais e têm os tratos que se espera que os pais dêem.

Sei mesmo de alguns miúdos que falam com os pais e com outros adultos sobre aspectos que lhes parecem úteis ou necessários e reservam para os amigos e para si aquilo que assim deve ficar.

Sei até de alguns miúdos que brincam na rua, tem resultados escolares positivos e também jogam com consolas e ou smartphones, vêm televisão sem que seja para se esconderem e ficar fechados num ecrã.

Não devo esquecer que também sei de miúdos que sentindo algumas dificuldades por diferentes razões são bem recebidos e apoiados nas escolas que frequentam.

Imaginem que sei de miúdos que têm avós com quem se cruzam e "aprendem" aquilo que os pais não podem ensinar, porque pais e avós cumprem funções diferentes. Também sei de miúdos que crescem no meio dos outros e trocam uns nomes e uns sopapos que ajudam a perceber limites e diferenças sem que se pense que são delinquentes, feitos ou em construção.

Sei até de miúdos que gostam de muitos dos professores que têm e que respeitam genericamente as regras de relação com eles.

Sei também de miúdos que fazem e dizem disparates e asneiras que precisam de fazer e dizer para não terem a tentação de mais a tarde as realizar, então com riscos para todos, e sei de pais e outra gente grande que acha que nem todos os miúdos que se mexem um pouco e falam muito são mal-educados ou hiperactivos.

Afinal, descobri, em contra corrente, que existem miúdos que, não sabendo eu se são felizes porque não saberei muito bem o que será a felicidade, vivem uma vida na qual se sentem bem. Afinal, ainda não é desta que me convenço de que a nossa estrada desembocou num inferno.

Os miúdos, agora falo de todos os miúdos, não deixam que acreditemos que a vida é um inferno. Se assim fosse, não teríamos outra coisa para lhes mostrar e deixar. E temos.

E não podemos falhar, sobretudo quem assume responsabilidades nas decisões que envolvem toda a comunidade.

sábado, 16 de setembro de 2023

CRIANÇAS, TELEMÓVEIS E ESCOLA. OUTRA VEZ

 Era inevitável, a forma como os telemóveis evoluíram e as suas possibilidades, rapidamente massificaram a sua utilização, desde os mais novos aos mais velhos, ainda que com níveis de competências e utlização diferenciadas..

Ainda me lembro de há alguns anos me interrogar se precisaria de um telemóvel e também me lembro de há já algum tempo, numa conversa com pais, uma mãe me perguntar a que idade eu entendia que ela poderia dar um telemóvel à filha. Perguntei a idade, a gaiata tinha 5 anos, mas, disse mãe, já muitas colegas da sala tinham e a filha também queria este novo apêndice das nossas mãos.

Esta sobreutilização dos telemóveis, em todos os ambientes, incluindo casa e escola, os riscos de diferente natureza que são conhecidos e reconhecidos, têm vindo de forma cada vez mais insistente a colocar a questão de a minimizar ou mesmo proibir.

Por outro lado, também temos a percepção das potencialidades que estes dispositivos oferecem pelo que, sem surpresa, temos uma questão complexa.

A UNESCO já divulgou algumas orientações no sentido da limitação da utilização dos telemóveis nas escolas. Noutros países, mas também em Portugal, vão surgindo escolas e agrupamentos que vedam a sua utilização no espaço escolar, incluindo intervalos e sabemos que o ME pediu ao Conselho de Escolas um parecer sobre esta questão que se aguarda.

Estarão em causa variáveis como a idade dos alunos, os espaços de utilização ou proibição e as actividades em que poderão, ou não, ser permitida a utilização dos telemóveis.

Parece-me particularmente interessante que esta pertinente discussão ocorra em plena época de deslumbramento com a chamada “transição” digital que, tem como medida emblemática a realização universal das provas de aferição do 2º ano (basicamente crianças com 7 anos) em formato digital. Numa nota pessoal estou atento a este processo no qual está envolvido o meu neto pequeno, está no 2º ano.

Muitas vezes e desde há muito tempo tenho abordado estas questões nestes espaços, bem como na intervenção profissional, fundamentalmente com pais e nos contextos escolares a propósito dos impactos nas relações sociais e em fenómenos de cyberbullying. Também elas questões conhecidas fico satisfeito com esta emergente preocupação com a sobreutilização dos telemóveis e outros equipamentos digitas nos espaços escolares (e não só) pelos mais novos com riscos e consequências conhecidas.

No entanto, ainda que se possam compreender as razões que sustentam as proibições, o uso excessivo e desregulado, as decisões de proibição não parecem ser consensuais ainda que possam ser uma decisão provável.

Não tenho nenhuma convicção de que uma estratégia de proibição devolva crianças e adolescentes à interacção pessoal e a outros hábitos comportamentais mais interessantes embora, obviamente, seja imprescindível a regulação do seu uso o que não significa uma “lei seca” para telemóveis.

Por outro lado, também não é rara a utilização de telemóveis associada a actividades de aprendizagem.

Do meu ponto de vista seria importante também colocar a questão montante, a utilização que nós todos damos a estes dispositivos. Seria muito interessante e desejável que se discutisse a sério nas comunidades educativas a regulação dos comportamentos e definição de regras e limites, sem “superpais”, sem “superfilhos” ou “superprofessores”. No entanto, esta discussão tem de ser acompanhada pela nossa, adultos, pais e/ou profissionais, regulação da sua utilização. Se olharmos para muitas famílias em “convívio” ou para muitos contextos profissionais em “reunião” verificaremos os ecrãs que muitos terão à sua frente e perceberemos o que está por fazer, comportamento gera comportamento.

Como já referi, também me parece que este movimento deve ser enquadrado na mudança que felizmente também parece estar a emergir refreando o deslumbramento pela “transição digital” que, enquadrando de forma ajustada a inevitabilidade de incorporar estas ferramentas nos processos educativos, também volta a defender a importância de abordagens metodológicas ou didácticas “antigas”, “conservadoras”, tais como escrever à mão, desenhar, brincar na rua, ler em suporte papel, interagir presencialmente ou promover relações afectivas literalmente mais próximas, tudo ferramentas importantes de desenvolvimento e aprendizagem.

A ver vamos com a coisa evoluirá por cá quando estamos submersos por um tsunami de transição digital e, claro, de inovação e capacitação.

sexta-feira, 15 de setembro de 2023

UM MUNDO ÀS AVESSAS

 O início de um ano lectivo deveria ser a ocasião de regresso à escola para a grande maioria de professores, funcionários, técnicos e alunos, para além, naturalmente do retorno das rotinas familiares relativas à frequência escolar. Para um infelizmente pequeno número de alunos e professores, será, por assim dizer, a sua estreia” que deveria decorrer apenas com a “ansiedade” de uma estreia.

Lamentavelmente, assim não acontece. A serenidade é um bem de primeira necessidade no trabalho educativo. No entanto, serenidade é o que menos temos nesta altura.

É tempo demais sem que nada mude substancialmente.

Da gestão das políticas públicas espera-se, exige-se, as decisões que criam as condições de serenidade e normalidade do trabalho de alunos e professores.

Sabemos que ensinar e aprender têm sobressaltos, são naturais nestes processos. No entanto, o que nos preocupa, não parecem ser esses sobressaltos esperados.

Estamos  num mundo às avessas.

O que temos são decisões ou falta delas que alimentam problemas e pouco impacto têm nas soluções.

O que temos é uma carga de burocracia que promove ineficiência e desgaste sem que o retorno justifique minimamente o esforço e o tempo despendidos.

O que temos em muitas escolas são climas pouco amigáveis para o trabalho educativo da comunidade.

O que temos, aliás, não temos, são professores suficientes para as exigências da população discente.

O que temos são discursos patéticos, ardilosos, que “martelam” a realidade desconsiderando o conhecimento e a experiência que tanta gente possui.

O que temos são fingimentos de “soluções” que, mais uma vez, alimentam os problemas.

Não, não está tudo mal, nem vai correr tudo mal.

Os professores, na sua esmagadora maioria vão “dar o litro” sustentados no seu sentido ético, deontológico e competência. Os alunos vão tentar, na sua maioria, fazer o melhor possível e, felizmente, serão bem-sucedidos, esperando que sucesso corresponda, de facto, a aquisição de conhecimentos e competências.

No entanto, a realidade não poderá ser esta, a que vivemos, mesmo que do ME venham outros retratos mais simpáticos.

Daí este meu cansaço e desabafo.

E … vai correr bem. Ou não.

quinta-feira, 14 de setembro de 2023

DA INDISCIPLINA EM CONTEXTO ESCOLAR

 Estamos no início de um ano lectivo marcado pelo universo dos problemas da profissão docente. Não se vislumbra a imprescindível serenidade que o trabalho de professores, técnicos e alunos exige. O ME insiste em discursos que teimam em desvalorizar dificuldades óbvias e severas, em propostas insuficientes e a mostrar alguma “vaidade” pelo que aparentemente está melhor como o aumento da qualificação dos nossos jovens, à excepção dos oriundos do ensino profissional. No entanto, existe um pequeno problema temos jovens mais qualificados, mas o que temos para oferecer a boa parte desses jovens é a proletarização salarial ou partir para outras paragens onde a qualificação é reconhecida.

Apesar deste contexto e dado o início das actividades escolares pareceu-me oportuno umas notas sobre uma dimensão muito presente e fonte de inquietação do trabalho dos docentes, o comportamento dos alunos em sala de aula, designadamente, as situações de indisciplina que tanto solicitam a intervenção dos docentes com impacto nas actividades de ensino e aprendizagem e constituem tema recorrente no trabalho realizado com professores.

Por coincidência, também a minha escola de sempre o ISPA divulgou hoje na série ISPA TALKS uma pequena intervenção que realizei sobre esta temática e que se encontra disponível no You Tube em “Ispa Talks: Indisciplina em contexto escolar? Olhares da psicologia - José Morgado

Voltando às notas, recordo que o trabalho da OCDE, “TALIS 2018 Results (Volume I) Teachers and School Leaders as Lifelong Learners”, referia que em Portugal e de acordo com as respostas dos docentes inquiridos, o tempo gasto em sala de aula no controle do comportamento dos alunos é superior à média da OCDE. Nas nossas salas de aula, 73.5% do tempo é usado em actividades de ensino e aprendizagem e na OCDE a média é de 78.1% sendo o tempo restante dedicado a questões de burocracia, controle de assiduidade e, sobretudo ao comportamento. Aliás, o comportamento é também um dos factores fortemente associados aos níveis de cansaço e risco de exaustão verificados na classe docente e potenciados pela elevada média de idades.

Em primeiro lugar julgo que importa clarificar o que está em causa. Quebrar as regras de funcionamento da sala de aula ou da escola serão indisciplina, insultar, humilhar, confrontar fisicamente um professor, comportamentos frequentes de agressão ou roubos a colegas configuram pré-delinquência ou delinquência e comportamentos disruptivos podem ainda estar ligados a perturbações de natureza psicológica.

A escola, os professores, não pode ser responsabilizada e considerada competente para lidar e “resolver” todo este universo de problemas nos comportamentos dos mais novos. Para situações de pré-delinquência ou perturbações do comportamento pode, evidentemente, dar contributos, mas não assumir a responsabilidade pelo que importa clarificar a análise.

Centremo-nos então na indisciplina escolar que considero matéria de competência da escola e matéria de responsabilidade de toda a comunidade, incluindo obviamente os pais.

Ainda no 1º ciclo e de uma forma geral as crianças têm um entendimento ajustado sobre quais os comportamentos adequados em sala de aula que, naturalmente, com a idade se torna mais sólido. Assim sendo e numa abordagem simples, sabendo as crianças e adolescentes quais os comportamentos adequados por que razão ou razões não os assumem de forma consistente? Não estou a falar de alunos “certinhos”, testar regras e limites faz parte do desenvolvimento, mas de comportamentos que de uma forma continuada e excessiva perturbam o funcionamento das aulas.

A este cenário e para além do que se passa em matéria de educação familiar no que respeita à promoção da auto-regulação dos comportamentos parece-me importante referir que todas as figuras sociais a que se colam traços de autoridade por exemplo, pais, professores, médicos, polícias, idosos, etc., viram alterada a representação social sobre esses traços o que, se traduz, na relação estabelecida.

As mudanças significativas no quadro de valores e nos comportamentos criam dimensões novas em torno de um problema velho, a indisciplina. Daqui decorre, por exemplo, que restaurar a autoridade dos professores, tal como era percebida há décadas, é uma impossibilidade porque os tempos mudaram e não voltam para trás. Pela mesma razão, não se fala em restaurar a relação pais – filhos nos termos em que se processava antigamente e falar da "responsabilização" dos pais é interessante, mas é outro nada.

Um professor, de qualquer ciclo ou nível de ensino, ganha tanta mais autoridade quanto mais competente, apoiado e valorizado se sentir. Os dispositivos de apoio suficientes e competentes ao trabalho de professores e alunos constituem uma variável central no que respeita à indisciplina, mas não só à indisciplina.

Também por isto se questiona a constituição de mega-agrupamentos e de escolas e turmas com dimensões excessivas, variável associada à indisciplina escolar.

É também importante reflectir sobre a formação de professores nestes conteúdos. As escolas e os dispositivos de formação de professores não podem “ensinar” só o que sabem ensinar, mas o que é necessário ser aprendido pelos novos, mas poucos professores que o sistema recebe, e pelos professores em serviço.

Parece também importante a existência de estruturas de mediação entre a escola e a família o que implica a existência de recursos humanos qualificados e disponíveis. Já temos suficiente experiência, existem boas iniciativas em muitas escolas permitem disponibilizar algum apoio aos pais dos miúdos “maus” que querem ter miúdos “bons” e identificar as situações para as quais, a comprovada negligência dos pais exigirá outras medidas que envolvam, eficazmente e em tempo oportuno as CPCJ.

Um caminho de autonomia, com a alteração desejável dos modelos de organização e funcionamento das escolas e na gestão curricular, deve permitir que as escolas, algumas escolas, mais problemáticas, estando ou não integradas em TEIP tivessem menos alunos por turma, mais assistentes operacionais com formação em mediação e gestão de conflitos, mais técnicos ou ainda que se utilizassem mais professores em dispositivos de apoio a alunos em dificuldades. As dificuldades dos alunos estão com muita frequência na base do absentismo e da indisciplina, os alunos com sucesso, em princípio, não faltam e não apresentam grandes problemas de indisciplina.

Parece-me de acentuar que os estudos sugerem com clareza a existência de impacto positivo do menor número de alunos por turma no clima e comunicação na sala de aula, na maior facilidade de práticas educativas mais diferenciadas, no comportamento dos alunos, etc., o que, evidentemente deve ser considerado.

Dispositivos assentes em tutorias que envolvam os alunos mais problemáticos parecem um bom contributo desde que realizadas com tempo, recursos e formação ajustados.

Por outro lado, os estudos e as boas práticas, mostram também que a presença simultânea de dois professores é uma boa ferramenta de promoção de sucesso na aprendizagem e para a minimização de problemas de comportamento bem como se conhece o efeito do apoio precoce às dificuldades dos alunos também na prevenção da indisciplina.

Os professores também sabem que na maior parte das vezes, os alunos indisciplinados não mudam os seus comportamentos por mais suspensões que sofram. É evidente que importa admitir sanções, no entanto, fazer assentar o combate à indisciplina nos castigos aos alunos é ineficaz, é facilitista na medida em que é a medida mais fácil e mais barata, é demagógica porque vai ao encontro dos discursos populistas que aplaudem a ideia do "prender" do "expulsar" até ficarem só os nossos filhos.

O problema é quando também nos toca a nós, aí clamamos por apoios.

Os discursos demagógicos e populistas, ainda que bem-intencionados, não são um bom serviço à minimização dos muito frequentes incidentes de indisciplina que minam a qualidade cívica da nossa vida além, naturalmente, da qualidade e sucesso do trabalho educativo de alunos, professores e pais.

quarta-feira, 13 de setembro de 2023

UM MINISTRO EM CONTRAMÃO

 As sucessivas tomadas de posição de instituições e profissionais do mundo da educação face à deriva que se apoderou do ME, e as reacções conhecidas mostram cada vez mais um Ministro que viaja tranquilamente em contramão e ao olhar para os viajantes com que se cruza e para o seu ar aflito e preocupado, pensa. "Esta gente anda toda em contramão, que irresponsáveis e incompetentes".

Na imprensa e nas vozes presentes nas comunidades educativas vai-se divulgando os inúmeros problemas que se sentem, sendo a falta de docentes, provavelmente, o mais grave e a previsibilidade que dá segurança desapareceu.

Por outro lado, o Ministro enreda-se em declarações patéticas que negam a realidade e se deslumbram face a cenários imaginados. Apontam-se “soluções” que o não são e lidamos com problemas que rapidamente são negados em nome do “vai correr bem”, “dentro da “normalidade”. Estranho este novo normal que de normal tem nada.

Este contexto acaba, naturalmente, por se tornar mais pesado e doloroso para os que gostam, escolheram e querem ser e continuar a ser professores, a maioria dos docentes, apesar dos discursos de cansaço e desencanto que regularmente se ouvem e que agora sustentam a robusta reacção dos professores e também a fuga da profissão mesmo com penalizações significativas. As consequências são para toda a comunidade.

Como já escrevi, desejo que todos, designadamente quem decide em matéria de políticas públicas, saibamos que aquilo que é necessário é demasiado importante para que não seja feito e se devolva, tanto quanto possível, a tranquilidade aos professores, às escolas, às comunidades educativas.

A questão é que cada vez se torna mais difícil falar de responsabilidade. Entrámos no mundo da irresponsabilidade.

Com que preço? Pago por quem?

E não acontece nada?

terça-feira, 12 de setembro de 2023

RETRATOS DE ALGUMAS VIDAS DESAFIANTES

 Alguns retratos da vida desafiante de muitos dos que tentam cumprir-se, ser professores. Não há muito a acrescentar ao que aqui tantas vezes tenho escrito e ao que conhecemos. É mau demais, não é uma fatalidade, não é uma surpresa. Trata-se “apenas” da negligência e incompetência de vários anos de políticas públicas nestas matérias.

“Professores obrigados a viver em quartos alugados "em situações indignas"

Há docentes que vivem "situações insustentáveis" que causam "transtornos familiares" na procura de um apartamento para arrendar.”

“Uma das docentes, que dava aulas de Matemática numa escola secundária de Lisboa, desistiu este ano da carreira e voltou para Viana do Castelo, para junto do marido e dos dois filhos.”

(DN, 10 Setembro de 2023)

“Com 50 anos, professora vive num quarto para poder dar aulas”

“Ana Rita já é avó e vive sozinha num quarto alugado na Buraca, na Amadora, a 300 quilómetros de casa. Elisabete Rodrigues desistiu este ano e abandonou a profissão.”

(Público, 10 de Setembro de 2023)

“É um prémio que dou a mim mesma.” Aos 68 anos, Maria Sanches entra para os quadros como professora. Depois de 50 anos de carreira”

(Público, 11 de Setembro de 2023)

Professores obrigados a viver em quartos alugados “em situações indignas”

(Público, 11 de Setembro de 2023)

“Casal de professores a 300 km de casa faz "sacrifício" para se manter na profissão” “Para minimizar os custos um casal de professores decidiu arrendar casa em Lisboa, sendo que um deles fará, em média, seis horas de viagem todos os dias.

(Expresso 11 de Setembro de 2023)

segunda-feira, 11 de setembro de 2023

AOS VOSSOS LUGARES

 Entre amanhã e a próxima sexta-feira iniciam-se as aulas embora não todas. Vivemos uma espécie de novo normal, por negligência ou incompetência das políticas, faltarão professores para algumas disciplinas o que condicionará a actividade escolar.

Depois de uma série de anos que, por razões diversas, podemos considerar atípicos, seria desejável um ano lectivo que se iniciasse e decorresse com alguma serenidade. Ainda não será este,  o universo da educação parece estar condenado ao sobressalto, os discursos não se centram no trabalho em sala de aula de alunos e professores, mas noutras dimensões da “escola” cujo relevo quase faz esquecer o que é central, aprender e ensinar num clima positivo e tranquilo.

Tanto está a ser dito, tanto deveria ser decidido que dificilmente serei capaz de acrescentar algo que não seja reforçar um apelo à serenidade.

Assim e pensando sobretudo pensar nos que estão ou vão iniciar a o seu percurso na escolaridade obrigatória, umas notas recorrentes relativas ao que se espera e deseja que aconteça nos próximos tempos, o trabalho de professores e alunos em sala de aula, as aulas, o que menos me parece ser objecto de reflexão.

Para a maioria das crianças e apesar da sua experiência na educação pré-escolar, a "entrada" na escola, ou melhor, o processo de início da escolaridade obrigatória, continua a ser uma experiência fundamental para o lançamento de um percurso educativo e formativo com sucesso.

Em muitíssimas circunstâncias da nossa vida, quando alguma coisa não correu bem, é possível recomeçar e tentar de novo esperando ser mais bem-sucedido. Todos experimentámos episódios deste tipo.

Pois bem, o processo de início da escolaridade envolve na verdade um conjunto de circunstâncias irreversíveis, ou seja, quando corre mal já não é possível voltar atrás e recomeçar com a esperança de que a situação vá correr melhor. Por isso se torna imprescindível que o começo seja positivo. Para isso, importa que seja pensado e orientado, que crie as rotinas, a adaptação e a confiança em miúdos e em pais indispensáveis à aprendizagem e ao desenvolvimento bem-sucedidos.

Os tempos actuais tornam bastante mais difícil que assim seja, mas esse é o nosso grande desafio.

É fundamental não esquecer que por variadas razões, os miúdos à "entrada" na escola não estão todos nas mesmas condições, ambiente, experiências e recursos familiares, percurso anterior, características individuais, etc. o que exige desde o início uma atenção diferenciada que combata a cultura de que devem ser todos tratados da mesma maneira, normalizando o diferente, que alguma opinião publicada e ignorante defende. Muitas vezes os lugares da escola não conseguem acomodar a diversidade dos alunos, a escola ainda não é para todos com a mesma qualidade.

Antes de, com voluntarismo e empenho, se tentar ensinar aos miúdos as coisas da escola é preciso, como sempre afirmo, dar tempo, oportunidade e espaço para que os miúdos aprendam a escola. Depois de aprenderem a escola estarão mais disponíveis para aprender então as coisas da escola.

Vai começar o tempo do trabalho "a sério" e muitas crianças irão rapidamente sentir-se pressionados para a excelência, o mundo não é para gente sem sucesso. Vão ter que adquirir competências, muitas competências, em variadíssimas áreas, porque é preciso ser bom em tudo e é preciso preparar para o futuro, curiosamente, descuidando, por vezes, o presente.

E vão também começar a perceber como anda confusa a cabeça dos adultos, como estamos sem perceber o nosso próprio presente e com dificuldade em antecipar o futuro, que será o presente deles.

domingo, 10 de setembro de 2023

DA CORRIDA DE OBSTÁCULOS

 No Expresso encontra-se uma notícia daquelas que fala dos problemas minoritários que afectam as minorias que, como sabemos, quase sempre tem uma voz muito baixa.

Uma cidadã residente em Lisboa que se desloca em cadeira de rodas tem junto da residência um lugar de estacionamento reservado e sinalizado com o número do seu dístico. Com alguma surpresa descobriu que esse lugar pode ser utilizado por qualquer pessoa com mobilidade reduzida o que, quando acontece, lhe cria enormes constrangimentos dado que tem um dispositivo de utilização adaptado aquele lugar. Nestas circunstâncias tem sempre o receio de uma situação para a qual não tem forma

Existem matérias que muito provavelmente nunca sairão da agenda de preocupações. As dificuldades sentidas por pessoas com deficiência na sua vida diária e em múltiplas dimensões constituem uma dessas questões.

Como tantas vezes aqui tenho escrito e certamente voltarei a fazê-lo, o quotidiano de muitos cidadãos com deficiência e, em particular, com mobilidade reduzida transforma-se numa contínua corrida de obstáculos na generalidade dos nossos espaços urbanos.

De facto, é recorrente a chamada de atenção para estas questões por parte de cidadãos e associações, mas apesar de algumas mudanças e da existência de enquadramento legislativo mais adequado, a realidade é ainda muito pouco amigável para a qualidade de vida de muitas pessoas.

Recordo que em Fevereiro de 2020 foi divulgado um relatório sobre acessibilidades em edifícios públicos elaborado pela Comissão para a Promoção das Acessibilidades e os dados mostraram como, apesar da legislação, são múltiplas as dificuldades no acesso de pessoas com mobilidade reduzida aos edifícios em que funcionam serviços públicos.

Como exemplo, em 45% dos edifícios públicos com mais do que um andar não há elevadores ou plataformas elevatórias, 42% destes edifícios não têm lugar reservado para pessoas com deficiência e apenas 64% têm balcões de atendimento adaptados do ponto de vista da altura.

Como referi em cima e acontece em outras áreas, a legislação portuguesa é positiva e promotora dos direitos das pessoas com deficiência, mas a sua falta de eficácia e operacionalização é bem evidenciada na tremenda dificuldade que milhares de pessoas experimentam no dia-a-dia que decorre, frequentemente, da falta de fiscalização relativa às questões das acessibilidades e barreiras nos edifícios. O relatório citado confirma-o.

Os problemas das minorias são, evidentemente, problemas minoritários.

Para além dos edifícios a questão da mobilidade e das acessibilidades que afecta muitos cidadãos com deficiência envolve áreas como vias, transportes, espaços, mobiliário urbano e, sublinhe-se, a atitude e comportamento de muitos de nós.

Boa parte dos nossos espaços urbanos não são amigáveis para os cidadãos com necessidades especiais mesmo em áreas com requalificação recente. Estando atentos identificam-se inúmeros obstáculos.

Quantas passadeiras para peões têm os lancis dos passeios rampeados ou rebaixados ajustados à circulação de pessoas com mobilidade reduzida que recorrem a cadeira de rodas?

Quantas passadeiras possuem sinalização amigável para pessoas com deficiência visual?

Quantos obstáculos criados por mobiliário urbano desadequado?

Quantas dificuldades no acesso às estações e meios de transporte público?

Quantas caixas Multibanco são acessíveis a pessoas com cadeira de rodas?

Quantos passeios estão ocupados pelos nossos carrinhos, com mobiliário urbano erradamente colocado, degradado, que criam dificuldades enormes e insegurança a toda a gente e em particular a pessoas com mobilidade reduzida ou com deficiência visual?

Quantos programas televisivos ou serviços públicos disponibilizam Língua Gestual Portuguesa tornando-os acessíveis à população surda?

Quantos Centros de Saúde ou outros espaços da Administração central ou local criam problemas de acessibilidade?

sexta-feira, 8 de setembro de 2023

CRÓNICA DE UMA MORTE ANUNCIADA

 O Ministro da Educação afirmou há dois dias que Portugal vai precisar de mais de 30 000 professores até 2030. Recordo que o Ministro integra a equipa do ME desde 2015, primeiro com Secretário de Estado e depois como Ministro.

Em entrevista ao Público o Presidente do Conselho de Escolas antecipa uma maior dificuldade com a falta de docentes e recomenda a retoma das negociações com o ME e os docentes.

Parece que o “vai correr bem” que tem sido o mantra do ME é, mais vez manifestamente exagerado e os problemas parecem acrescidos.

Apesar de sabermos que a gestão desta questão não é fácil, também sabemos que a “desprofissionalização”, o risco de “proletarização” da classe docente, não são um caminho adequado e  resolvem as questões estruturais que o ME teima em não assumir como políticas públicas, valorização efectiva da carreira docente, potenciando a sua actractividade de forma séria e prolongada.

No entanto importa dizer que apesar da abrutal agudização da questão ela se anunciava há muito tempo.

Sucessivas equipas do ME, quer lideradas pelo PS, quer pelo PSD revelaram basicamente a mesma inoperância, quando não indiferença pelos dados que se foram conhecendo. Aliás, ficámos cansados de narrativa que nos procuraram impingir sobre os “professores a mais” que existiam em Portugal o que desmotivou a procura e desvalorizou a profissão de tal forma que a recuperação será difícil.

Por curiosidade, deixo alguns excertos de textos que fui colocando no Atenta Inquietude sobre estas matérias.

“Num trabalho divulgado no final de 2018 pela OCDE, “Reviews of School Resources: Portugal 2018” retoma-se algo que tem vindo ser questionado nos últimos anos, designadamente nos dados divulgados pela Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência e em estudos do CNE, o envelhecimento brutal da classe docente e as potenciais consequências negativas e que se agrava a cada ano que passa. Como escrevi várias vezes a este propósito, num país preocupado com o futuro o cenário existente faria emitir, como agora se usa, um alerta vermelho e agir em conformidade.”

10 de Dezembro de 2019

Segundo o Relatório “Perfil do Docente”, dados de 14/15, divulgado pela Direcção-Geral das Estatísticas da Educação e Ciência apenas 1.4% dos docentes que leccionam em escolas públicas têm menos de 30 anos, não chegam a 500.

Acresce que o grupo etário com mais de 50 anos é o mais representado, 39.5%. Se a este grupo adicionarmos o escalão imediatamente anterior, 40 aos 49, temos que 77,3% dos docentes estão nos dois grupos mais velhos.”

28 de Julho de 2016

“O Público retoma hoje o Relatório “Perfil do Docente” divulgado em Julho pela Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência do qual já aqui comentei alguns dados. O trabalho de hoje centra-se no número de professores no sistema educativo.

Entre 2004/2005 e 2014/2015 abandonaram 42165 professores, 25% dos que estavam em 2004/2005. A saída verificou-se em todos os patamares de ensino, mas com maior significado no 3º ciclo e no secundário (40% dos que saíram) quando nos últimos anos a população escolar no secundário até subiu devido ao alargamento da escolaridade obrigatória.

No ensino público registaram-se 98% dos abandonos, as escolas públicas tiveram quatro vezes mais saídas que os estabelecimentos privados.

Na verdade boa parte destes professores não abandonaram o sistema, foram empurrados para fora por um conjunto de dimensões ligadas às políticas educativas dos últimos anos, com José Sócrates e Isabel Alçada e tiveram um aumento devastador a partir de 2011 com o fundamentalismo austeritário de Passo Coelho e Nuno Crato, cerca de 75% do total de professores que saíram fizeram-no neste período.”

9 de Agosto de 2016

“De acordo com as Sínteses Estatísticas do Emprego Público publicadas no boletim do terceiro trimestre de 2014 da Direcção-Geral da Administração e do Emprego Público divulgado no I, de 2011 para 2014 saíram cerca de 30 000 professores, 20% dos que existiam.

21 de Novembro de 2014

Parece claro que se tratava de uma trajectória que exigia um conjunto de iniciativas e decisões inadiáveis que não foram assumidas por diferentes razões e agendas. A história não vos absolverá.

quarta-feira, 6 de setembro de 2023

CRIANÇAS E ECRÃS

 No Público divulga-se um trabalho publicado revista JAMA Pediatrics, Screen Time at Age 1 Year and Communication and Problem-Solving Developmental Delay at 2 and 4 Years”, em que se analisa a relação entre o tempo de exposição a ecrãs com riscos no seu desenvolvimento. Estar um tempo superior a duas horas em frente aos diversos tipos de ecrãs pode potenciar o risco de atraso no desenvolvimento nos anos seguintes.

O trabalho envolveu 7097 crianças e concluiu que quanto maior for o tempo de exposição maior a probabilidade de compromissos no desenvolvimento, designadamente nas comunicação e resolução de problemas embora se reflicta noutras áreas e aumente com maior exposição.

O trabalho parece ser suficientemente robusto para que consideremos esta questão que tem estado na agenda e aumentou exponencialmente com os períodos de confinamento e para muitas crianças o ecrã é algo omnipresente no seu dia-a-dia.

Recordo ainda um trabalho divulgado em 2020 e que aqui comentei “Social inequalities in traditional and emerging screen devices among Portuguese children: a cross-sectional study” publicado em BMC Public Health e realizado por uma equipa do Centro de Investigação em Antropologia e Saúde da Universidade de Coimbra que também mostra dados que devem ser levados em conta.

O trabalho envolveu 8.430 crianças entre os três e os dez anos e sugere que até aos cinco anos as crianças passam por dia e em média 154 minutos em frente a um ecrã considerando os diferentes dispositivos disponíveis. Nas crianças mais velhas o tempo de exposição é superior, 201 minutos em média. Independentemente de outras variáveis como género, idade ou dispositivo utilizado, o tempo de exposição é sempre maior em famílias de menor estatuto académico e económico.

Recordo que há poucos meses a agência francesa de saúde pública lançou um novo alerta a partir de estudos realizados relativos à exposição excessiva das crianças aos ecrãs, sobretudo nas crianças até aos três anos.

Sublinhe-se também que a OMS, tal como a Associação Americana de Pediatria indicam extrema prudência para crianças até aos dois e anos e aconselham a que tempo de exposição ao ecrã não exceda uma hora diária até aos cinco anos e duas horas depois dos seis anos.

Estão também identificados os riscos da sobreexposição, sedentarismo e obesidade, falta de qualidade e tempo de sono ou alterações no desenvolvimento, por exemplo na linguagem. A evidência também sugere que os riscos aumentam quando, como é frequente, a presença excessiva em frente de um ecrã está associada a um menor nível de interacção com adultos, designadamente com os pais.

Como tantas vezes já tenho referido o ecrã, qualquer ecrã, é hoje a “baby-sitter” de muitíssimas das nossas crianças e adolescentes que neles, ecrãs, passam um tempo enorme “fechados”. Por vezes, sobretudo em adolescentes e jovens "acompanhados" de outros tão sós quanto eles.

Acontece também que, como referido acima, durante o período de sono e sem regulação familiar muitas crianças e adolescentes estarão diante de um ecrã, pc, tv ou "smartphone". Desculpem insistir nestas questões, mas, como é óbvio, esta situação não pode deixar de implicar consequências nos comportamentos durante o dia, sonolência e distracção, ansiedade e, naturalmente, o risco de falta de rendimento escolar num quadro geral de pior qualidade de vida.

Comer é necessário faz bem às crianças, mas comer excessivamente e produtos de má qualidade, provoca sérios problemas de saúde. Que se eduque o consumo, sem se diabolizar ou exaltar o produto.

Estas matérias, a presença das novas tecnologias na vida dos mais novos, são problemas novos para muitos pais, alguns deles com níveis baixos de alfabetização informática como constato em muitas conversas que mantenho com grupos de pais.

Considerando as implicações sérias na vida diária e que só estratégias proibicionistas não são muito eficazes, importa que se reflicta sobre a atenção e ajuda destinada aos pais para que a utilização imprescindível seja regulada e protectora da qualidade de vida das crianças e adolescentes.

terça-feira, 5 de setembro de 2023

UMA CURIOSIDADE HISTÓRICA

 Uma curiosidade histórica a propósito da notícia dos últimos dias sobre o elevado número de professores que se reformaram antes do início do ano lectivo, 387 neste mês de Setembro.

No dia 8 de Outubro de 2008, o JN colocava como título em destaque na primeira página, “Professores reformam-se à média de 400 por mês”. Não foi há muito tempo, foi só há 15 anos.

Na altura escrevi no Atenta Inquietude:

Aí está a prova para os mais cépticos, para os velhos do Restelo, que duvidavam do ímpeto reformista da PEC, Política Educativa em Curso. Os descrentes afirmavam que não era possível tanta reforma em Portugal. Ponham os olhos nestes números e a viola no saco. Durante o ano de 2008, 400 professores reformados por mês é pouco? Ainda querem mais reformas? Quero ver agora o que irão dizer esses habituais arautos da desconfiança crónica. Como vêem, o Governo não promete apenas, cumpre efectivamente. Este número representa “apenas” o dobro do ano anterior. Que se calem os imobilistas que acham que nada muda. Conseguir que se reformem 400 professores por mês, muitos com penalizações por antecipação, é obra, e obra a sério. Mais uma vez, um grande bem-haja.”

O resto é história, a história da incompetência de boa parte das políticas públicas em educação.

O resultado está à vista. A minha questão não é apontar culpados ou “chover no molhado”. O que me preocupa é a seriedade e competência com que questões críticas na âmbito da educação são tratadas.

A persistente negação da realidade e o enjoativo “mantra” de que tudo está (quase) bem já se torna algo, ética e moralmente, pouco sério.

É mau  demais, como ainda há pouco escrevia.


segunda-feira, 4 de setembro de 2023

RESPIRÁVEL E IMPERMEÁVEL

 Como todos os dias em que é possível saio bem cedo para uma caminhada que a idade e o gosto solicitam e o corpo ainda permite, já não dá para a corrida.

Como tem chovido nos últimos dias saí equipado com uma daquelas peças de fibra que certamente com custos ambientais, que sendo praticamente impermeáveis se mantêm respiráveis e nos permitiram dispensar aqueles casacos mais clássicos em plástico que quando não metiam água da chuva por fora, nos deixavam encharcados por dentro promovendo um efeito de sauna.

Satisfeito com esta cómoda solução têxtil e embalado pelo passo lento, ia pensando nos dias que hoje atravessamos, sobretudo no regresso às aulas e na experiência complexa que os miúdos estão a viver por várias razões.

De repente, lembrei-me com seria interessante que se inventasse uma forma de proteger a vida dos miúdos das intempéries que alguns deles têm à volta e tornar a vida um pouco mais confortável. Poderia ser criado um dispositivo de protecção que fosse quase impermeável às agruras dos tempos maus, protegendo-os das mais pesadas pois também é preciso passar por algumas e que, ao mesmo tempo, fosse respirável, ou seja, não fosse um dispositivo que os mantivesse numa redoma estanque e os asfixiasse, mas sim algo que lhes permitisse continuar a respirar, a viver. Um dispositivo desta natureza seria um bem precioso.

Mas esta é uma ideia completamente disparatada, seguramente motivada pelas inúmeras vezes que acabei encharcado o meu exercício. como acontece com muitos miúdos.


domingo, 3 de setembro de 2023

A PRIMEIRA ÁGUA

 Este fim-de-semana teve início a rentrée cá em casa, sim, porque também passamos por uma "rentrée". A nossa é marcada pela chegada das primeiras chuvas, este ano já em Setembro, mas é a decisão do tempo.

E no Alentejo a primeira água foi brava, uma trovoada das antigas e prolongada, água de pedra e da grossa e uma chuva grada durante algum tempo. Confesso que dispensava a água de pedra, vamos ver o estrago que deixa.

A chuva faz libertar o perfume da terra e lembro-me sempre do Mestre Almada Negreiros na Invenção do Dia Claro, “Depois, o cheiro da terra molhada é que me faz de novo animar.”. É retemperador depois da secura e a terra já não está com a mesma cor.

A rentrée trazida pelas águas é mesmo a sério, começa outro ciclo, outra vida, outro verde, outra terra, outro frio lá mais para a frente.

Era bom que as rentrées de que todos falam assim acontecessem, com algo de novo. Lamentavelmente já começam velhas, velhas como os que nelas actuam, velhas como as promessas ou as falas que nelas se ouvem, velhas como a desconfiança e a indiferença que nos pesam e a desesperança que nos inquieta.

Com a chuva já mais branda e quase de noite ainda andei um bocado à chuva no monte.

É assim a minha rentrée.