sábado, 29 de outubro de 2022

OS PERCURSOS DE SUCESSO

 A Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência divulgou dois relatórios relativos ao percurso escolar no ensino secundário, “Situação após 3 anos dos alunos que ingressaram em cursos científico-humanísticos 2020/21” e “Situação após 3 anos dos alunos que ingressaram em cursos profissionais – 2020/21”. Os dados disponibilizados merecem leitura e reflexão.

Para a construção destes relatórios o ME utiliza o indicador de conclusão do ciclo no “tempo esperado”. Assim, em 20/21 76% dos alunos dos cursos científico-humanísticos concluíram o 12º sem retenções, o valor mais alto deste tipo de estudos e mais 7% que no ano anterior. No que respeita aos cursos profissionais também se verificou uma subida, 70% dos alunos concluíram estes cursos no tempo esperado, correspondendo também a um aumento de 5% face aos 65% verificado em 2020.

Sem surpresa, os alunos abrangidos pelos escalões A e B da Acção Social Escolar tiveram um desempenho inferior embora também tenham subido face ao ano anterior.

Também como seria de esperar e se tem verificado os alunos que antes do secundário passara por situações de retenção têm também uma taxa mais baixa de conclusão no “tempo esperado”.

Este conjunto de dados, apesar do número ainda elevado de alunos que não concluem o ciclo nos três anos, parecem revelar progresso o que, naturalmente, é positivo, mas … lá vem o maldito mas, tenho algumas dúvidas e preferia que assim não fosse.

Como tenho escrito, a transição será um indicador de sucesso, mas sugere alguma prudência conhecendo o nosso sistema educativo e a forma como, por vezes, é gerida a “passagem” de ano dos alunos. Precisamos de avaliação externa que tenha uma função reguladora que as actuais provas de aferição não cumprem. Uma avaliação externa de aferição teria de ser realizada no ano final de cada ciclo e não nos anos intermédios, 2º, 5º e 8º ano, em que os alunos estão a meio do seu caminho de um ciclo.

E é por aqui que as minhas dúvidas se acentuam. O IAVE divulgou em Maio os resultados das provas de aferição realizadas em 2021. Considerando o 3º ciclo, no 5.º e no 8.º ano a percentagem de alunos que respondeu sem dificuldades, variou, conforme os domínios em avaliação, entre 2,7% e 44,2%, sendo que na maioria dos domínios analisados ficou abaixo dos 20%.

Os indicadores das provas de aferição parecem pouco coerentes com os dados da conclusão no tempo esperado para cada ciclo, neste caso o secundário, pois perante o cenário do 3º ciclo parece difícil que a taxa de conclusão no secundário sem retenção seja de 76%. Sei que não se trata dos mesmos alunos mas a realidade não se altera de forma significativa em tão pouco tempo.

Colocando a questão de outra forma, podemos ler a transição de ano como sucesso na aprendizagem de competências e saberes ou definir o sucesso como “a passagem de ano”.

De facto, o que conhecemos através das provas de aferição não parece compatível com os indicadores de retenção e abandono. Acresce o facto deste grupo de alunos terem passado pela experiência dos confinamentos com o confirmado impacto nas aprendizagens.

Importa sublinhar com muita clareza que levantar esta questão não significa a defesa da retenção como ferramenta de sucesso e qualidade. Não é, sabemos que o “chumbo”, só por si, não gera sucesso e qualidade. Nenhuma dúvida sobre isto.

E volto a insistir. A qualidade promove-se, é certo e deve sublinhar-se, com a avaliação rigorosa e regular das aprendizagens e com regulação externa, sim, naturalmente, mas também com a avaliação justa e competente do trabalho dos professores e das escolas, com a definição de currículos adequados, com a estruturação de dispositivos de apoio a alunos e professores eficazes e suficientes, com a definição de políticas educativas que sustentem um quadro normativo simples e coerente e modelos adequados e reais de autonomia, organização e funcionamento desburocratizado das escolas, com a definição de objectivos de curto e médio prazo, etc.

É o que acontece, genericamente, nos países com mais baixas taxas de retenção escolar e que significam conhecimentos e competências adquiridas.

É o que ainda não conseguimos fazer acontecer de forma consistente, generalizada e sustentada em Portugal, apesar da imensidade de projectos, iniciativas, inovação, actividades que, demasiadas vezes chegam do exterior às escolas, podem ser interessantes … mas não são mágicos, por mais que num exercício de "wishful thinking" os queiramos entender e vender como tal.

Não vale a pena insistir.

3 comentários:

Rui Ferreira disse...

No entanto, será que maior escolaridade conduz necessariamente ao progresso económico? Há muito que os especialistas no domínio do desenvolvimento defendem que a expansão das matrículas escolares dotaria a geração seguinte do conhecimento e das capacidades que levariam ao reforço das economias dos seus países e a melhorias na qualidade de vida. Uma nova base de dados de aproveitamento dos alunos sugere, todavia, que o aumento de matrículas tem sido acompanhado, na maior parte do mundo, por um crescimento baixo ou nulo da aprendizagem.
https://www.iniciativaeducacao.org/pt/ed-on/artigos/cartografar-a-crise-global-de-aprendizagem

Zé Morgado disse...

Olá Rui. Trata-se de uma questão complexa, o trabalho que cita está em linha com o último relatório do Banco Mundial centrado na "pobreza educativa". A educação (espera-se) produz conhecimento que sustenta desenvolvimento e o grande desafio que se coloca é se conseguimos que a educação escolar produza, de facto, conhecimento. Os diferentes estudos, o que cita é um deles, mostram que apesar das diferenças entre países e regiões os sistemas escolares nem sempre conseguem de forma eficiente promover conhecimento de forma mais generalizada e que seja a ferramenta de promoção de equidade e, lá está, desenvolvimento. No entanto, apesar das dificuldades e olhando para as últimas décadas mantenho algum optimismo (também tenho netos em idade escolar o que me obriga a isso) embora dependa das opções em matéria de políticas públicas de educação e dos modelos de desenvolvimento que as comunidades assumam.

Rui Ferreira disse...

Os estudos apontam para aquilo que verifico na escola, muita escolaridade e pouca aprendizagem. Não alinho em irresponsabilidades para com os neófitos. É crime.