O início deste ano lectivo, para além da questão relativa à designada “recuperação das aprendizagens” dos efeitos do quadro pandémico que ainda estamos a viver continua também marcado pela falta de docentes sobretudo em alguns grupos disciplinares e também em algumas regiões.
A situação tem levado à necessidade de contratação de
profissionais que não possuem habilitação específica para a docência o que também não
é uma situação nova.
Importa recordar que em 2020 o ME estabeleceu a possibilidade de que professores
de Inglês, Francês, Alemão ou Espanhol possam dar aulas de Português no 3.º
ciclo e secundário desde que tenham feito um “estágio pedagógico” nesta área.
Também a disciplina de Inglês poderá ser assegurada por professores de
Português, Francês, Alemão e Espanhol e a de Geografia por professores de
História. Finalmente, a disciplina de TIC pode ser leccionada por qualquer
docente que tenha frequentado uma acção de formação nesta área. Esta situação está
agora a ser aproveitada.
Parece claro que a existência de muitos alunos sem aulas em
diferentes disciplinas é um problema sério e que exige resposta.
Parece também claro que a negligência incompetente com que a
questão do número de professores necessário ao sistema tem sido tratada contribui
para a situação criada. Os dados demográficos, a composição dos grupos
disciplinares e as necessidades das escolas constituem informação conhecida de
há muito sem que se tenham desencadeado medidas com alguma eficiência e em tempo oportuno.
Parece ainda claro que a narrativa dos professores a mais,
globalmente, não passava disso mesmo, uma narrativa.
Acresce que o modelo de carreira, a desvalorização da profissão docente entre outras variáveis serão contributivas para a actual situação que também se traduz numa menor capacidade de captação de novos professores, para além da alimentação da precariedade que vai contribuindo para que muitos professores vão tendo um conhecimento alargado do país.
Finalmente, parece claro que algumas opções seguidas levantam algumas inquietações em linha com o que aqui já tenho abordado a propósito de um risco emergente de “desprofissionalização” dos docentes. Esta “desprofissionalização” pode ir acontecendo através de medidas desta natureza, mas também através da timidez na promoção da autonomia das escolas associada aos efeitos da "municipalização” em curso ou projectos de intervenção nas escolas realizados em “outsourcing”.
Deve dizer-se que este movimento não é de agora e não
começou por cá. Tem vindo a fazer o seu caminho em diferentes sistemas emergiu
na década de 80 sob a designação de “deskilling” promovendo concepção
“empobrecida”, diria “embaratecida”do professor e da sua função. Nesta visão,
os docentes cumprem ordens e programas, não têm que fazer escolhas, possuir
conhecimento aprofundado, solidez nas metodologias, valores éticos e morais,
etc. Seria suficiente uns burocratas, agora mais burocratas digitais a
papaguear, fabricar, aulas para grupos de alunos "normalizados".
Os professores serão basicamente “entregadores de
conteúdos”, (content delivers na formulação original), outros burocratas a
medir saberes ou a desvalorização da avaliação interna e externa e uns outros
ainda a construir fórmulas de gestão em modelo “digito-burocrata) num qualquer
serviço centralizado ou com um modelo que apesar de “descentralizado” não
atribui, de facto, autonomia robusta às escolas cujo modelo de governação é
parte desta equação.
Definitivamente, este não pode ser o caminho. A
“desprofissionalização” pode tornar os professores mais “baratos”, mas o nosso
futuro será mais caro por pior qualidade, um professor de … é muito mais que um
técnico de …
Todas as necessárias mudanças na educação só podem ocorrer e
ser bem-sucedidas com o envolvimento e valorização dos professores, das suas
competências, mas também, naturalmente, com a sua avaliação justa, transparente
e competente.
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