No DN encontra-se um texto de
Rute Agulhas, “Já viram a agenda das nossas crianças?” chamando a atenção para
o volume de horas de actividade em que muitas crianças se envolvem
Já muitas vezes aqui tenho
abordado esta questão referindo-me às crianças-agenda, as crianças, demasiadas
crianças que têm um dia muito comprido e carregado de actividades. Também em
intervenções com grupo de pais e na comunicação social tenho reflectido sobre esta
matéria que julgo necessitar de ponderação como sugere Rute Agulhas.
Com o retorno a alguma
normalidade da vida quotidiana e considerando as características dos estilos de vida de
muitas famílias volta também uma questão que de há uns anos se faz sentir, a guarda das crianças nos períodos laborais.
Reconhecendo que é um problema sério, também entendo que não pode, não deve, ser resolvido prolongando até ao “infinito” a estadia dos alunos na escola, com base no equívoco de confundir “Escola a Tempo Inteiro” com “Educação a Tempo Inteiro”. A “overdose” é sempre algo de pouco saudável.
Creio que nem toda a gente tem
consciência de que, de acordo com a lei e considerando as necessidades das famíilias, uma criança, por exemplo do 1º ciclo, pode
chegar a 50 horas por semana na escola, considerando horário curricular,
AEC, ATL e Componente de Apoio à Família. Aliás, no que respeita aos tempos
escolares já sabíamos, como referi acima, que os alunos portugueses, sobretudo
no início da escolaridade, têm umas das mais elevadas cargas horárias conforme
relatórios da Rede Eurydice ou da OCDE.
Esta overdose de estadia institucional
na escola, com o tempo muitas vezes preenchido com actividades de duvidosa
qualidade apesar de também existirem muito boas práticas, não pode deixar de
ter algum impacto na relação que os miúdos estabelecem com a escola e com as
actividades da escola.
Por outro lado, muitos pais
recorrem ao envolvimento dos filhos em múltiplas actividades transformando-as
numa espécie de crianças-agenda. Todas estas actividades, a oferta é
variadíssima, são percebidas como imprescindíveis à excelência, os miúdos devem
ser educados para ser excelentes. Promovem níveis fantásticos de
desenvolvimento intelectual e da linguagem, desenvolvimento motor, maturidade
emocional, criatividade, interacção social, autonomia e certamente de mais
alguns aspectos que agora não recordo. Assim, as crianças e adolescentes estão
sempre envolvidos em qualquer actividade, a quase todas as horas pois delas se
espera não menos que a excelência.
Nada disto belisca a importância
que, de facto, podem ter algumas actividades, mas apenas sublinhar alguns
riscos no excesso e que poderiam, aqui sim com apoios das autarquias e
potenciando equipamentos e recursos comunitários proporcionar experiências menos
pesadas às crianças.
Os pais, alguns pais, sobretudo
como melhor estatuto económico, seduzidos pela sofisticação desta oferta,
pressionados por estilos de vida que não conseguem ou podem ajustar e com a
culpa que carregam pela falta de tempo para os filhos e sem vislumbrar
alternativas aceitam que os trabalhos dos miúdos se desenvolvam para além do
que seria desejável, eu diria saudável.
Vamos ter que repensar os
trabalhos dos miúdos, de muitos miúdos. O consumo excessivo, mesmo de
actividades fantásticas ou de actividades escolares, tem riscos.
Recordo que em 2018 a Academia
Americana de Pediatria recomendou aos pediatras que na sua prática clínica
prescrevam “tempo para brincar”, um bem de primeira necessidade para o
bem-estar dos mais novos com impacto em diferentes dimensões.
Insistem e insisto que não se
trata de uma ideia “frívola” e os actuais estilos de vida de muitas famílias,
por diferentes razões, tornam ainda mais importante que se reafirme a
importância de brincar.
Mais uma vez, brincar é a
actividade mais séria que os miúdos realizam, em que põem tudo o que são, sendo
ainda a base de tudo o que virão a ser e a saber.
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