Na imprensa foi divulgada a aprovação em Conselho de Ministros da versão preliminar da Estratégia Nacional de Combate à Pobreza 2021-2030 que entrará em discussão pública.
Entre as iniciativas ou medidas previstas que teremos oportunidade
de abordar encontra-se a proposta de alargamento da escolaridade obrigatória
para quinze anos iniciando-se aos três anos.
O objectivo será que através da frequência universal da
educação pré-escolar se combatam desigualdades que afectam as crianças e
dificultam o seu trajecto de desenvolvimento e educação de forma bem-sucedida.
Embora compreenda a necessidade e a importância da educação no
combate às desigualdades, nenhuma dúvida sobre isso, a obrigatoriedade da
frequência a partir dos três anos merece alguma reflexão. Algumas notas considerando
o pressuposto de que garantir o acesso universal à educação pré-escolar, que
ainda não existe e é imprescindível, não é o mesmo que tornar a escolaridade
obrigatória a partir dos 3 anos.
Em 2020 foi divulgado um relatório da rede Eurydice, “Key
Data on Early Childhood Education and Care in Europe 2019” com alguns dados
interessantes.
A garantia do acesso à educação pré-escolar em Portugal é
aos 3,5 anos, uma posição intermédia no contexto europeu. No entanto, a
escolaridade obrigatória inicia-se aos seis anos tal como na maioria dos países europeus.
Parece ainda verificar-se uma procura maior que a oferta
embora aos 4 anos já estejamos perto do objectivo de 95% das crianças de quatro
ou mais anos a frequentar educação pré-escolar, em 2020 tínhamos 94.2%, mas se
englobarmos as crianças com 3 anos a percentagem seria 90.9%. Sabe-se que foi definido
como objectivo das políticas públicas de educação a garantia do acesso
universal das crianças de 3 anos em 2020 ainda que o processo esteja a decorrer
com algumas dificuldades dada a inexistência de respostas suficientes para a
procura designadamente em áreas geográficas de demografia mais densa. Aliás, ainda
recentemente foi anunciada a criação de lugares para creches e jardim-de-infância.
No que respeita à creche, com dados de 2017, temos 47.5% das
crianças em estruturas de acesso a esta resposta. A dificuldade de encontrar
respostas e os custos elevados do acesso aos equipamentos, boa parte privada ou
da rede social, dos mais altos no contexto europeu, veja-se o relatório
"Starting Strong 2017", divulgado pela OCDE que já aqui citei, é
reconhecidamente um dos factores associados à baixa natalidade e que, aliás, o
relatório sublinha.
É recorrente também a divulgação de informação referindo a
existência de muitas crianças em lista de espera de creches e
jardins-de-infância no chamado sector social em que as mensalidades são
indexadas aos rendimentos familiares. Esta situação afecta sobretudo zonas mais
urbanas e a alternativa da resposta privada é inacessível para muitas famílias.
Também é reconhecido por múltiplas análises o impacto positivo do acesso de
respostas educativas de qualidade em creche e jardim-de-infância.
Aliás, recordo que a partir de 2019 em França a escolaridade
obrigatória em França começou a iniciar-se aos 3 anos. Na altura, em França
estimava-se que 97% das crianças de 3 anos frequentem a “escola maternal” sendo
que a maioria das que não frequentam vivem em agregados familiares com menores
recursos económicos. É justamente esta situação que a medida de obrigatoriedade
visa combater alicerçando os percursos educativos numa base de maior equidade.
Sabe-se que o processo tem decorrido com algumas
dificuldades dada a inexistência de respostas suficientes para a procura
designadamente em áreas geográficas de demografia mais densa.
Como tenho afirmado, não tenho certezas sobre a
obrigatoriedade da frequência, mas tenho a maior convicção no sentido de que
garantir a universalidade do acesso à educação pré-escolar aos três anos e
criar respostas de qualidade, acessíveis, logística e economicamente, às
famílias para as crianças dos zero aos três anos é imprescindível e urgente.
Acentuo também a ideia de que este período, até aos três anos, deveria também
estar sob tutela do Ministério da Educação e não da Segurança Social pois o
acolhimento das crianças deve estar abrangido por um forte princípio de
intencionalidade educativa e integrada nas políticas públicas de educação.
Sabemos todos como o desenvolvimento e crescimento
equilibrado e positivo dos miúdos é fortemente influenciado pela qualidade das
experiências educativas nos primeiros anos de vida, de pequenino é que ...
Assim, existem áreas na vida das pessoas que exigem uma
resposta e uma atenção que sendo insuficiente ou não existindo, se tornam uma
ameaça muito séria ao futuro, a educação de qualidade para os mais pequenos é
uma delas.
No entanto e mais uma vez, a educação pré-escolar é bastante
mais que a “preparação” para a escola, não deve ser entendida como uma etapa
na qual os meninos se preparam para entrar na escola embora se saiba do impacto
positivo que assume no seu trajecto escolar.
Na verdade, as crianças estão a preparar-se para o que será a sua vida, para crescer, para ser. A educação pré-escolar num tempo em que as crianças estão menos tempo com as famílias tem um papel fundamental no seu desenvolvimento global, em todas as áreas do seu funcionamento e na aquisição de competências e promoção de capacidades que tem um valor por si só e não entendido como uma etapa preparatória para uma parte da vida futura dos miúdos, a vida escola.
Este período, a educação pré-escolar, educação de infância numa formulação mais alargada, cumprido com qualidade e acessível a todas as crianças, será, de facto, um excelente começo da formação institucional das pessoas, dos cidadãos. Esta formação é global e essencial para tudo o que virão a ser, a saber e a fazer no resto da sua vida.
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