segunda-feira, 4 de outubro de 2021

ACESSO UNIVERSAL OU ALARGAMENTO DA ESCOLARIDADE OBRIGATÓRIA?

 Na imprensa foi divulgada a aprovação em Conselho de Ministros da versão preliminar da Estratégia Nacional de Combate à Pobreza 2021-2030 que entrará em discussão pública.

Entre as iniciativas ou medidas previstas que teremos oportunidade de abordar encontra-se a proposta de alargamento da escolaridade obrigatória para quinze anos iniciando-se aos três anos.

O objectivo será que através da frequência universal da educação pré-escolar se combatam desigualdades que afectam as crianças e dificultam o seu trajecto de desenvolvimento e educação de forma bem-sucedida.

Embora compreenda a necessidade e a importância da educação no combate às desigualdades, nenhuma dúvida sobre isso, a obrigatoriedade da frequência a partir dos três anos merece alguma reflexão. Algumas notas considerando o pressuposto de que garantir o acesso universal à educação pré-escolar, que ainda não existe e é imprescindível, não é o mesmo que tornar a escolaridade obrigatória a partir dos 3 anos.

Em 2020 foi divulgado um relatório da rede Eurydice, “Key Data on Early Childhood Education and Care in Europe 2019” com alguns dados interessantes.

A garantia do acesso à educação pré-escolar em Portugal é aos 3,5 anos, uma posição intermédia no contexto europeu. No entanto, a escolaridade obrigatória inicia-se aos seis anos tal como na maioria dos países europeus.

Parece ainda verificar-se uma procura maior que a oferta embora aos 4 anos já estejamos perto do objectivo de 95% das crianças de quatro ou mais anos a frequentar educação pré-escolar, em 2020 tínhamos 94.2%, mas se englobarmos as crianças com 3 anos a percentagem seria 90.9%. Sabe-se que foi definido como objectivo das políticas públicas de educação a garantia do acesso universal das crianças de 3 anos em 2020 ainda que o processo esteja a decorrer com algumas dificuldades dada a inexistência de respostas suficientes para a procura designadamente em áreas geográficas de demografia mais densa. Aliás, ainda recentemente foi anunciada a criação de lugares para creches e jardim-de-infância.

No que respeita à creche, com dados de 2017, temos 47.5% das crianças em estruturas de acesso a esta resposta. A dificuldade de encontrar respostas e os custos elevados do acesso aos equipamentos, boa parte privada ou da rede social, dos mais altos no contexto europeu, veja-se o relatório "Starting Strong 2017", divulgado pela OCDE que já aqui citei, é reconhecidamente um dos factores associados à baixa natalidade e que, aliás, o relatório sublinha.

É recorrente também a divulgação de informação referindo a existência de muitas crianças em lista de espera de creches e jardins-de-infância no chamado sector social em que as mensalidades são indexadas aos rendimentos familiares. Esta situação afecta sobretudo zonas mais urbanas e a alternativa da resposta privada é inacessível para muitas famílias. Também é reconhecido por múltiplas análises o impacto positivo do acesso de respostas educativas de qualidade em creche e jardim-de-infância.

Aliás, recordo que a partir de 2019 em França a escolaridade obrigatória em França começou a iniciar-se aos 3 anos. Na altura, em França estimava-se que 97% das crianças de 3 anos frequentem a “escola maternal” sendo que a maioria das que não frequentam vivem em agregados familiares com menores recursos económicos. É justamente esta situação que a medida de obrigatoriedade visa combater alicerçando os percursos educativos numa base de maior equidade.

Sabe-se que o processo tem decorrido com algumas dificuldades dada a inexistência de respostas suficientes para a procura designadamente em áreas geográficas de demografia mais densa.

Como tenho afirmado, não tenho certezas sobre a obrigatoriedade da frequência, mas tenho a maior convicção no sentido de que garantir a universalidade do acesso à educação pré-escolar aos três anos e criar respostas de qualidade, acessíveis, logística e economicamente, às famílias para as crianças dos zero aos três anos é imprescindível e urgente. Acentuo também a ideia de que este período, até aos três anos, deveria também estar sob tutela do Ministério da Educação e não da Segurança Social pois o acolhimento das crianças deve estar abrangido por um forte princípio de intencionalidade educativa e integrada nas políticas públicas de educação.

Sabemos todos como o desenvolvimento e crescimento equilibrado e positivo dos miúdos é fortemente influenciado pela qualidade das experiências educativas nos primeiros anos de vida, de pequenino é que ...

Assim, existem áreas na vida das pessoas que exigem uma resposta e uma atenção que sendo insuficiente ou não existindo, se tornam uma ameaça muito séria ao futuro, a educação de qualidade para os mais pequenos é uma delas.

No entanto e mais uma vez, a educação pré-escolar é bastante mais que a “preparação” para a escola, não deve ser entendida como uma etapa na qual os meninos se preparam para entrar na escola embora se saiba do impacto positivo que assume no seu trajecto escolar.

Na verdade, as crianças estão a preparar-se para o que será a sua vida, para crescer, para ser. A educação pré-escolar num tempo em que as crianças estão menos tempo com as famílias tem um papel fundamental no seu desenvolvimento global, em todas as áreas do seu funcionamento e na aquisição de competências e promoção de capacidades que tem um valor por si só e não entendido como uma etapa preparatória para uma parte da vida futura dos miúdos, a vida escola.

Este período, a educação pré-escolar, educação de infância numa formulação mais alargada, cumprido com qualidade e acessível a todas as crianças, será, de facto, um excelente começo da formação  institucional das pessoas, dos cidadãos. Esta formação é global e essencial para tudo o que virão a ser, a saber e a fazer no resto da sua vida.

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