Devo dizer que foi com alguma perplexidade que li o anúncio pela Ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública, Alexandra Leitão, da criação de uma residência universitária para filhos de funcionários da administração pública.
Do meu ponto de vista, o facto das
instalações a utilizar serem públicas ou se há cobertura legal para esta medida
será irrelevante. Parece-me claramente uma medida que potencialmente não
promove equidade e é discriminatória.
Não está em causa a necessidade
de apoio de muitas famílias que incluem funcionários da administração pública,
mas talvez seja de recordar que, de acordo com os indicadores, o grupo dos
funcionários da administração foi dos menos afectados com a perda de
rendimentos que a pandemia implicou para muitos milhares de famílias e que quem
conhece o ensino superior sabe como isso afectou milhares de alunos.
Permitam que recupere alguns
dados. Em 2018 foi divulgado um estudo, “O Custo dos Estudantes no Ensino
Superior Português” da responsabilidade do Instituto de Educação da U. de
Lisboa, relativo ao ano lectivo de 2015/2016 mostra que cada estudante
universitário gastou em média 6445€ em despesas como propinas, material
escolar, alojamento ou alimentação. Os alunos de instituições universitárias
privadas têm uma despesa perto dos 10000€ e nos politécnicos privados o custo
será de 8296€. De facto, sendo a qualificação superior um bem de primeira
necessidade para os cidadãos e para o país, é um bem muito caro, demasiado caro
para muitas famílias e indivíduos.
Também dados de um trabalho conhecido
em 2018 realizado pelo Projecto Eurostudent “Social and Economic Conditions
of Student Life in Europe” mostra um extenso quadro das condições de
frequência do ensino superior em muitos países da Europa com base em dados de
2016 a 2018.
Da imensidade de dados
disponíveis releva que Portugal é o quarto país em que as famílias assumem
maior fatia dos gastos com a frequência do ensino superior. Verifica-se ainda
uma forte associação entre a frequência do ensino superior e nível de escolarização
e estatuto económico das famílias.
São conhecidas as dificuldades de
promoção de mobilidade social que o sistema educativo português, e não só,
atravessa registando ainda níveis baixos de qualificação e perto de 160 000
jovens que não estudam nem trabalham.
Por outro lado, talvez seja de
recordar no que respeita aos custos de frequência do ensino superior que muitos
jovens portugueses têm emigrado para realizar os seus estudos superiores em
países em que as propinas são mais baratas que em Portugal, não existem de todo
ou são financiadas, casos da Dinamarca, Reino Unido ou o Canadá e a Austrália
fora da Europa.
Recordo que também em 2014 um
estudo patrocinado pela Comissão Europeia em oito países da Europa revelava,
sem surpresa, que Portugal apresenta uma das mais altas percentagens, 38%, de
jovens que gostava de prosseguir estudos, mas não tem meios para os pagar.
De acordo com o Relatório da
OCDE, “Education at a Glance 2015”, os custos da frequência de ensino
superior em Portugal suportados pelo universo privado, sobretudo as famílias,
era o mais alto da União Europeia, 45.7%.
Segundo o relatório "Sistemas
Nacionais de Propinas e Sistemas de Apoio no Ensino Superior 2015-16",
da rede Eurydice da União Europeia apenas Portugal e a Holanda cobram propinas
a todos os alunos do ensino superior, sendo também Portugal um dos países com
valores de propina mais altos. Já em 2011/2012 dados também da rede Eurydice
mostravam que Portugal tinha o 10º valor mais alto de propinas na Europa, mas se
se considerassem as excepções criadas em cada país, tem efectivamente o
terceiro valor mais alto de propinas.
Recordo que no início de 2014 um
estudo patrocinado pela Comissão Europeia em oito países da Europa revelava,
sem surpresa, que Portugal apresenta uma das mais altas percentagens, 38%, de
jovens que gostava de prosseguir estudos, mas não tem meios para os pagar.
Apesar de um abaixamento do valor
as propinas no ensino público. As dificuldades sentidas por muitos estudantes
do ensino superior e respectivas famílias, quer no sistema público, quer no
sistema privado com valores mais altos de propinas, são, do meu ponto de vista,
consideradas frequentemente de forma ligeira ou mesmo desvalorizadas. Tal
entendimento parece assentar na ideia de que a formação de nível superior é um
luxo, um bem supérfluo pelo que ... quem não tem dinheiro não tem vícios.
A qualificação é a melhor forma de promover desenvolvimento e cidadania de qualidade pelo que apesar de ser um bem caro é imprescindível.
Neste contexto menos encontro alguma explicação plausível para a decisão anunciada pela Ministra Alexandra Leitão.