Um trabalho realizado pela equipa
do Plano Nacional de Leitura e o Centro de Investigação e Estudos de Sociologia
do ISCTE, “Práticas de Leitura dos Estudantes dos Ensinos Básico e Secundário” mostra
dados preocupantes mas que não surpreendem, antes solicitam reflexão e acção.
Aliás, mas preocupantes se tornam pois comparando com estudo semelhante
realizado em 2007 os dados recolhidos em 2019 sugerem um retorcesso significativo.
O estudo envolveu 7469 alunos de
97 escolas e os indicadores agora divulgados respeitam ao 3º ciclo e ao
secundário. Alguns dados.
De 2007 para 2019 a proporção de
alunos que afirma ter menos de 20 livros em casa subiu de 14.5% para 27.3%.
A resposta “nunca ou raramente” “ver
familiares a ler”, revelou 31.% em 2019 face a 15.3% e “ouvir familiares a
falarem do que lêem” (de 33,6% para 50,5%).
Particularmente relevante é que 17,4%
dos alunos do ensino básico e 26,2% do secundário assume no último ano antes do
inquérito não leu “nenhum livro por prazer”. Em 2007 os valores eram 12,5% e
11,35.
Em primeiro lugar importa considerar
na reflexão a transição do tempo usado por crianças e jovens nos dispositivos
digitais nos quais também não sendo relevante a leitura de livros é
significativo o tempo de utilização. No entanto e apesar desta fortíssima concorrência importa tentar reverter a situação.
Muitas vezes aqui tenho escrito sobre
algo de indiscutível, a importância dos livros e dos hábitos de leitura na vida
de crianças e adultos pelo que repesco umas notas recentes.
Marguerite Yourcenar em “As
Memórias de Adriano” escrevia “A palavra escrita ensinou-me a escutar a voz
humana.”
São múltiplos os estudos que
sublinham o impacto dos livros e da leitura no trajecto escolar e no trajecto
pessoal, como também são muitos trabalhos que mostram que os hábitos de leitura
são pouco consistentes entre as crianças, adolescentes e jovens como, sem
surpresa, também o são entre a população em geral como, aliás, este trabalho evidencia.
Os livros têm uma concorrência
fortíssima com outro tipo de materiais, jogos ou consolas por exemplo, e que
nem sempre é fácil levar as crianças, jovens ou adultos a outras opções,
designadamente aos livros.
Apesar de tudo isto também
sabemos todos que é possível fazer diferente, mesmo que pouco diferente e com
mudanças lentas.
Como várias vezes tenho afirmado
e julgo consensual, a questão central, embora importante, não assenta nos
livros, bibliotecas (escolares ou de outra natureza) ou na presença crescente e
atractiva dos "tablets", a questão central é o leitor, ou seja, o
essencial é criar leitores que, quando o forem, procurarão o que ler, livros
por exemplo, espaços ou recursos, biblioteca, casa ou escola e suportes
diferente, papel ou digital.
Um leitor constrói-se desde o
início do processo educativo, ainda antes do começo da escolaridade. Desde logo assume especial importância o ambiente
de literacia familiar e o envolvimento das famílias neste tipo de situações,
através de actividades que desde a educação pré-escolar e 1º ciclo deveriam,
muitas vezes são, estimuladas e para as quais poderiam ser disponibilizadas aos
pais algumas orientações.
Apesar dos esforços de muitos
docentes, a relação de muitas crianças, adolescentes e jovens com os materiais
de leitura e escrita assentará, provavelmente de forma excessiva, nos manuais
ou na realização de trabalhos através da milagrosa “net” proliferando o
apressado “copy, paste” ou resumos de leituras necessárias.
Neste contexto, embora desejasse
muito estar enganado, não é fácil construir miúdos ou adolescentes leitores que
procurem livros em casa, em bibliotecas escolares ou outras e que usem o
"tablet" também para ler e não apenas para uma outra qualquer
actividade do mundo que tornam acessível. No entanto, felizmente, realizam-se
com regularidade experiências muito interessantes em contextos escolares, em
iniciativas autárquicas ou conjuntas.
Temos que criar leitores, eles
irão à procura dos livros.
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