A nossa vida está agora submersa
numa preocupação gigantesca e de diferentes dimensões de que dificilmente nos
alheamos, mesmo que brevemente. No entanto, parece-me também importante que não
esqueçamos outras questões.
Segundo o trabalho “Adolescent Dating Violence: Outcomes, Challenges and Digital Tools" de Ricardo Barroso do Grupo
de Investigação em Sexualidade Humana do Centro de Psicologia da Universidade
do Porto e de outros colegas, numa população inquirida de 7139 adolescentes e
jovens dos 11 aos 21 anos, rapazes e raparigas, 32.9% já tinha agredido o
namorado ou namorada pelo menos uma vez no último ano.
A violência física é o
comportamento de agressão física é o mais frequente, registando-se também a
agressão psicológica e sexual, neste caso tendo os rapazes um comportamento significativamente
mais elevado que as raparigas.
Os dados são impressionantes mas,
lamentavelmente, não surpreendem.
Acrescento um outro grupo de
dados relativos ao estudo sobre a Violência no Namoro 2019, que a União de
Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR) tem vindo a realizar nos últimos anos
tendo como participantes jovens.
O número de jovens, que namoram
ou já namoraram que refere ter sofrido pelo menos uma forma de violência por
parte do parceiro(a) é de 58% sendo que em 2018 era de 56%. Um dado ainda mais
inquietante é manutenção de taxa dramaticamente elevada de jovens que que
entendem estas práticas como “normais”, 67% no inquérito deste ano e 68,5% no
estudo anterior.
Os comportamentos considerados
envolvem difamação, o recurso às redes sociais para chantagear o outro, o
hábito de intromissão no telemóvel ou nos bolsos, as agressões físicas e a
coacção para práticas sexuais não desejadas, etc.
Um outro trabalho também promovido
pela Associação Plano i, “Violência no Namoro em Contexto Universitário:
Crenças e Práticas”, envolvendo apenas jovens e jovens adultos com frequência
ou formação universitária” confirma os indicadores do trabalho desenvolvido
pela UMAR, 54,7% dos jovens em Portugal já sofreram pelo menos um acto de
violência no namoro. Sublinho que estamos a falar de estudantes universitários
o que torna tudo ainda mais preocupante.
O que ainda me parece mais
inquietante é a manutenção sem grandes alterações destes indicadores ao longo
dos anos o que talvez ajuda a perceber como a violência doméstica parece
indomesticável.
Os dados convergem no indiciar do
que está por fazer em matéria de valores e comportamentos sociais. Acresce que
como referi e sabemos, boa parte das situações de abuso não são objecto de
queixa.
Este conjunto de dados é muito preocupante,
gostar não é compatível com maltratar. Os dados sobre violência doméstica em
adultos que permanece indomesticável deixam perceber a existência de um
trajecto pessoal anterior que suporta os dados destes e de outros trabalhos
sobre violência no namoro e que se mantêm inquietantes. Aliás, nos últimos anos
a maioria das queixas de violência doméstica registadas pela APAV foram de
mulheres jovens embora seja um drama presente em todas as idades.
Os sistemas de valores pessoais
alteram-se a um ritmo bem mais lento do que desejamos e estão, também e
obviamente, ligados aos valores sociais presentes em cada época. De facto, e
reportando-nos apenas aos dados mais gerais, é criticamente relevante a
percentagem de jovens, incluindo estudantes universitários, que afirmam um
entendimento de normalidade face a diferentes comportamentos que evidentemente
significam relações de abuso e maus-tratos.
Como todos os comportamentos
fortemente ligados à camada mais funda do nosso sistema de valores, crenças e
convicções, os nossos padrões sobre o que devem ser as relações interpessoais,
mesmo as de natureza mais íntima, são de mudança demorada. Esta circunstância,
torna ainda mais necessária a existência de dispositivos ao nível da formação e
educação de crianças e jovens; de uma abordagem séria persistente nos meios de
comunicação social; de um enquadramento jurídico dos comportamentos e limites
numa perspectiva preventiva e punitiva e, finalmente, de dispositivos eficazes
de protecção e apoio a eventuais vítimas.
Só uma aposta muito forte na
educação, escolar e familiar, pode promover mudanças sustentadas nesta matéria,
a violência nas relações amorosas. É uma aposta que urge e tão importante como
os conhecimentos curriculares. Percebe-se também por estas questões a importância
de abordagem do universo da “Cidadania e Desenvolvimento” nas escolas e para
todos os alunos.
Entretanto e enquanto não muda,
"só faço isto, porque gosto de ti, acreditas não acreditas?"
Apesar da natureza e gravidade
fora do comum dos dias que vivemos e para os quais não estávamos preparados, talvez
seja de não esquecer questões como estas que devastam o quotidiano de muita
gente.
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