Continuam na ordem do dia os
episódios de agressão a médicos e outros profissionais da área da saúde. Segundo
um trabalho divulgado há dias no JN no primeiro trimestre de 2020 foram
registadas cerca de 500 agressões, de diferente natureza incluindo física, nos serviços de saúde públicos e privados. Trata-se
de um valor semelhante ao que se registou em 2017 e metade do número de casos
registados em 2019.
Trata-se de um indicador verdadeiramente preocupante e tanto mais se considerarmos a frequência com outras classes,
professores e agentes de autoridade, po exemplo, são também alvo de comportamentos
agressivos com tipologia variada e alguns de significativa gravidade.
As dificuldades genéricas das
pessoas, os contextos funcionais e a qualidade percebida ou sentida na resposta
dos serviços estarão associadas aos comportamentos. No entanto, sem minimizar
estas variáveis, designadamente no que respeita aos serviços de saúde,
parece-me também pertinente reflectir numa outra perspectiva.
Na análise a esta questão e de
uma forma necessariamente breve, creio que vale a pena considerar dois aspectos
que julgo essenciais, a mudança na percepção social de autoridade e de traços
de autoridade e o sentimento de impunidade, que me parecem fortemente ligados a
estes fenómenos.
Uma observação minimamente atenta
às mudanças sociais, culturais e económicas nas últimas décadas, permite,
creio, constatar como tem vindo a mudar significativamente a percepção social
do que poderemos chamar de traços de autoridade.
Os médicos e enfermeiros, entre
outras profissões, mas também professores ou polícias por exemplo, eram
percebidos, só pela sua condição profissional, como fontes de autoridade, como
também os velhos, curiosamente. Tal processo alterou-se, a profissão ou a idade
já não conferem “autoridade” que regule a relação e iniba a utilização de
comportamentos de agressão. Dito de outra maneira, a identificação como médico
ou enfermeiro, através da "bata", polícia com a "farda" ou
professor com o "peso social" da função e da escola, ou os “cabelos
brancos” da idade, já não são, por si sós, reguladores dos comportamentos.
Estas mudanças implicam uma reflexão profunda, pois sendo um fenómeno ainda
"novo", não poderemos recorrer unicamente às soluções
"velhas".
Quero sublinhar que este entendimento
não tem rigorosamente a ver com a ideia do "respeitinho" ou do medo e
muito menos com dar cobertura a "autoritarismo" e abusos de poder de
quem quer que seja sobre quem quer que seja.
O segundo aspecto que me parece
de considerar remete para um ambíguo e abrangente sentimento instalado em
Portugal de que não acontece nada, faça-se o que se fizer. Este sentimento que
atravessa toda a nossa sociedade e camadas sociais é devastador do ponto de
vista de regulação dos comportamentos, ou seja, podemos fazer qualquer coisa
porque não acontece nada, a “grandes” e a “pequenos”, mas sobretudo a
"grandes", o que aumenta a percepção de impunidade dos “pequenos”
Considerando este quadro, parece
importante um trabalho no âmbito da formação cívica no sistema educativo,
dispositivos e recursos de apoio e na formação de profissionais para a gestão e
prevenção de situações de conflito, bem como um discurso político e social
consistente de valorização da autoridade, não do autoritarismo.
Também por razões desta natureza e dado o clima de agressividade crispação que se vive nas relações interpessoais, presenciais ou virtuais, me
parece perfeitamente justificada a existência de uma abordagem escolar para
todos os alunos e de acordo com a idade de questões relativas a cidadania e
desenvolvimento.
Sabemos, que contrariamente ao “autoritarismo”,
a autoridade não é atribuída ou devolvida por decreto. A autoridade assenta em
competência, valorização, respeito, maturidade cívica, solidez ética, etc.
Por outro lado, finalmente, é
ainda fundamental que se agilizem e sejam divulgados processos de punição e
responsabilização séria dos casos verificados o que contribuirá para combater a
percepção de impunidade.
Como em múltiplas áreas do nosso
funcionamento em comunidade e do desenvolvimento pessoal, pela educação é que
vamos.
Sem comentários:
Enviar um comentário