Com a mudança de posição do PS que se juntou ao PSD, foi aprovada no Parlamento uma proposta no sentido de que “Quando
corresponder ao superior interesse da criança e ponderadas todas as
circunstâncias relevantes, o tribunal pode determinar a residência alternada do
filho com ambos os progenitores, independentemente de mútuo acordo nesse
sentido e sem prejuízo da fixação de alimentos”. O Tribunal passa a ter como
opção a determinação de residência alternada se assim o entender, mas não como a medida a considerar em primeiro lugar como algumas propostas assumiam.
Para contextualizar estas notas,
uma pequena introdução.
Em 2018 a Associação Portuguesa
para a Igualdade Parental e Direitos dos Filhos lançou uma petição no sentido
de que se defina como princípio a residência alternada para as crianças de pais
e mães após separação ou divórcio. Realizou também um inquérito cujos
resultados sugerem que 68,6% dos portugueses com filhos defenderá que as
crianças devem ficar com os dois progenitores, alternadamente, após a separação
de um casal, 30,6% considera que devem ficar com a mãe e 0,8% com o pai. De uma
forma mais fina, considerando inquiridos casados ou separados, nas duas
situações a residência alternada é maioritária, 78% para os casais e 59% para
quem não vive em casal ou é separado e, por géneros, 79% dos homens e 61% das
mulheres inquiridas defendem esta opção.
Na sequência da petição foram
apresentados no Parlamento cinco projectos lei que apesar de algumas diferenças
visam incluir na legislação a figura residência alternada. Esta figura poderia mesmo
ser definida como regime preferencial a adoptar embora aos juízes caiba sempre
a decisão que melhor defenda o superior interesse da criança.
É de não esquecer que residência
alternada não é o mesmo que guarda partilhada, em residência alternada, existe
um exercício conjunto das responsabilidades parentais e uma situação de
convívio da criança com ambos os pais em tempos equilibrados, dito de outra
forma, a criança vive “com os dois”.
A petição apresentada defende que
seja este o princípio a adoptar.
Entretanto, foi divulgada uma carta aberta contra esta
ideia, subscrita por 23 associações que entendem que o estabelecimento do
princípio da residência partilhada poderá levar a um aumento de
conflitualidade. Há algum tempo também a Ordem dos Advogados expressa parecer
negativo com base no risco que entende existir de aumento de conflitualidade.
Do que conheço, quer da argumentação,
quer do que se passa em muitas situações de separação não entendo muito bem
estas posições contrárias. A ideia não é “obrigar” à residência alternada, mas
tê-la como primeira opção.
Também creio que em caso de
separação dos pais a melhor situação para a(s) criança(s) é a residência
alternada, ou seja, passar tanto quanto possível tempo semelhante com o pai e
com a mãe.
Esta decisão, a não ser em
situações particulares que devem ser consideradas e valorizadas em Tribunal
como negligência, abuso ou violência doméstica ou manifesta incapacidade de um
dos progenitores parece ser a que melhor defende o bem-estar e o sempre
afirmado superior interesse da criança.
Em 2015 o Conselho da Europa
solicitou aos estados-membros que inscrevessem o princípio da residência
alternada nos seus quadros jurídicos pois “Separar um pai/mãe do seu filho tem
efeitos irremediáveis na sua relação. Esta separação só deve ser ordenada por
um tribunal em circunstâncias excepcionais.” Neste sentido é importante
registar que foi ontem conhecida uma deliberação do Conselho Superior da
Magistratura dirigida ao presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais da
Assembleia da República, segundo a qual é de prever legalmente, "salvo
motivos ponderosos", que "a residência dos filhos de pais separados
deve ser com ambos os progenitores, de forma alternada e com possível adequação
ao caso concreto".
Em Portugal são altamente
maioritárias as decisões de residência única. Um estudo da Universidade de
Coimbra que analisou cerca de 500 sentenças de 2012 apenas encontrou duas de
residência alternada sendo 78% a residência entregue à mãe, 14% a familiares e
8% ao pai. Percebe-se como a alteração é uma tarefa difícil considerando a
cultura que tem predominado nas decisões dos Tribunais.
São numerosos os testemunhos e os
estudos que mostram que em princípio é mais vantajoso para a criança viver em
casa do pai e em casa da mãe por períodos alternados do que a situação que tem
sido mais habitual nos casos de regulação parental, a entrega da criança à mãe
e visitas ao pai.
Como referi a cultura dos
Tribunais de Família tem alimentado decisões desta natureza subvalorizando por
preconceito e representação a capacidade cuidadora e educadora dos pais
entendo-o sobretudo como “financiador” e parceiro para brincadeiras. Este
modelo gera potenciais assimetrias e afastamento entre as crianças e os pais,
mas, quer na visão dos adultos envolvidos, quer na decisão das instituições
parece verificar-se alguma mudança o que se saúda. A mudança de posição do PS,
juntando-se ao PSD veio manter este entendimento apesar do avanço que
representa a possibilidade de determinar a residência partilhada.
Parece-me claro que ao defender o
princípio da residência alternada estamos a falar num princípio geral que
deverá ser considerado caso a caso, aliás, como recomenda o Conselho da Europa.
Importa ainda sublinhar que as
crianças gerem muito bem a dimensão logística e emocional da residência alternada.
Na verdade, desde muito novas as crianças lidam tranquilamente com progenitores
separados que as amem e delas cuidem e com quem convivam alternadamente.
É sempre preferível uma boa
separação a uma má família, as crianças percebem muito bem quando têm pais
"casados" por fora e “descasados” por dentro. Compete aos adultos o
esforço, por vezes pesado, de construir uma boa separação. Aliás, só assim
poderão voltar a construir uma boa família.
Importante mesmo é que também
todos os que de nós lidamos com crianças e com os seus problemas possamos
ajudar os pais neste entendimento, poupando sofrimento a adultos e crianças e
mesmo decisões de guarda parental pouco amigáveis para o superior interesse da
criança.
Sem comentários:
Enviar um comentário