Continuam as referências na imprensa ao número significativo
de turmas sem aulas por falta de professores.
Para além da falta de docentes para grupos específicos também
é frequentemente referido que uma parte da oferta é de horários incompletos
que, pelo baixo vencimento sobretudo quando implica deslocações e estadia a
quem a eles concorre, pelo menor impacto na contagem do tempo de serviço e pela
dificuldade das escolas em os completar com actividades lectivas não minimamente
atractivos para os docentes sem colocação.
Este cenário não admissível pelo impacto no trajecto escolar
dos alunos levantou-me uma questão que, parecendo razoavelmente óbvia,
certamente não terá razão para ser colocada, mas arrisco. Uma pequena introdução.
O ano lectivo passado nas circunstâncias em que decorreu
deixou muitos milhares de alunos vulneráveis em termos de aprendizagem e mesmo
de bem-estar na sua relação com a escola.
Foi definido pelo ME que as primeiras semanas deste ano
lectivo se destinariam a recuperar e consolidar aprendizagens e, entre ouras
medidas, aumentar os recursos docentes no âmbito do programa tutorial de apoio
específico que estabelece 10 alunos por docentes 4h por semana o que é
manifestamente pouco.
Os modelos de natureza tutorial, conforme as boas práticas
já existentes em muitas escolas e os estudos nacionais e internacionais
sustentam, são ferramentas sólidas e eficazes para acomodar e responder a
dificuldades de alunos e professores nos processos de ensino e aprendizagem.
Defendo de há muito dispositivos desta natureza até como
forma de gerir de forma adequada os recursos docentes já integrados no sistema
e que manifestamente podem ser utilizados em programas de tutoria ou
coadjuvação. Aliás, é também interessante o recurso a alunos para programas de
tutoria com vantagens recíprocas, para tutores e para tutorandos.
No entanto, e talvez ajude a perceber alguns dos resultados
menos positivos, o Programa de Tutoria em desenvolvimento, da forma como está
desenhado, quatro horas semanais por professor tutor para 10 alunos como
princípio, e considerando o perfil de intervenção definido e que julgo
adequado, tem evidentes constrangimentos. No entanto, também já estamos
habituados a que o empenho, competência e profissionalismo da generalidade dos
professores minimizem insuficiências que ninguém estranhará. No entanto, não
existem milagres e a negação de dificuldades ou exercícios de “wishfull
thinking” não resolvem os problemas.
Recordemos as funções atribuídas.
a) Reunir nas horas atribuídas com os alunos que acompanha;
b) Acompanhar e apoiar o processo educativo de cada aluno do
grupo tutorial;
c) Facilitar a integração do aluno na turma e na escola;
d) Apoiar o aluno no processo de aprendizagem, nomeadamente
na criação de hábitos de estudo e de rotinas de trabalho;
e) Proporcionar ao aluno uma orientação educativa adequada a
nível pessoal, escolar e profissional, de acordo com as aptidões, necessidades
e interesses que manifeste;
f) Promover um ambiente de aprendizagem que permita o
desenvolvimento de competências pessoais e sociais;
g) Envolver a família no processo educativo do aluno;
h) Reunir com os docentes do conselho de turma para analisar
as dificuldades e os planos de trabalho destes alunos
Quem conhece a realidade das escolas e as problemáticas
complexas dos alunos em insucesso, com desmotivação, desregulação de
comportamento, ausência de projecto de vida, falta de enquadramento e suporte
familiar, lacunas graves nos conhecimentos escolares de anos anteriores, etc.,
quase sempre presentes e só para referir dimensões relativas aos alunos, percebe
a dificuldade de reverter, para usar um termo em voga, o seu trajecto escolar.
À luz do que me parece ser um trajecto de defesa da efectiva
autonomia das escolas, preferia que, dando o ME orientação e a possibilidade de
gerir e alocar recursos a estes programas, que fossem as escolas a organizar os
seus programas de tutoria, definindo destinatários, professores e técnicos
envolvidos, tempos de realização e objectivos a atingir.
Caberia, evidentemente, às escolas e ao ME a regulação e
acompanhamento dos programas e a sua avaliação.
Sabemos, é uma referência comum, a existência de
“constrangimentos” que pesam nos recursos disponíveis sendo que a formação aqui
se constitui como eixo importante como é sublinhada no actual relatório.
Neste cenário surge a ideia certamente disparatada. Porque
não atribuir horários completos nas situações de docentes em falta completando
esses horários com actividade de natureza tutorial junto de alunos em situação
de maior vulnerabilidade? Um eventual problema legal não me parece que seja difícil de ultrapassar e a questão dos custos nesta matéria não me parece relevante face aos potenciais benefícios.
No entanto, mais uma vez e não esquecendo a necessidade de
combater desperdício e ineficácia, é bom recordar que a qualidade da educação e
a promoção do sucesso para todos os alunos não representam despesa, são
investimento.
Sem comentários:
Enviar um comentário