quarta-feira, 4 de março de 2020

A "FATALIDADE" DO INSUCESSO


A tradição continua a ser o que tem sido. Apesar de alguma melhoria global, a retenção escolar continua fortemente associada ao nível socioeconómico das famílias dos alunos.
Dos dados agora divulgados pelo ME e em síntese releva que em 2018/2019 apenas 21% dos alunos abrangidos pela Acção Social Escolar cumpriram o 9º ano sem retenções, entre os alunos com meios familiares mais favorecidos a percentagem de trajectos sem retenção foi 56%. No ensino secundário a diferença é menor, mas ainda bastante significativa, 29% e 45%.
Os números ilustram uma situação que, lamentavelmente, não tem nada de novo. Algumas notas.
Sabemos que muitas escolas são espaços de sucesso e que o insucesso é mais elevado em escolas de periferia que servem territórios mais vulneráveis em termos sociais e económicos e em escolas de concelhos do interior mais desertificado, embora, sublinhe-se, mesmo nesses contextos existam escolas que conseguem fazer a diferença.
Também sabemos que no âmbito do insucesso se identifica como questão crítica a aprendizagem da leitura, da escrita e da matemática num quadro curricular que carece de ajustamento para além da “mágica” flexibilidade.
Creio que para muitos de nós que a retenção escolar, o chumbo, só por existir,  não transforma o insucesso em sucesso, repetir só por repetir não produz sucesso, aliás gera mais insucesso conforme os estudos mostram, quer se queira, quer não. Recordo que já no relatório relativo ao PISA de 2012 a OCDE afirmava que a retenção, é para os alunos portugueses o principal factor de risco para os resultados na avaliação posterior, dito de outra maneira, os alunos chumbam … mas não melhoram.
Também os dados do PISA de 2018 mostram que só 10% dos alunos mais carenciados onseguem atingir os níveis mais elevados de competência em leitura.
Parece claro que para promover mais sucesso e não empurrar os alunos para os anos seguintes sem nenhuma melhoria nas suas competências ou saberes é essencial promover e tornar acessíveis a alunos, professores e famílias apoios e recursos adequados e competentes de forma a evitar a última e genericamente ineficaz medida do chumbo.
Sabemos também que a escola pode e deve fazer a diferença, em muitas escolas isso acontece. Mas para que isto seja consistente e não localizado também sabemos que o sucesso se constrói identificando e prevenindo dificuldades de forma precoce, com a definição de currículos adequados, com a estruturação de dispositivos de apoio eficazes, competentes e suficientes a alunos e professores, com a definição de políticas educativas que sustentem um quadro normativo simples e coerente e modelos adequados e reais de autonomia, organização e funcionamento desburocratizado das escolas, com a definição de objectivos de curto e médio prazo, com a valorização do trabalho dos professores, com práticas de diferenciação que não sejam "grelhodependentes", com expectativas positivas face ao trabalho e face aos alunos, com melhores níveis de trabalho cooperativo e tutorial, quer para professores quer para alunos, etc.
Não tenho nenhuma convicção que a multiplicação de projectos que emergem fora das escolas, com formas robustas de financiamento fora do sistema educativo, que alimentam agendas e corporações de interesses possam ser o caminho apesar de surgirem sempre alguns resultados ou avaliações que os pretendem legitimar. É com a escola, por dentro da escola e integrado em sólidos projectos de autonomia e responsabilidade e com recursos adequados que o caminho se constrói.
Sabemos tudo isto. Nada é novo.
Só falta um pequeno passo.
Que todos para todos os miúdos possam aceder com equidade a trajectórias de sucesso. Não, não é uma utopia. Tal como o insucesso não é uma fatalidade do destino.

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