No DN está um trabalho interessante sobre uma matéria que
respeita a muitíssimas famílias com custos de diferente natureza para pais e
filhos, as inúmeras actividades que esperam muitas crianças depois da escola. Neste
espaço e em trabalho com pais e encarregados de educação também a tenho abordado
com alguma frequência.
O led da notícia é elucidativo “Da escola para o futebol, o piano, o inglês e muitas outras atividades, as crianças ficam demasiado ocupadas e sem tempo para terem liberdade, para desenvolverem a criatividade, para fazerem as suas próprias escolhas ou para brincarem. E brincar é oxigénio para os mais pequenos.”.
Com o arranque do ano escolar as crianças e adolescentes
retomam as suas rotinas, os trabalhos, um grupo mais pequeno, os do 1º ano,
estão a iniciá-las. Com as alterações nos estilos de vida muitas famílias
sentem um problema importante, a guarda das crianças nos períodos laborais, o
sistema educativo tem procurado resolvê-lo da pior da maneira, prolongando
inaceitavelmente a estadia das crianças na escola. Creio que nem toda a gente
tem consciência de que, de acordo com a lei, uma criança, por exemplo do 5º
ano, pode passar 11 horas por dia na escola, ou seja, 55 horas por semana.
Relatório recente da Rede Eurydice voltava a mostrar que os alunos portugueses
são do que passam mais tempo na escola, designadamente no 1º ciclo.
Esta overdose de estadia institucional na escola, com o
tempo muitas vezes preenchido com actividades de duvidosa qualidade apesar de
também existirem muito boas práticas, não pode deixar de ter consequências na
relação que os miúdos estabelecem com a escola e com as actividades da escola.
Por outro lado, muitos pais recorrem ao envolvimento dos
filhos em múltiplas actividades transformando-as numa espécie de
crianças-agenda. Todas estas actividades, a oferta é variadíssima, são
percebidas como imprescindíveis à excelência, os miúdos devem ser educados para
ser excelentes. Promovem níveis fantásticos de desenvolvimento intelectual e da
linguagem, desenvolvimento motor, maturidade emocional, criatividade,
interacção social, autonomia e certamente de mais alguns aspectos que agora não
recordo. Assim, as crianças e adolescentes estão sempre envolvidos em qualquer
actividade, a quase todas as horas pois delas se espera não menos que a
excelência.
Nada disto belisca a importância que, de facto, podem ter
algumas actividades, mas apenas sublinhar alguns riscos no excesso.
Os pais, alguns pais, seduzidos pela sofisticação desta
oferta, pressionados por estilos de vida que não conseguem ou podem ajustar e
com a culpa que carregam pela falta de tempo para os filhos e sem vislumbrar
alternativas aceitam que os trabalhos dos miúdos se desenvolvam para além do
que seria desejável, eu diria saudável.
Vamos ter que repensar os trabalhos dos miúdos, de muitos
miúdos. O consumo excessivo, mesmo de actividades fantásticas ou de actividades
escolares, tem riscos.
Recordo que em 2018 a Academia Americana de Pediatria
recomendou aos pediatras que na sua prática clínica prescrevam “tempo para
brincar”, um bem de primeira necessidade para o bem-estar dos mais novos com
impacto em diferentes dimensões.
Insistem e insisto que não se trata de uma ideia “frívola” e os
actuais estilos de vida de muitas famílias, por diferentes razões, tornam ainda
mais importante que se reafirme a importância de brincar.
Mais uma vez, brincar é a actividade mais séria que os miúdos realizam, em que põem tudo o que são, sendo ainda a base de tudo o que virão a
ser e a saber.
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