quarta-feira, 24 de agosto de 2016

PROFESSORES, UMA CLASSE ENVELHECIDA E DESVALORIZADA (Take 2)

2016 será o ano que em menos professores se reformarão, 474 até Setembro e certamente menos de 1000 até ao final do ano.
Antes de umas notas, importa não esquecer que segundo o Relatório “Perfil do Docente”, divulgado em Julho pela Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, entre 2004/2005 e 2014/2015 abandonaram 42165 professores, 25% dos que estavam em 2004/2005. A saída verificou-se em todos os patamares de ensino mas com maior significado no 3º ciclo e no secundário (40% dos que saíram) quando nos últimos anos a população escolar no secundário até subiu devido ao alargamento da escolaridade obrigatória.
No ensino público registaram-se 98% dos abandonos, as escolas públicas tiveram quatro vezes mais saídas que os estabelecimentos privados.
Segundo o mesmo relatório e considerando dados de 14/15 apenas 1.4% dos docentes que leccionam em escolas públicas têm menos de 30 anos, não chegam a 500.
Acresce que o grupo etário com mais de 50 anos é o mais representado, 39.5%. Se a este grupo adicionarmos o escalão imediatamente anterior, 40 aos 49, temos que 77,3% dos docentes estão nos dois grupos mais velhos.
Se agora juntarmos o baixo número de saídas para aposentação e como escrevia há umas semanas, num país preocupado com o futuro este cenário faria emitir, como agora se usa, um alerta vermelho e agir em conformidade.
Como é reconhecido em qualquer sistema educativo a profissão docente é altamente permeável a situações de burnout, estado de esgotamento físico e mental provocado pela vida profissional, associado a baixos níveis de satisfação profissional.
Recordo um estudo recente realizado pelo Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA-IU) segundo o qual cerca de 30% dos perto de 1000 professores inquiridos revela risco de burnout.
Os professores mais velhos, do ensino secundário ou os que lidam com alunos com necessidades educativas especiais apresentam níveis mais elevados de burnout e sentem mais a falta de reconhecimento profissional.
Como causas mais contributivas para este cenário de stresse profissional são identificadas turmas com elevado número de alunos, o comportamento indisciplinado e desmotivação dos alunos, a pressão para os resultados, insatisfação com as condições de desempenho, carga horária e burocrática, falta de trabalho em equipa, falta de apoio e suporte das lideranças da escola.
Na verdade, os dados só podem surpreender quem não conhece o universo das escolas, como acontece com boa parte dos opinadores que pululam pela comunicação social perorando sobre educação e sobre os professores. Aliás, esta situação verifica-se noutros países, sendo que para além dos professores, os profissionais de saúde e de apoios sociais também integram os grupos profissionais mais sujeitos a stresse e burnout.
Este quadro é inquietante, uma população docente envelhecida e a revelar preocupantes sinais de desgaste.
Também se sabe que as oscilações da demografia discente não explicam a saída de milhares de professores do sistema, novos e velhos, como também não explicam a escassíssima renovação, contratação de docentes novos. Sem estranheza, no universo do ensino privado é bastante superior a presença de docentes mais jovens. Não esqueçamos ainda a deriva política a que o universo da educação tem estado exposto nas últimas décadas, criando instabilidade e ruído permanente sem que se perceba um rumo, um desígnio que potencie o trabalho de alunos, pais e professores. Acresce que sucessivas equipas ministeriais têm empreendido um empenhado processo de desvalorização dos professores com impacto evidente no clima das escolas e nas relações que a comunidade estabelece com estes profissionais
Sabemos que os velhos não sabem tudo e os novos nem sempre trazem novidade. Mas também sabemos que qualquer grupo profissional exige renovação pelas mais variadas razões incluindo emocionais, de suporte, partilha de experiência ou pela diversidade.
As salas de professores são cada vez mais frequentadas, quando há tempo para isso, por gente envelhecida, cansada que se sente desvalorizada, pouco apoiada que muitas vezes pergunta "Quanto tempo é que te falta?"
Na verdade, ser professor é uma das funções mais bonitas do mundo, ver e ajudar os miúdos a ser gente, mas é seguramente uma das mais difíceis e que mais respeito e apoio deveria merecer. Do seu trabalho depende o nosso futuro, tudo passa pela educação e pela escola.
Os sistemas educativos com melhores resultados são, justamente, os sistemas em que os professores são mais valorizados, apoiados e reconhecidos.

2 comentários:

Maria Antónia Lopes disse...

E que soluções aponta?
Há menos alunos. É um facto. Na minha escola andamos a disputar alunos de 10.º ano com a escola do outro lado da cidade. Não nasceram. Não há.
Sou pela aposentação antecipada, mas será que a Caixa Geral de Aposentações tem dinheiro para todos? É que há muitos velhos e a tendência será para durarmos mais (ainda bem!)
Além de lamentar, não sei o que é que o sistema pode fazer e não encontro sugestões no seu texto.

Zé Morgado disse...

Não sendo responsável por políticas educativas, também não me sinto responsável por "soluções". No entanto, talvez fosse de considerar:
. Carreiras profissionais menos longas e mais valorizadas. A existência de recursos, na CGA ou no ME, é uma questão de decisão política, tal como é uma decisão política colocar 5 000 milhões de euros para salvar o BPN e mais uns quantos mil milhões par branquear os desvarios e delinquência das administrações da banca)
. Menos alunos por turma com a comprovado impacto no sucesso e no trabalho de alunos e professores manteriam mais docentes no sistema e promoveriam a renovação imprescindível.
. Como certamente sabe, o volume de saídas de professores não é proporcional ao número de alunos a menos pelo qu uns milhares de professores a menos é também uma decisão política.
Parece-lhe mal?