Foram hoje divulgados os resultados de um inquérito realizado pela FNE junto de professores direccionado para os problemas sentidos no ser professor nos tempos que correm.
Responderam 3570 docentes dos
diferentes níveis de ensino. Provavelmente, voltaremos a alguns dados de
natureza mais específica, mas em termos mais globais e com a cautela de que
quem não conhece o estudo, alguns indicadores mais relevantes, quase 90% entendem
que a profissão não é socialmente reconhecida, 53,1% afirmam gostar muito de
ser professor, mas apenas 12% se sentem valorizados. Dos inquiridos, 89% identificam
como dimensões críticas, as pouco ou nada atractivas perspectivas de carreira
que 95% consideram não estar ao nível das competências e qualificações que lhes
são exigidas.
É ainda referido por 86% o excesso
de trabalho e a carga burocrática. A avaliação de desempenho constitui uma
preocupação para dois terços dos respondentes e três em cada quatro afirmam-se preocupados
ou muito preocupados com a progressão na carreira.
Como tantas vezes aqui tenho
abordado e recuperando notas já escritas, os problemas que envolvem a classe
docente e as suas consequências a curto e médio prazo, sendo conhecidos de há
muito, são agora claramente reconhecidos apesar de algumas tentativas de torcer
a realidade. Nos últimos anos têm sido recorrentes as referências, relatórios e
estudos evidenciando a preocupante falta de professores, o envelhecimento da
classe, os níveis de cansaço e de exaustão emocional, a baixa atracção dos mais
jovens pela profissão associada a modelos de carreira, contratação e
valorização pouco motivadores e justos. Os professores passam por dispositivos
de avaliação pouco transparentes e competentes que desmotivam, causam mal-estar
e climas institucionais pouco amigáveis, para ser simpático na adjectivação.
O modelo de governança das
escolas é também apontado com frequência como motivo de mal-estar e desmotivação
Por outro lado, existem algumas
sombras que podem sugerir um parece ter-se desenhado um processo questionável e
preocupante de “desprofissionalização”. No entanto, também é de registar que de
uma forma geral continuam a merecer a confiança das comunidades.
Este quadro, de um mal-estar
reconhecido, não pode deixar de ter impacto. Como muitas vezes afirmo,
crianças, enquanto grupo social, e professores, enquanto grupo profissional,
constituem dois grupos nucleares nas sociedades contemporâneas. Os mais novos
porque são o futuro e os professores porque, naturalmente, o preparam, tudo
(quase) passa pela escola e pela educação. Entre nós, este entendimento ainda
me parece mais justificado porque, devido a ajustamentos na organização social
e familiar e, é minha convicção, devido a políticas públicas sociais e
educativas inadequadas, os miúdos passam tempo excessivo na escola, alterando a
dinâmica educativa familiar o que sobrevaloriza o papel da escola através dos
professores.
Raramente a profissão professor
tem estado tanto em foco como nos últimos anos bem como a necessidade de
defender a qualidade da escola pública. Os tempos que vivemos sublinham uma
questão e outra de forma crítica.
Múltiplas acções e decisões
políticas, bem como alguma imprensa e "opinion makers" têm
contribuído para degradar a sua função, fragilizar a sua imagem social e
comprometer o clima e a qualidade do trabalho desenvolvido nas escolas apesar
dos professores continuarem a ser uma das classes profissionais em que os
portugueses mais confiam.
A atenção que tem estado centrada
nos professores advém de boas e más razões. Não cabe aqui um balanço, e entendo
que, tal como os miúdos, os professores não têm sempre razão, os discursos dos
seus representantes são, por vezes parte do problema e não parte da solução e
também sei que existem alguns professores que o não deviam ser. No entanto, a
verdade é que a esmagadora maioria dos docentes são ... Professores, muito bons
Professores.
Ser professor no ensino básico e
secundário por razões conhecidas e por vezes esquecidas, é hoje uma tarefa de
extrema dificuldade e exigência que social e politicamente justifica um
reconhecimento e valorização frequentemente negligenciados. Acresce que é uma
tarefa desempenhada por uma classe extremamente envelhecida e cansada como tem
sido amplamente estudado e divulgado.
Por um momento, pensemos no que é
ser professor em algumas escolas que décadas de incompetência na gestão
urbanística, nas políticas sociais e consequente guetização social produziram.
Pensemos ainda na forma como
milhares de professores cumprem a sua carreira, muitos deles sem a
possibilidade de desenharem projectos de vida para si quando são os principais
responsáveis por lançar projectos de vida para os miúdos com quem trabalham. Aliás,
nos últimos anos, milhares de professores, de bons professores e professores
necessários, foram constrangidos à reforma e muitos ao desemprego por uma
política de contabilidade inimiga da educação pública e da qualidade.
Pensemos em como os professores
são injustiçados nas apreciações de muita gente que no minuto a seguir a dizer
uma qualquer ignorante barbaridade, vai numa espécie de exercício
sadomasoquista entregar os filhos nas mãos daqueles que destrata, depreendendo-se
assim que, ou quer mal aos filhos ou desconhece os professores e os seus
problemas.
Pensemos como é imprescindível
que a educação e os problemas dos professores não sejam objecto de luta
política baixa e desrespeitadora dos interesses dos miúdos, mesmo por parte dos
que se assumem como seus representantes.
Pensemos que a forma como os
miúdos, pequenos e maiores, vêem e se relacionam com os professores está
directamente ligada à forma como os adultos os vêem e os discursos que fazem.
Pensemos finalmente nos
professores que nos ajudaram a chegar ao que hoje cada um de nós é, aqueles que
carregamos bem guardadinhos na memória, pelas coisas boas, mas também pelas
más, tudo contribuiu para sermos o que somos.
A valorização social e
profissional dos professores em diferentes dimensões é uma ferramenta
imprescindível a um sistema educativo com mais qualidade. A valorização e
reconhecimento passam também pela necessidade de modelos de carreira e de
avaliação justos e transparentes que sustentem, reconheçam e promovam
competência, empenho e atracção pela profissão.
Estamos num novo ciclo e importaria
que a realização de mudanças nas políticas públicas de educação, e não só. Este
caminho está a esgotar-se e o futuro parece comprometido, atentemos nos
resultados mais recentes da avaliação dos alunos. Não vale a pena negar a
realidade.
E o futuro não pode esperar.
Sem comentários:
Enviar um comentário