Lê-se no Público que o MECI decidiu não alargar no próximo ano a mais turmas do 1º ciclo e do secundário o projecto piloto da utilização de manuais digitais. Mantém o programa que envolve turmas do 2º e 3º ciclo que será avaliado para sustentação de decisões posteriores.
Anda bem o Ministério ao não
estender no 1º ciclo o recurso a manuais digitais. Repetindo-me, continuo cada
vez mais convencido da necessidade de reflexão sobre esta questão. Será
certamente interessante o acesso a um Relatório de 2023 da Unesco, “Technology
in education: A tool on whose terms?”. Também se registam iniciativas e
análises em diferentes sistemas educativos que pretendem repensar a utilização
dos recursos digitais casos da Noruega e Suécia.
Também começa a existir alguma
evidência robusta que sugere a maior prudência na utilização dos recursos
digitais nos primeiros anos de aprendizagem considerando o seu impacto na
aprendizagem e desenvolvimento de competências em leitura, escrita e matemática
e também em termos sociais e comportamentais.
A verdade é que, apesar do seu
enorme potencial as ferramentas digitais não são a poção mágica para o ensino e
aprendizagem. Os computadores ou tablets na sala de aula, os smart boards, não
promovem sucesso só pela sua existência. A forma como são utilizados por
professores e alunos é que pode potenciar a qualidade e os resultados desse
trabalho. Aliás, o mesmo se pode dizer de qualquer outro recurso ou actividade
no âmbito dos processos de aprendizagem.
É certo que múltiplos estudos e
experiências valorizam estes recursos nos processos de ensino e aprendizagem
pelo que é importante garantir o acesso pela generalidade dos alunos, mas, não
podem passar a ser o tudo no trabalho escolar.
Neste contexto e como já tenho
afirmado, com base no que se sabe em matéria de desenvolvimento das crianças e
adolescentes, dos processos de ensino e aprendizagem e da sua complexa teia de
variáveis, das experiências e dos estudos neste universo, mesmo quando
aparentemente contraditórios:
1 – O contacto precoce com as
tecnologias digitais é, por princípio, uma experiência positiva para os alunos,
para todos os alunos, se considerarmos o mundo em que vivemos e no qual eles se
estão a preparar para viver. Nós adultos ainda estamos a pagar um preço elevado
pela iliteracia, os nossos miúdos não devem correr o risco da iliteracia
informática. Os tempos da pandemia mostraram isso mesmo.
2 – O computador/tablet, kits
robóticos, smart boards, etc., na sala de aula são mais uma ferramenta, não são
A ferramenta, não substituem a escrita manual e a leitura em papel, não
substituem a aprendizagem do cálculo, não substituem coisa nenhuma, são “apenas”
mais um meio, muito potente sem dúvida, ao dispor de alunos e professores para
ensinar e aprender e agilizar o acesso a informação e conhecimento. Reafirmo a
importância atribuída à leitura em papel e à escrita manual em termos de
desenvolvimento e aprendizagem.
3 - O que dá qualidade e eficácia
aos materiais e instrumentos que se utilizam na sala de aula não é a tanto a
sua natureza, mas, sobretudo, a sua utilização, ou seja, incontornavelmente, o
trabalho dos professores é uma variável determinante. Posso ter um computador
para fazer todos os dias a mesma tarefa, da mesma maneira, sobre o mesmo tema,
etc. Rapidamente se atinge a desmotivação e ineficácia, é a utilização adequada
que potencia o efeito as capacidades dos materiais e dispositivos.
4 - Para alguns alunos com
necessidades especiais o computador pode ser mesmo a sua mais eficiente
ferramenta e apoio para acesso ao currículo.
5 – Para além de garantir o
acesso dos miúdos aos materiais é obviamente imprescindível promover o acesso a
formação e apoio ajustados aos professores sem os quais se compromete a
qualidade do trabalho a desenvolver bem como, evidentemente, assegurar as condições
exigidas para que o material possa ser rentabilizado. São por demais conhecidas
as dificuldades sentidas nas escolas com os recursos e acessibilidade.
6 – Finalmente, como em todo o
trabalho educativo, são essenciais os dispositivos de regulação e avaliação do
trabalho de alunos, professores e escolas. Estes dispositivos devem incluir
avaliação externa.
Como referi acima, não existem
poções mágicas em educação por mais desejável que possa parecer a sua
existência. Não deixemos que o fascínio deslumbrado pelo que se julga ser as
"salas de aula do futuro" faça esquecer os problemas das salas de aula
do presente.
Sem comentários:
Enviar um comentário