Ontem ao fim da tarde esteve cá no Monte um amigo aqui da vila para ver o que se passava com um aparelho de casa.
Como é costume por aqui, quando
há pessoas juntas surgem as lérias. Inevitavelmente para quem tem netos, estes
foram tema de conversa e às tantas chegámos a um caminho que não sabíamos andar
pensando nos tempos que correm o que irá ser a vida deles quando forem grandes?
Claro que não temos resposta para
isso e …
Já depois, lembrei-me de há já
alguns anos e a propósito do inevitável “que queres ser quando fores grande”
escrevi por aqui uma história em sentido diferente, “que queres ser quando
fores velho?”
Dizia assim:
“Não, não é engano, é mesmo isso
que queria escrever, não era que queres ser quando fores grande. Esta
formulação talvez seja a pergunta que mais vezes é feita a miúdos e
adolescentes. Acontece que os miúdos e adolescentes chegam a grandes e, boa
parte não são o que responderam à inevitável pergunta, mas a partir daí,
estranhamente, ninguém mais pergunta ou se inquieta com o que um grande quer
ser quando for velho. Acresce que hoje, felizmente, cada vez mais os grandes
chegam a velhos.
Já sendo grande há uns bons anos
e estando mesmo à beira da velhice, interrogava-me há pouco sobre que quero eu
ser quando for velho.
Bom, gostava de ser velho, ou
seja, existir enquanto velho, com a minha companheira de sempre e com a
qualidade de vida física funcional e com capacidade para a lida ainda que
ajustada ao peso dos anos.
Costumo dizer que um dos
privilégios da velhice é ter histórias para contar por isso gostava de poder
contar histórias. Gostava de contar histórias aos netos e a outra gente mais
nova, já não para ensinar, ensinar é tarefa para grandes, pais e professores,
não é para velhos, mesmo professores velhos. As histórias dos velhos são para
ouvir e conversar, não são para aprender.
Outro privilégio que a velhice
traz é assim uma espécie de inimputabilidade, podemos dizer e fazer coisas
estranhas que as pessoas aceitam e dizem de forma condescendente, é velho, às
vezes até acham graça. Deve ser bom poder dizer e fazer, quase, o que nos vem à
cabeça. Quando for velho quero ser assim.
Quando for velho quero ter o
tempo, não o tempo do dever, mas o tempo do querer, embora acredite que quando
se é velho o tempo parece mais pequeno. Também gostava que os que foram
pequenos ao pé de mim fossem permanecendo por perto mesmo que, eventualmente
longe.
Não parece assim grande coisa,
mas eu acho que os velhos só ligam ao essencial."
Agora que cheguei a velho … estou
a ser, até ver, o que gostava de ser quando chegasse a velho. Não, não é
perfeito, o mundo está demasiado feio para que não nos inquietemos. Não pensei
que com o que vivemos e demos por adquirido os tempos assim seriam.
No entanto e apesar disso,
sinto-me um homem, um velho, com sorte.
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