segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

"É PROIBIDO CORRER" E TAMBÉM SÃO PROIBIDOS "OS CARINHOS" OU A QUESTÃO DAS REGRAS E LIMITES EM EDUCAÇÃO

Nos últimos dias surgiram várias referências ao regulamento estipulado pelo Colégio de Gaia, frequentado por alunos da educação pré-escolar ao secundário, em que entre várias outras proibições se definia a expressa proibição de correr "quer chova quer faça sol" ou que, quanto aos "carinhos", "devem tê-los fora das instalações do colégio". As proibições terão suscitado reacções negativas por parte de alguns alunos e pais.
A questão das proibições em educação é e será sempre objecto de controvérsia. Aqui fica mais um contributo recorrendo a ideias que muitas vezes afirmo.
Em primeiro lugar importa reafirmar que limites e regras são um bem de primeira necessidade no desenvolvimento e educação de crianças e adolescentes. Em segundo lugar reafirmar não sendo um processo fácil, longe disso, em muitas famílias e também em instituições educativas a definição de regras e limites e o seu cumprimento se torna particularmente difícil. Diariamente assistimos a exemplos dessa dificuldade.
A proibição de correr, para crianças e adolescentes, ou ou a definição de que os carinhos são para fora das instalações, assim enunciadas e dentro de uma instituição educativa parecem-me um disparate que nem discuto. Parece-me mais pertinente e adequado reflectir na forma de promover comportamentos adequados sem que a proibição seja o instrumento único para tal efeito e a definição de regras e limites assente menos no que NÃO se pode fazer e mais NO QUE se deve fazer e no COMO se deve fazer promovendo a decisão e escolha das crianças no sentido de assim proceder. Dito de outra maneira, a questão essencial remete para uma outra matéria de natureza mais vasta e importante, a autonomia das crianças e a forma como a promovemos ... ou não.
De há muito e sempre que penso ou falo de educação me lembro de um texto de Almada Negreiros em que se afirma " ... queria que me ajudassem para que fosse eu o dono de mim, para que os que me vissem dissessem: Que bem que aquele soube cuidar de si". Este enunciado ilustra, do meu ponto de vista, a essência da educação, seja familiar ou escolar, em qualquer idade.
De facto, o que se pretende num processo educativo será a construção de gente que sabe tomar conta de si própria da forma adequada à idade e à função que em cada momento se desempenha. Este entendimento traduz-se num esforço contínuo de promover a autonomia das crianças e jovens para que "saibam tomar conta de si próprios", no fundo, a velha ideia de "ensinar a pescar, em vez de dar o peixe".
Parece-me fundamental que adoptemos comportamentos que favoreçam esta autonomia dos miúdos e dos jovens. No entanto, é minha convicção que por razões que se prendem com os estilos de vida, com os valores culturais e sociais actuais, com as alterações das sociedades, questões de segurança por exemplo, estamos a educar os nossos miúdos de uma forma que não me parece, em termos genéricos, promotora da sua autonomia. A rua, a abertura, o espaço, o risco (controlado obviamente), os desafios, os limites, as experiências da vida escolar são ferramentas fortíssimas de desenvolvimento e promoção dessa autonomia. A construção de regras e limites inscreve-se neste processo bem como a percepção das implicações do seu não cumprimento.
Acontece que crianças e jovens são permanentemente bombardeados com saberes e actividades que serão obviamente importantes para o seu desenvolvimento e para o seu futuro mas, ao mesmo tempo pouco autónomos, pouco envolvidos nas decisões que lhes dizem respeito cumprindo agendas que lhes não dão margem de decisão sobre o quê e o porquê do que fazemos ou não fazemos. Acabam por se tornar menos capazes de decidir sobre o que lhes diz respeito, dependem da "decisão de quem está à sua volta, companheiros ou adultos.
Um exemplo, para clarificar. Um adolescente não habituado a tomar decisões, a fazer escolhas, mais dificilmente dirá não a uma oferta de um qualquer produto ou um a convite de um colega para um comportamento menos desejável. É mais difícil dizer não do que dizer sim aos companheiros da mesma idade. Num sala de aula é bem mais provável que um adolescente tenha um comportamento adequado porque "decida" que é assim que deve ser, do que por "medo" das consequências.
Só crianças e jovens autónomos, autodeterminados, serão mais capazes de dizer não ao que se espera que digam não e escolher de forma ajustada o que fazer e como fazer, o que sublinha a importância de em todo processo de educação, logo de muito pequeno, em casa e na escola, se estimular a autonomia dos miúdos.
Creio que este entendimento está pouco presente em muito do que fazemos em matéria de educação familiar ou escolar e para todos os miúdos.
Todos beneficiariam, miúdos e adultos. Mais do que ler num qualquer regulamento "É expressamente proibido correr dentro do colégio, quer chova, quer faça sol" ou que os "carinhos" são para usar do lado de fora da instituição.

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