sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

A PROPÓSITO DA EDUCAÇÃO PARA A SEXUALIDADE

Como é sabido esteve em discussão pública o Referencial de Educação para a Saúde elaborado pela Direcção-geral de Educação e pela Direcção-Geral da Saúde,
Trata-se de um texto orientador, não prescritivo, destinado ao trabalho com as crianças da educação pré-escolar e os alunos do 1º, 2º, 3º ciclos e ensino secundário no âmbito da Educação para a Saúde.
As escolas poderão desenvolver iniciativas de natureza mais transversal envolvendo outras áreas disciplinares ou conteúdos dedicados. São considerados cinco domínios: Saúde Mental e Prevenção da Violência, Educação alimentar, Actividade Física, Comportamentos Aditivos e Dependências e Afectos e Educação para Sexualidade.
No âmbito da consulta pública lê-se no Público que a maioria das participações se manifestou no sentido de dão abordar a temática da Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG) no 2.º ciclo de escolaridade.
Não conheço as justificações mas tratando-se de matéria, educação para sexualidade, que é vista fundamentalmente através de valores, representações e pré ou preconceitos, a racionalidade que afirma que no 2º ciclo existem alunos que já podem assumir comportamentos de risco e que a informação disponibilizada de forma adequada, evidentemente, pode minimizá-los não vai mudar os discursos produzidos. As inflamadas opiniões sobre o "aborto" nas escolas mostram isso mesmo, para além de alguma falta de seriedade intelectual. Nada de novo, a discussão sobre a IVG tem sido sempre assim.
A minha questão vai noutro sentido, o que pode caber numa escola que parece não parar de engordar?
Parece-me claro que não está minimamente em discussão a importância de qualquer das matérias na formação global de crianças e jovens no entanto creio que se justificam umas notas breves.
Por diversas ocasiões tenho aqui manifestado a minha reserva face ao entendimento de que tudo o que possa de alguma forma dizer envolver os mais novos deve ser ensinado na escola. Esta visão obesa da escola não funciona, nem tudo deve ser transformado em disciplinas e conteúdos escolares, para além de que a escola tem um conjunto de funções incontornáveis que tornam finita a sua capacidade de responder.
Por outro lado, tem vindo a desenhar-se, não só em Portugal mas também em Portugal, a ideia de uma educação, de uma escola, fundamentalmente centrada em competências instrumentais, em saberes “úteis”, "essenciais" como lhes chamava Nuno Crato, destinada sobretudo a formar “técnicos” e não “cidadãos” qualificados. Os currículos são progressivamente aliviados de conteúdos que não sejam “práticos”, promotores de “produtividade”, “domínio de técnicas” como seja toda a área da formação cívica, da educação para a saúde, dos valores, das expressões e conteúdos artísticos, etc.
A escola deve formar empresários, poucos, e técnicos qualificados e de formação estreita, muitos.
Estas ideias traduziram-se, traduzem-se apesar de algumas mudanças indiciadas e afirmadas, nos conteúdos curriculares, nos modelos de avaliação, nas concepções do que deve ser o trabalho dos professores, na organização do sistema educativo, selectivo, prescritivo e incapaz de acomodar diferenças entre os alunos, etc.
No entanto e independentemente das opções e visões ideológicas, uma das questões que no universo a educação estarão sempre em aberto é a que envolve os conteúdos e organização curricular. De facto, a velocidade de produção e acesso ao conhecimento e ao desenvolvimento, as mudanças nos sistemas e no quadro de valores das comunidades determinam a regular reflexão e ajustamento sobre o que a escola deve ensinar, sobretudo durante a escolaridade obrigatória.
Por outro lado, o tempo da escola e a competência da escola são finitos, isto é, a escola não tem tempo nem pode ou deve ensinar tudo. Lembram-se certamente das discussões sobre se matérias como educação sexual, educação cívica ou educação para a saúde, agora em apreciação, para citar apenas alguns exemplos, deverão, ou não, constituir-se como "disciplinas" e integrar os currículos escolares.
Em princípio, independentemente dos conteúdos poderem ser mais ou menos pertinente, vejo sempre com alguma reserva as propostas de introdução de mais uma disciplina, mais conteúdos, mais um manual, como se a escola, o currículo escolar, as suas competências, pudessem continuar a engordar indefinidamente. E não se trata de um problema de recursos ainda que seja de considerar.
Como é evidente, pode dizer-se sempre que os conteúdos propostos no Referencial para a Educação para a Saúde poderão integrar o trabalho escolar considerando até que os alunos passam um tempo imenso, diria excessivo, nas escolas. Aliás, tal acontece em muitas escolas e agrupamentos.
A questão central, do meu ponto de vista, é que as competências da escola, os conteúdos que nela são trabalhados, integrando ou não formalmente os currículos, não podem mesmo aumentar continuamente. Urge uma reflexão serena, participada e com tempo sobre o ajustamento dos conteúdos, a sua integração e organização, a forma como podem acomodar a diversidade dos alunos e a necessidade de diferenciação por parte dos professores, a formação global e não exclusivamente competências instrumentais, etc. Aliás, está em preparação o “Perfil de competências” à saída de saída para a escolaridade obrigatória elaborado por um Grupo liderado por Guilherme d’Oliveira Martins.
Somar conteúdos e competências à escola sem ajustamento dos conteúdos e organização existentes, pode promover problemas e não soluções, de tanto que lhe exigem corre risco de não providenciar o que lhe compete.
Na verdade, nem tudo o pode ser interessante saber terá de caber numa disciplina da escola e nem tudo o que se pode saber se aprende na escola. A dificuldade é que os alunos estão muito tempo na escola e a tentação é óbvia, a escola que faça.

2 comentários:

Rui disse...

Desde as competências para o empreendedorismo até à prevenção rodoviária, passando pela sexualidade, tudo se alcandora na instituição escolar. Ainda agora fiquei a saber que um livro do PNL teria sido retirado porque continha a expressão "preta", considerada de cariz racista. No entanto, um livro de Valter Hugo Mãe, fustigado com frases de bordel rasca e pornochanchada de pacotilha, terá sido integrado no pacote eleito para a aculturação dos adolescentes. A luta contra o patriarcado colonialista deixa assim o caminho aberto à barbárie de usos e costumes, sem qualquer reflexão sobre a violência que acompanha hoje em dia as relações entre jovens, entregues a si mesmos, incentivados a entregarem-se ao mercado das perversões e da cegueira moral capitalista. A demência de um Trump eleito, "lá longe", vem de onde? Talvez fosse bom que a escola repensasse o seu papel, nomeadamente na elevação dos costumes e na crítica dos usos obscenos que transformam as pessoas em objectos sociais, em vez de mergulhar ainda mais as crianças e jovens na vulgaridade e no narcisismo mercantil.

Zé Morgado disse...

Os tempos vão estranhos e estranha fica a ideia da obesidade sem fim da escola. Por outro lado, insiste-se na ideia de que a escola deve ensinar tudo e educar (formar) cada vez menos