segunda-feira, 27 de outubro de 2025

LIVROS E LEITORES, DE PEQUENINO É QUE ...

 Nos últimos dias o Público tem duas peças relativas às bibliotecas escolares  e ao trabalho dos professores bibliotecários. Em 2024/2025 nas escolas públicas estavam 1380 professores bibliotecários que têm uma média de 10 anos como responsáveis de bibliotecas e desenvolvem um trabalho notável.  Num país com índices de leitura preocupantemente baixos o seu trabalho nas escolas.

Entretanto, o Ministério da Educação no seu “ímpeto reformista” extinguiu o Plano Nacional de Leitura e a Rede de Bibliotecas Escolares. Apenas se sabe que estas áreas serão integradas no novo Instituto de Educação, Qualidade e Avaliação. Os professores bibliotecários vêem esta alteração com alguma reserva e temem o comprometimento do trabalho que está a ser realizado.

Com alguma frequência aqui tenho abordado a questão crítica da leitura e dos hábitos de leitura entre nós, em particular, dos mais novos, o tempo em que tudo se constrói.

Retomo algumas notas.

Dados do estudo Evolução das Práticas de Leitura dos Alunos do Ensino Básico e Secundário em Portugal, realizado por investigadores do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (​CIES) do Iscte-IUL para o Plano Nacional de Leitura, cerca de um em cada quatro alunos portugueses dos ensinos básico e secundário tem menos de 20 livros em casa. E que se no início da escolaridade as crianças demonstram maior interesse pela leitura, este vai decaindo ao longo dos anos. Em 2023, 96,8% dos alunos do 1.º ciclo tinham lido pelo menos um livro nos 12 meses anteriores; no secundário, apenas 78,2%.

Sem surpresa, também para os mais velhos os livros não são uma escolha. Segundo os resultados do Inquérito às Competências dos Adultos de 2023, publicado no final do ano passado pela OCDE, 41% dos adultos que apenas conseguem ler textos curtos e listas organizadas e um grupinho de 15% nem sequer isso consegue.

A promoção de hábitos de leitura de crianças e jovens é um eixo crítico na educação escolar e familiar das sociedades actuais.

Recordo que em 2023 doi divulgado o designado Manifesto de Liubliana, subscrito pela Associação Internacional de Editores, Academia Alemã de Língua e Literatura, Federação dos Editores Europeus, EU-READ, Consórcio de organizações europeias de promoção da leitura, PEN Internacional, Federação Internacional das Associações de Bibliotecários e Conselho Internacional dos Livros para Jovens, apresentado na Feira do Livro de Frankfurt que decorre de 18 a 22 de Outubro.

Esta iniciativa destina-se promover os hábitos de leitura entre crianças e jovens designadamente a leitura de livros e textos mais longos. O movimento é sustentado pela importância que para o desenvolvimento global e conhecimento a leitura assume e, naturalmente, motivado pelo abaixamento destes hábitos de leitura que continuam preocupantes.

Como já aqui tenho escrito, os livros e a leitura são bens de primeira necessidade para gente de todas as idades donde a insistência. Recordo sempre Marguerite Yourcenar que em “As Memórias de Adriano” escrevia “A palavra escrita ensinou-me a escutar a voz humana.”

São múltiplos os estudos e referências que sublinham o impacto dos livros e da leitura no desenvolvimento e competências escolares no trajecto pessoal. Lamentavelmente, são também muitos os trabalhos que mostram que os hábitos de leitura são pouco consistentes entre as crianças, adolescentes e jovens como, sem surpresa, também o são entre a população em geral. Nos últimos tempos parece estar a despertar um maior interesse pelos livros, sobretudo entre os mais novos, associado a um fenómeno das redes sociais, os booktokers que lêem e divulgam livros no TikToK. Esperemos que se mantenha e fortaleça.

Os livros têm uma concorrência fortíssima com outro tipo de materiais, telemóveis, jogos ou consolas por exemplo, e que nem sempre é fácil levar as crianças, jovens ou adultos a outras opções, designadamente aos livros.

Apesar de tudo isto também sabemos que é possível fazer diferente, mesmo que pouco e com mudanças lentas.

Só se aprende a ler lendo e o essencial é criar leitores que, quando o forem, procurarão o que ler, livros por exemplo, em que espaços, biblioteca, casa ou escola e em que suportes, papel ou digital.

Um leitor constrói-se desde o início do processo educativo, escolar e familiar. Desde logo assume especial importância o ambiente de literacia familiar e o envolvimento das famílias neste tipo de situações, através de actividades que desde a educação pré-escolar e 1º ciclo deveriam ser estimuladas, muitas vezes são, e para as quais poderiam ser disponibilizadas aos pais algumas orientações.

Apesar dos esforços de muitos docentes, a relação de muitas crianças, adolescentes e jovens com os materiais de leitura e escrita assentará, provavelmente de forma excessiva, nos manuais ou na realização de trabalhos através da milagrosa “net” proliferando o apressado “copy, paste” ou resumos disponíveis das obras que são de leitura obrigatória ou recomendada.

 Neste contexto, embora desejasse muito estar enganado, não é fácil construir miúdos ou adolescentes leitores que procurem livros em casa, em bibliotecas escolares ou outras e que usem o "tablet" também para ler e não apenas para uma outra qualquer actividade da oferta sem fim que está disponível. A iniciativa dos booktokers que referi acima pode ser um bom sinal.

Felizmente e apesar das dificuldades também importa sublinhar que se realizam com regularidade experiências muito interessantes em contextos escolares no âmbito do Plano Nacional de Leitura e da Rede de Bibliotecas Escolares com os professores bibliotecários têm desenvolvido um trabalho essencial, ou em iniciativas mais alargadas a outras entidades como autarquias e instituições culturais. Com a sua extinção e desconhecendo o que segue o cenário não é positivo.

Sabemos, isso sim, que precisamos de criar leitores, eles irão à procura dos livros ou da leitura, mesmo em tempos menos favoráveis.

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