Nos últimos dias o Público tem duas peças relativas às bibliotecas escolares e ao trabalho dos professores bibliotecários. Em 2024/2025 nas escolas públicas estavam 1380 professores bibliotecários que têm uma média de 10 anos como responsáveis de bibliotecas e desenvolvem um trabalho notável. Num país com índices de leitura preocupantemente baixos o seu trabalho nas escolas.
Entretanto, o Ministério da Educação no seu “ímpeto reformista” extinguiu o Plano Nacional de Leitura e a Rede de Bibliotecas Escolares. Apenas se sabe que estas áreas serão integradas no novo Instituto de Educação, Qualidade e Avaliação. Os professores bibliotecários vêem esta alteração com alguma reserva e temem o comprometimento do trabalho que está a ser realizado.
Com alguma frequência aqui tenho
abordado a questão crítica da leitura e dos hábitos de leitura entre nós, em
particular, dos mais novos, o tempo em que tudo se constrói.
Retomo algumas notas.
Dados do estudo Evolução das
Práticas de Leitura dos Alunos do Ensino Básico e Secundário em Portugal,
realizado por investigadores do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia
(CIES) do Iscte-IUL para o Plano Nacional de Leitura, cerca de um em cada quatro
alunos portugueses dos ensinos básico e secundário tem menos de 20 livros em
casa. E que se no início da escolaridade as crianças demonstram maior interesse
pela leitura, este vai decaindo ao longo dos anos. Em 2023, 96,8% dos alunos do
1.º ciclo tinham lido pelo menos um livro nos 12 meses anteriores; no
secundário, apenas 78,2%.
Sem surpresa, também para os mais
velhos os livros não são uma escolha. Segundo os resultados do Inquérito às
Competências dos Adultos de 2023, publicado no final do ano passado pela OCDE,
41% dos adultos que apenas conseguem ler textos curtos e listas organizadas e
um grupinho de 15% nem sequer isso consegue.
A promoção de hábitos de leitura
de crianças e jovens é um eixo crítico na educação escolar e familiar das
sociedades actuais.
Recordo que em 2023 doi divulgado
o designado Manifesto de Liubliana, subscrito pela Associação Internacional de
Editores, Academia Alemã de Língua e Literatura, Federação dos Editores
Europeus, EU-READ, Consórcio de organizações europeias de promoção da leitura,
PEN Internacional, Federação Internacional das Associações de Bibliotecários e
Conselho Internacional dos Livros para Jovens, apresentado na Feira do Livro de
Frankfurt que decorre de 18 a 22 de Outubro.
Esta iniciativa destina-se
promover os hábitos de leitura entre crianças e jovens designadamente a leitura
de livros e textos mais longos. O movimento é sustentado pela importância que
para o desenvolvimento global e conhecimento a leitura assume e, naturalmente,
motivado pelo abaixamento destes hábitos de leitura que continuam preocupantes.
Como já aqui tenho escrito, os
livros e a leitura são bens de primeira necessidade para gente de todas as
idades donde a insistência. Recordo sempre Marguerite Yourcenar que em “As
Memórias de Adriano” escrevia “A palavra escrita ensinou-me a escutar a voz
humana.”
São múltiplos os estudos e
referências que sublinham o impacto dos livros e da leitura no desenvolvimento
e competências escolares no trajecto pessoal. Lamentavelmente, são também
muitos os trabalhos que mostram que os hábitos de leitura são pouco consistentes
entre as crianças, adolescentes e jovens como, sem surpresa, também o são entre
a população em geral. Nos últimos tempos parece estar a despertar um maior
interesse pelos livros, sobretudo entre os mais novos, associado a um fenómeno
das redes sociais, os booktokers que lêem e divulgam livros no TikToK.
Esperemos que se mantenha e fortaleça.
Os livros têm uma concorrência
fortíssima com outro tipo de materiais, telemóveis, jogos ou consolas por
exemplo, e que nem sempre é fácil levar as crianças, jovens ou adultos a outras
opções, designadamente aos livros.
Apesar de tudo isto também
sabemos que é possível fazer diferente, mesmo que pouco e com mudanças lentas.
Só se aprende a ler lendo e o
essencial é criar leitores que, quando o forem, procurarão o que ler, livros
por exemplo, em que espaços, biblioteca, casa ou escola e em que suportes,
papel ou digital.
Um leitor constrói-se desde o
início do processo educativo, escolar e familiar. Desde logo assume especial
importância o ambiente de literacia familiar e o envolvimento das famílias
neste tipo de situações, através de actividades que desde a educação pré-escolar
e 1º ciclo deveriam ser estimuladas, muitas vezes são, e para as quais poderiam
ser disponibilizadas aos pais algumas orientações.
Apesar dos esforços de muitos
docentes, a relação de muitas crianças, adolescentes e jovens com os materiais
de leitura e escrita assentará, provavelmente de forma excessiva, nos manuais
ou na realização de trabalhos através da milagrosa “net” proliferando o
apressado “copy, paste” ou resumos disponíveis das obras que são de leitura
obrigatória ou recomendada.
Neste contexto, embora desejasse muito estar
enganado, não é fácil construir miúdos ou adolescentes leitores que procurem
livros em casa, em bibliotecas escolares ou outras e que usem o
"tablet" também para ler e não apenas para uma outra qualquer
actividade da oferta sem fim que está disponível. A iniciativa dos booktokers
que referi acima pode ser um bom sinal.
Felizmente e apesar das
dificuldades também importa sublinhar que se realizam com regularidade
experiências muito interessantes em contextos escolares no âmbito do Plano
Nacional de Leitura e da Rede de Bibliotecas Escolares com os professores
bibliotecários têm desenvolvido um trabalho essencial, ou em iniciativas mais
alargadas a outras entidades como autarquias e instituições culturais. Com a
sua extinção e desconhecendo o que segue o cenário não é positivo.
Sabemos, isso sim, que precisamos
de criar leitores, eles irão à procura dos livros ou da leitura, mesmo em
tempos menos favoráveis.
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