São recorrentes as notícias e os estudos que referem ou evidenciam um mal-estar crescente entre os adolescentes e jovens.
De acordo com dados divulgados
pelo Programa Mais Contigo, 41% dos adolescentes inquiridos revelaram sintomas
de depressão, tristeza persistente, baixa auto-estima, perda de interesse ou de
prazer e pensamentos negativos. Também 12% dos inquiridos estarão em risco de
comportamentos suicidários.
Também foi recentemente conhecida a situação extrema
do suicídio num espaço curto de tempo de dois jovens da comunidade escolar de
Castro Daire.
Vivemos tempos muito complicados
e sombrios que muitas vezes incubam mal-estar entre os mais novos que a família
e a comunidade escolar muitas vezes não conseguem, primeiro, perceber e,
segundo, desenvolver alguma acção preventiva ou remediativa.
Umas notas em torna do contexto
familiar.
Sabemos da importância protectora
que a família tem na resposta aos desafios da adolescência. Em inúmeras conversas
que realizei com pais estes “desafios” estavam quase sempre na agenda.
Normalmente começava por recordar e acentuar que crescer e ser, desde que se
nasce é sempre um desafio, mas, evidentemente, percebo as inquietações
associadas a estas idades e, mais recentemente, a um clima pouco amigável, por
assim dizer, que se foi instalando.
Parece-me também importante
reafirmar, faço-o convictamente, que na maioria das situações, com mais ou
menos sobressaltos … a coisa corre bem.
Também sei que quando emerge
algum mal-estar a situação pode ser bem complicada para adolescentes e pais e
uma ajuda exterior pode fazer a diferença. Dito isto, também entendo que é
necessária prudência para evitar um excesso de “psicologização” da vida educativa
das famílias e esperar que existe algures um manual de instruções que tudo
conserta.
A família, recorrendo às palavras
de Paul Bowles que inspirou Bertoluci num filme notável, deveria ser sempre
percebida como “The sheltering sky”, um céu protector na vida de todos os seus
membros, designadamente, nos que pela idade ou pelas circunstâncias enfrentam
“desafios”.
Parece-me ainda claro que este
céu protector só pode ser construído com base na comunicação, na escuta, na
disponibilidade (não estou a falar de tempo embora também), de percepção do que
se passa com o outro e do que ele sente.
Os estilos de vida, as alterações
dos quadros de valores e de prioridades nem sempre serão muito amigáveis para a
construção deste céu protector. Como sabemos as alterações climáticas são uma
realidade e também neste céu familiar se verificam alterações de clima a que
importa estar atento e prevenir … comunicando.
As famílias, nas suas diferentes
tipologias não podem ser um grupo de pessoas com a chave da mesma casa na qual
se cruzam, pouco falam e se escondem num ecrã. Tornam-se tóxicas e degradam-se.
Corremos então o risco de alguns
adolescentes, sobretudo em períodos mais crispados do ponto de vista social,
como estamos a viver, entre “muros”, nas mais das vezes invisíveis, que apertam
de mais e são difíceis de “saltar”. Vejamos alguns exemplos, se alguém os
inquirir sobre o que pensam ser o seu futuro, o seu projecto de vida, muito
provavelmente obterá uma resposta vazia, ou seja, não têm projecto de vida, não
têm ideia de futuro, trata-se assim de viver o presente e apenas o presente. A
adolescência é uma fase fundamental na construção da identidade. Certo, que
identidades estão muitos destes jovens a construir? Revêem-se nelas? Ou
sentem-se meio perdidos num mundo em que não sentem caber e encostam-se aos que
estão tão perdidos quanto eles. Que referências sustentam muitos destes jovens,
o lado positivo? Os modelos adequados, o que quer que isto seja? Ou os modelos
fornecidos por quem, como eles, vive o presente à pressa cheio de medo do
futuro, procurando chegar a tudo antes que se acabe a oportunidade?
Por vezes lembro-me de Brecht,
“Do rio que tudo arrasta se diz que é violento. Mas ninguém diz violentas as
margens que o comprimem”. Esta ideia não tem como objectivo branquear ou
desculpar os comportamentos socialmente inadequados de adolescentes, dirigidos
a outros ou mesmo a si próprio, mas a verdade é que muitos vivem com margens
demasiado estreitas.
Educar, em casa ou na escola, pode
traduzir-se em ajudar alguém a tomar conta de si próprio. Assim, a autonomia é
o fio estruturante da acção educativa e começa no berço. Quanto mais autónomos
mais autodeterminados e auto-regulados as crianças e jovens serão, menos será
necessário "tomar conta deles", eles saberão tomar conta de si de
forma adequada.
O afecto é imprescindível, não
existe "afecto a mais" ou, noutra versão, "mimos a mais".
Existe mau afecto e mau mimo e mau porque é tóxico, faz mal e não por ser
muito.
As regras e os limites são bens
de primeira necessidade. Tal como com os afectos, nenhuma dieta educativa pode
prescindir de regras e limites.
Finalmente e insistindo, a
educação, escolar ou familiar, assenta na relação que tem como ferramenta
essencial a comunicação. A comunicação é essencial, em qualquer idade.
A propósito.
SMS - Sossega, Medo Sentido
Sossega, medo sentido.
Vêem-me só e avisam,
cuidado com as companhias.
Porquê
são as companhias que me cuidam.
Não entendem.
Queixam-se do meu silêncio.
Porquê
todos falam de mim e ninguém fala comigo.
Não entendem.
Parecem com medo de mim.
Porquê
o meu medo é ainda maior.
Escondo-me com os fones no máximo
para não o ouvir,
o medo sentido.
Não entendem.
Dizem que me porto mal.
Porquê
só procuro um porto bom.
Não entendem.
É preciso pensar no futuro, dizem.
Porquê
o meu amanhã,
vai ser igual ao hoje,
igual ao nada.
Não entendem.
Sossega, medo sentido.
(2007)
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